Trilhos Serranos

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A PETISCADA -1 

Nestas últimas, penúltimas e antepenúltimas crónicas cirandámos pelo último quartel do século XIX. Falei da poesia popular, de autor anónimo, métrica e rima descuidadas, temas vários por si tratados, nomeadamente o ano em que ele assentou praça (1871) ao serviço de D. Luís, como soldado. Claro que, poetando ele daquela maneira (a sua obra excluída estaria, seguramente, de entrar nos manuais escolares, ainda que escola fizesse no auditório português popular e nele perdurasse até hoje, como referi, sobretudo na zona alentejana) e ao situar-se neste ano de 1871, lembrei-me logo das «Conferências do Casino», de Antero de Quental, dos seus sonetos, textos sociais, de literatura pura, que ele cantou e a mim me encanta. Depois falei do tabelião (Antero, poeta e escritor de renome, outro escrivão anónimo de província)  que, passada uma década (certamente filho da mesma escola coimbrã) assentou arraiais nesta vilória de Castro Daire, para daqui, no desempenho do seu ofício, viajar até aos Açores, dali para Tabuaço e, depois, retornar a esta santa terrinha.

TUDO O QUE VEM À REDE É PEIXE

Há anos que cirando por trilhos e veredas serranas, que visito aldeias e povoados, falando com toda a gente à procura de documentos orais  e escritos, papéis velhos, manuscritos ou impressos. E foi nessa minha romagem pelo concelho que, em 1995, me chegou às mãos um maço de folhas, formato 34x22,5 cm, nas quais, de alto a baixo, estão manuscritas, em duas colunas, umas tantas décimas populares, isto é, composições poéticas constituídas por um mote (quatro versos) glosado em estâncias de dez versos, rematando cada uma delas com um verso do mote. Composições ainda muito em uso nos meios populares alentejanos (procedi a alguma recolha delas quando estive em Castro Verde) mas não tanto por estas bandas do Montemuro. As últimas que conheci por cá, e delas já fiz uso algures nos meus escritos, são atribuídas ao Mestre Zé Aveleira, (de Cetos) já falecido há muito.

A NORA

A nora, esse engenho de outrora vindo das arábias, desse povo de coisas sábias
ligadas às matemáticas e à exploração da água de beber e de rega, escondida nas profundezas da terra. Assim o aprendi e assim ensinei com muita simpatia pela inteligência na luta dos povos pela sobrevivência. Um poço aberto num areal, aberto num descampado, dentro ou fora de Portugal, uma roda munida de alcatruzes (é isso que eu sei) não havia deserto que esse povo, arredado das cruzes, deixasse por esventrar e trazer à superfície o líquido que rega e mata a sede. Que dá vida, antónimo de morte. E quem me impede de ler poesia naquela vida dura de burro, de burra ou de camelo, sempre à roda do poço, de coleira metida no pescoço e a geringonça que encanta adulto e criança, no seu monocórdico "chiu...chiã...chiu...chiã", desde manhã cedo à noite escura, quem vai sabê-lo, se chora, se canta? Chiu...chiã...chiu...chiã...
No Alentejo havia noras e poços espalhados pelos montes. A água não gorgolejava livre e cantante das fontes, como aqui no norte. Um balde preso à ponta de uma corda, sempre ali ao lado, convidava o viandante, o caçador, o criado e o senhor sedentos a servirem-se. Eu me servi. E lá como cá (que ousadia minha) sempre que bebo água, bebo poesia.

(Publicado no Facebook em 3 de setembro de 2014)

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 ANTIGAMENTE ÉQUE ERA BOM

Nunca me tinha lembrado

Mas tinha que ser um dia

No cumprimento deste meu fado

Escrever em poesia

Uma impensável ode à fome

E nela cantar a barriga vazia

A felicidade de quem não come.

 

VÉU DE NOIVA


Uma vez,

(Foi há muito tempo)

Procurei a minha professora Inês

E soube que ela se metera

E morrera

Num convento.

Sete filhos teve Gabrielina Pereira

Esposa de Salvador de Carvalho

Todos lhes deram muito trabalho

Desde o último até à primeira.

 

PARTIDO SOCIALISTA

O momento político que se vive no PARTIDO SOCIALISTA, partido cujos trilhos nunca perdi de vista e de afectos, leva-me a transcrever para aqui algumas OITAVAS que Luís de Camões dirigiu a Dom António de Noronha sobre «O DESCONCERTO DO MUNDO». Para melhor actualidade alterei algumas palavras que ponho entre aspas e em letra maiúscula, já que este espaço não aceita o itálico. Assim


Fui nova e cortante enxada

Desbravei e cavei o chão

Sou sucata abandonada

Metida assim neste paredão.

Nas tendas de Cujó fui forjada,

Nas tendas dos Camelos e Ramalhos

Todos hábeis a manejar
Ferro, martelos e malhos
Invernos seguidos sem parar.

 

 CRIATIVIDADE VIVA

Que felicidade a minha viver  num tempo em que, tão asinha, a criatividade e o pensamento surgem em meu redor como  escalracho em terreno lavrado: ele  é o poeta, ele é o escritor, ele é o historiador a deixarem-me deslumbrado com tanto labor, com tão variegado saber nestas  cousas de contar, de ler, de escrever e, de forma lesta, divulgar e vender o que presta e o que não presta.



De há uns tempos a esta parte
Surgiu uma vaga de poetas
E escritores dispostos a renovar a arte
De comunicar com as letras.


ABRIL
Liberdade, igualdade, fraternidade
Bandeira de esperança de muitas cores
Qu'é dela?
Que foi feito dessa primavera
Desse jardim de mil aromas, mil flores
Que murcharam, mirraram, morreram
Em quarenta anos apenas?
Onde estão as minhas Tróias, as minhas Helenas?

 

 

SOBE, SOBE, BALÃO SOBE...

 

MÁ LÍNGUA

Já foi há muito tempo.
Um dia
Na compra do jornal
A empregada
Que mal sabia
A gramática
Disse-me "obrigado"
Em vez de "obrigada"
Como lhe cabia.
Era a prática
No seu a dia a dia
E assim fora ensinada.


Ai amigo

Tenho andado perdido

Na poesia medieval,

Nas cantigas de amigo

De escárnio e maldizer.

Ai amigo,

Tenho andado perdido

Na poesia medieval

Nas cantigas de amigo

De escárnio e maldizer.

Ai amigo

Tenho andado perdido

Nas poesias medievais.

E como nunca é demais

Beber as influências provençais

É por lá que tenho andado.

LUZ QUE ALUMIA - HUMBERTO ECO

Acordado, olho aberto, ligo a rádio e sou informado da morte de Humberto Eco.
Disseram a idade: oitenta e tantos. Não fixei. Só sei que se afastou uma luz dos meus encantos, uma luz que me alumiou e me fez rir no "Nome da Rosa", aquele livro onde falou a sério do livro que o riso proibia: o riso, esse mistério. Fiquei triste.


Letras? Que longo caminho, o delas. Ora galopando, ora trotando, ora a sós ou a granel, atravessaram espaço e tempo, até chegarem a nós, silenciosas ou em tropel.  Caminhada longa e séria. A arqueologia, que acorda o que enterrado dorme, trouxe-nos da Antiguidade a escrita cuneiforme da Suméria e territórios do Crescente, a deslocação de animais e gente, as Tábuas da Lei, a Pedra de Roseta, cunhadas ou manuscritas, visíveis ou apagadas, chegaram-nos em papiros, em pergaminho e papel, sempre cuspidas por cunhas, espátulas, estilos, bicos das penas de pato ou aparo de canetas, com recurso a tintas e a cera. Falo de história. As letras nunca foram tretas. Gravadas, desenhadas, hieroglíficas demóticas ou cursivas, a par de factos autênticos passados, carregados de glória, elas registaram vidas, sentimentos, afectos, amores, sofrimentos, paixões, declarações de guerra, tratados de paz, formação e queda de impérios, muitas fintas, muitas lendas e muitas petas, ditas e inauditas.

 

O FACEBOOK É UMA LIÇÃO

ORA ENTÃO DIGA LÁ AO QUE VEM...

Calado, deitado no sofá, mãos cilhadas na nuca, cotovelos afastados à semelhança da proa e da ré de um barco rabelo atracado, desgrenhado o cabelo, queixo ferrado no peito, ao jeito de Trinitá, o cawboi insolente, perna cruzada, tornozelo com tornozelo, estendido na padiola puxada para cá e para lá pelo seu cavalo, um regalo, ouço a voz amiga do psiquiatra, aquele médico (um tanto ou quanto quadrado) que há anos me me trata das maleitas da mente, aquele que entra em nós e como nós sente, aquele que tudo faz para me tirar das nuvens, para me fazer descer do céu à terra e, na terra pensar e agir como toda a gente: diga!?

 

Misterioso é o cérebro humano. Quando menos esperamos, passado tanto ano, num só momento, o pensamento conduz-nos de repente a caminhos andados, distantes esquecidos e, sem pedirmos, lembrados.

ESTÓRIA  POÉTICA - O BORDEL

Creio não haver homem no mundo, homem que se preze de sê-lo, que, gozando a mocidade, saboreando a vida, a saúde e a virilidade próprias de idade, não arrole no seu currículo a passagem por um bordel, a "casa das meninas" e nunca uma vez só. Creio não haver homem que tenha esquecido aquela imagem impressiva de entrada e de começo: uma grande sala, as meninas sentadas à roda, cada uma delas,  fazendo pela vida, a tentarem captar o cliente recém-chegado. De todas as raças e cores. Um arco Íris de corpos e de vestes, «partout, everywhere, por toda a parte». Sorrindo, o acabrunhado caloiro nessas lides, logo se tornava alvo de mil olhares, mil desejos e mil perguntas: «quem escolherás tu?»
Ao fundo, num canto, junto da janela, um papagaio atento à clientela, ensinado a bater as asas e a palrar como quem fala: "meninas, quarto ou rua,... vida..., vida,... aqui não se quer sala". Um pássaro avisa quem procura pássara que o espaço não é sala de estar mas somente sala de espera.



Lá longe...em Moçambique, na cidade de Lourenço Marques (hoje Maputo) numa das aulas de Literatura Portuguesa, analisando um poema de Reinaldo Ferreira (filho) guardei para toda a vida a opinião do meu professor, Dr. Francisco Cristóvão Ricardo: "só este poema faz de Reinaldo Ferreira um poeta". E acrescentava que, para se ter essa categoria, não era preciso escrever muito: "um simples poema valia por um livro inteiro".


Corre o mundo seu fadário
No fio do tempo rolando
A Língua foi-se mudando
Dicionário após dicionário.

MEMÓRIAS MINHAS - POESIA, ONDE ESTÁS TU 

 

Nada é, pois, como outrora: «nada é igual». E ao sol-por das minhas «infâncias distantes», infâncias na maioria iletradas, condenadas à cultura da terra, a vida, nas suas mudanças constantes, contrapõe-se, agora, o chilreio da pequenada nos jardins de infância, da criançada nas escolas primárias, preparatórias e secundárias.




De olho bem aberto, disse Portas descontente: nem de longe, nem de perto quero a esquerda pela frente. As costas à esquerda viro, não a quero à minha vista, e tudo o que é socialista, ai...ai...ai... está no gozo de meto e tiro, no jogo do entra e sai.

Iooonnnn......iiooonnn...brrruuuu...

 

A esquerda cooperativa

Deu dois coices no telhado

E ela, que tem sido burra,

Mostrou, enfim,  o nunca visto:

São Bento ficou sem telha

E o Céu abriu-se à Terra.

E agora, vejam só quem zurra

E rincha por todo o lado:

- Vem aí o Anticristo.

É a direita velha e relha.


Ó Luis, 
Ó Luis de Camões
Mesmo sem carne, nem cabelo

Nem  olho,

Quero lá sabê-lo

Levanta-te da tumba



Estava eu em Milange, Moçambique, para onde tinha sido transferido de Tete por via de um processo disciplinar. Era indisciplinado e não me vergaram, como ainda hoje é patente no que digo e faço. Os militares de Vila Junqueiro, terras de chá, tal qual Milange, resolveram fazer uns Jogos Florais, aos quais podiam concorrer também civis residentes na Zambézia. 



Onde é que eles já vão

Com muita alegria e fé

O distrito Cavaquistão

Cavaquistão já não é.

Quem é que sabia que em Lisboa havia a rua Abade Faria? E o que faria o Abade Faria para ter a rua que merecia?

Pouca gente sabia. Tal como pouca gente sabe quem foi esse abade e o que na vida fazia. Hoje já assim não é. E num país de muita fé, de monges, clérigos, abades (e também muitos alarves)  a rua Abade Faria converteu-se num santuário, a pontos de, noite e dia, jornalistas hipnotizados, dali debitarem notícias, comentários, mas não sobre o Abade Faria, nem sobre o que ele fazia, para ter a rua que merecia.


Fora do aparelho propositadamente

Por razões públicas conhecidas

(Deixei-as escritas, foram lidas) 

Eu ficaria muito contente

De ver o Partido Socialista

Na crista

Deste mar encapelado,

Confuso, embrulhado

Nas turbulentas ondas

Do mar de outubro.

A LUA

Dois mil e quinze, é o ano.
29 de agosto
É a noite, é o dia.

 

Radiante, aparece no horizonte

O Sol, atrás daquele monte

Além.



Eis aqui uma cabana
Vazia, vazia, sem nada
Assim perdida na montanha.

Todos os anos as andorinhas, na sua viagem migratória, repousam algum tempo nas linhas telefónicas e electricas presas aos postes que se levantam na povoação de Fareja.



Duas ou mais mulheres lavam aqui a roupa.
Eu ouço verdades, eu ouço balelas 
Pois falar da aldeia toda é cousa pouca
Neste pequeno espaço, somente delas.


Firme, hirto e aprumado
Assim se ergue o pinheiro,
De São João, bem lembrado
Na povoação de Fareja.


Ó gente, se eu fosse da corte poeta, se tivesse de Gil Vicente a veia, sem receio de passar por bobo, diariamente do Facebook fazia palco e plateia, simultaneamente.

 

Em 1987, corria o mês de Setembro, publiquei no "Lamego Hoje" (então um jornal mensário) o texto que se segue e que, face ao que se vai vendo por aí no tocante à liberdade do uso de palavra escrita, falada e desenhada (leia-se BD) me parece não ter perdido oportunidade. É que, em todos os tempos e lugares houve sempre quem, por convicção, por conveniência individual, divertimento de grupo (digamos de bando) ou da dita defesa dos valores instituídos (morais, políticos, artísticos e outros) fosse lesto a "cortar" o que de novo ou diferente, surgisse, ou surja. Mas, como o meu texto mostra, ninguém sabe o nome do CENSOR e todo o estudioso sabe o nome do CENSURADO. Assim:

POLÍTICA

Cloc, cloc, cloc, corre a galope a autárquica campanha.

 A VALSA DA TROVOADA

Não. Não batem leve, levemente
Nem ninguém chama por mim.

 

 

O momento político que se vive no PARTIDO SOCIALISTA, partido cujos trilhos nunca perdi de vista e de afectos, leva-me a transcrever para aqui algumas OITAVAS que Luís de Camões dirigiu a Dom António de Noronha sobre «O DESCONCERTO DO MUNDO». Para melhor actualidade alterei algumas palavras que ponho entre aspas e em letra maiúscula, já que este espaço não aceita o itálico. Assim:

 A JOANINHA

A RODILHA

Sai-me a palavra enrodilhada
Enrodilhado me sai o verso 
Fico em tremendos cuidados
Pois palavra e verso enrolados
Enrodilhada me fica a ideia.

E face aos inglórios resultados
De mim para mim eu cogito
Que por mais esforçado que seja
No matagal das letras tão diverso
Só para a rodilha tenho veia.

E frustrado de me enrolar nisto
Palavra a palavra, verso a verso,
Enrodilhadamente confesso
Que de fazer poesia eu desisto.

Abílio/1997

Lá, nos confins do globo
Onde vive uma tribo
Que ignora o mundo
E o mundo a ela ignora
(O que eu escrevo e digo!?)
Lá, onde espreita o lobo
E outros animais da selva
Pode estar, nesta hora, 
A ter lugar o ritual da morte
Ligado a um membro dela
Que, por qualquer sorte,
E de qualquer idade,
Deixou de falar, cantar e dançar.

LAREIRA

Se perco da meada o fio acendo a lareira e afujento o frio.

No dia do BEIJO não resisto a colocar neste meu espaço a versalhada que publiquei, há anos, no meu velho site "trilhos-serranos.com", botão POESIA


NATUREZA QUE CANTA E ENCANTA

Eis, lá ao fundo, o rio Douro. O mar vagabundo que liga o mundo anseia pela sua chegada. E eu, deste miradouro, desta cumeada, como tanta gente viva e morta deslumbro-me a vê-lo e a escrevê-lo, à semelhança de Miguel Torga.

POESIA PERFUMADA

Escrita no feminino
Já vi muita versalhada
E vendo, ouvindo e lendo
A poesia perfumada
Eis um autêntico hino
No meio de tanto nada.

ILUMINURAAntes que o sol se levante

Com estrelas, de madrugada

Eles de gadanha empunhada

Segam o feno num rompante.

 

Elas, a Maria e a Violante

De ancinho e forquilha na mão

Juntam em montes no chão

O feno segado, num instante.

 

Antes que o Sol se levante

Saem os gados para a serra

São os costumes da terra

Que vêm de um tempo distante

 

Chapéu de palha na cabeça

O suor lhes escorre na testa

Não é perfume de festa

Inda que festa lhes apeteça.

 

São enfiteutas foreiros

Suam por todos os porosCorgo-Forninho2

A produção esvai-se em foros

A encher dos senhores os celeiros.

 

Trabalhos e mais trabalhos

Como se fossem condenados

É assim por todos os lados

Entre preces, pragas e ralhos.

 

Compadecido o Sol se deita

Para a todos dar descanso

Mas no dia seguinte, outro tanto

Pois sempre é a mesma receita

 

E decorreram séculos assim

Sempre a noite atrás do dia

Tema de perfumada poesia

Que só a suor me cheira a mim.

 

Fosse eu um poeta inspirado

Só de papel, caneta e tinta

Ignorasse o peso do arado

Do ancinho e da forquilha

Tanta noite e tanto dia 

Da minha lavra sairia

Obra mais perfumada e distinta.

 

Mas antes que o Sol se alevante

Me fico, não vou mais adiante.

Abílio/2014 (glosando o poema quinhentista "Antes que o Sol se levante" de Francisco Rodrigues Lobo, colocado ontem no mural de Lopo Maria Albuquerque)

Uma palavra puxa outra, um poema puxa glosa e as duas coisas puxam vídeo feito e alojado no Youtube em 2011. é só clicar e ver http://youtu.be/HKc1WoT1oy0 

 

A FAMÍLIA


Família-Fareja 1988

É hora de piquenique

Em tempos que já lá vão

Está tudo a mastigar

Num saudável despique

Só um elemento não.

É a Diana, mesmo à frente

E como se estivesse a posar

De forma inteligente

De olhos fixos na objectiva

À míngua de poder falar

A portuguesa língua da gente

Com a sua língua de cadela

Ela saliva, saliva e saliva.

Fareja/1988

TEMPOS QUE CORREM

ABRIL

Liberdade, igualdade, fraternidade

Bandeira de esperança de muitas cores

Qu'é dela?

Que foi feito dessa primavera

Desse jardim de mil aromas, mil flores

Que murcharam, mirraram, morreram

Em quarenta anos apenas?

Onde estão as minhas Tróias, as minhas Helenas?

Diana, era o nome dela

Perdigueira, híbrida raça

E em tantos anos de caça

Nunca tive melhor cadela

Poesia lamechas
É aquela que dia a dia
A todos instantes e momentos
Amarra os pensamentos
Do poeta às rugas, às brechas
Dos seus afectos e sentimentos.

rafeiroRafeiro é rafeiro!
Ladra, arremete, ladra
Armado em valentão,
Mas, ó pernas para que vos quero,
À ameaça de pedrada,
Apanhada do chão.
Sem nome, sem coleira,
Nem chip, nem chapa
De identificação,
Vadio, ignora-se-lhe a morada
E, coitado, mostrando  o rabo
Entre as pernas dobrado,
Não é estranheza
Vê-lo fugir e  ladrar
Pois ladrar e  fugir
É da sua natureza.

Abílio Pereira de Carvalho


Agosto/1013
PODERES INVISÍVEIS. Este é o título de um livro de José Matoso, conhecido historiador. Livro com subtítulo IMAGINÁRIO MEDIEVAL. Professor? Porquê ir tão longe em busca desses poderes, se neste lodoso tempo actual, comatoso, é cada vez mais visível a rede invisível deles? Eles quem? Aqueles que, astutos, fora do governo governam, e ao governo vendem tóxicos produtos, impingidos como sãos e como tal são tidos pelo governo. Mistérios impossíveis só possíveis pelos PODERES INVISÍVEIS do tempo actual, real, longe, muito longe do IMAGINÁRIO MEDIEVAL.

Professor? Porquê ir tão longe? Fosse eu historiador monge e deixava os PODERES INVISÍVEIS do céu ou do inferno e, com Deus ou a sós, na terra deslindava os misteriosos enredos que enredam os governos e nos enredam a nós. 

Abílio/Agosto/2013

A LANCETA

 

Da lanceta, recordo a arte do experimentado capador, que andava por toda a parte a capar suínos, com ou sem dor. As verrugas tirava às porcas, elas não podiam mais parir e batendo a todas as portas, aos javardos e aos leitões,  p´ra eles não as poderem cobrir, extraí-lhes os «quilhões».

Foi uma arte que acabou, eu o digo com muita pena, pois, em boa verdade e, dito à fé de quem sou, bem precisa era ela agora,  p´ra capar os figurões que, sem dó nem piedade, nos roubam as nossas pensões.

Ó capadores, capadores, ó capadores aldeões de antigamente, não tardeis a voltar, ouvi o desejo de tanta gente, certos de que não vos faltará que capar, nem treino p´ra vossa mão.

Mas, atenção, passai ao largo de mim, pois eu e texto meu castrado, não.


Abílio/Agosto/2013

Nesta minha bardinagem
De rotina
Pelas ruas do velho «crasto»
Continuo a fazer o Registo
Do Rosto, do Resto, do Rasto
Das desconjuntadas
Janelas de guilhotina
Que Resistem.
Aliteração de ERRE,
De Rural, de Rústico,
De Repelente Rangido
Que aRRepia e iRRita o ouvido
Acústico somente
Atreito a Ritmo, som e melodia.
Aqui, nada, nada disso,
Aqui ésó Ruído!
Insubmisso.

 JANELA DE GUILHOTINA

i

Semelhantemente

À lâmina que caía

Solta e decapitava gente

Em França

De guilhotina se dizia

Esta janela

Pela forma como ela

Se fechava e abria.

Assim o aprendi em criança.

Já fui trepador de serras e de penedos
Já fui Tarzan mergulhado em rios
E em climas quentes e frios
Urdi teias sem fios
No tear da coragem e dos medos.
Já vai longa a caminhada.
Mais de setenta anos idos
E quantos passos desaparecidos,
Sem marca de como e de quando,
Por insondável mistério?
E o artesão, o Tarzan, o trepador,
Sempre andando,
Navegando até onde a memória alcança
Trazendo ao presente o tempo ido
Só de olhar a viagem se cansa
E dá-se logo por vencido.

Postado à minha janela, aquela que dá para o ocaso, assisto ao fim do dia, contemplo o pôr-do-sol que nasce e morre sempre por detrás de montes e encostas.

Por-do-sol! Palimpsesto da minha vida, nele vejo escritas sobrepostas e nas zonas mais velhas, mais amarelecidas, aparecem e desaparecem memórias, amizades, companhias de vida perdidas.

Por-do-sol! Ó «sole mio» como eu me extasio com essa melodia de cores com esse arrebol, com essa paleta ferramenta de pintor imaginário polegar metido no buraco redondo e no seu fado eterno, diário expor acima da linha do horizonte onde todos dias se esconde, onde todos os dias morre naquela maneira colorida de morrer.

Antes da moção ou logo após
Eles riem e bem, como se vê
mas se  me perguntarem porquê
Eu direi que eles se riem de nós.

Abílio/31/07/2013
Um amigo meu, PROFESSOR, que tenho em elevada consideração e estima, sempre a ensinar e a partilhar motivos de história e cultura, pôs, na capa da sua página,  do Facebook a foto de um belíssimo quadro rural, cuja figura central é uma moçoila a joeirar cereais. Um belo quadro que pariu as seguintes quadras:

Joeira, joeira, menina
Joeira, joeira o grão
Dele farás a farinha
E da farinha farás o pão

O joeirar repete o gesto
As praganas leva-as o vento
Repetir as ideias em verso
É joeirar o pensamento

Chamou-me poeta um dia
Historiador me havia chamado
Se algumas dúvidas havia
Aqui lho deixo demonstrado

Abílio/Julho/2013
Uma vela é sempre uma vela, apagada ou acesa,  na escuridão. A uns  inspira crente e sentida oração, mas  outros somente vêem nela, aquela tremulente luz singela que no escuro lhes alumia o caminho inseguro da vida e os livra de tropeção aziago, descuidados, na sua lida,  a contarem as estrelas da luminosa estrada se Santiago. Uma vela. Uma simples vela. Mas a chama dela e o escuro que a rodeia, unem misteriosamente  Céu e Terra, à luz de quem olhe e leia.

Abílio/Julho/2013

OLHAR, VER E OUVIR

Homero nos seus poemas Ilíada e Odisseia, tanto quanto a memória me diz, atento ao mundo rural que o rodeia, encontra nele poesia e expressões poéticas que, muitos séculos depois, os estudiosos latinistas, diferentemente dos helenistas, vieram a expurgar da obra, substituindo-as por outras que julgavam mais adequadas à nobreza dos homéricos poemas. Homero, conhecedor do meio camponês e das suas belezas poéticas caracterizou as suas figuras mitológicas femininas com «olhos de vaca», «olhos de coruja» e na mãe de Hefaístos (o coxo) «olhos de cadela», expressões que foram substituídas por «olhos brilhantes» e «olhos grandes» mais consentâneas com o pensar de quem  muito sabia do campo das de letras, mas pouco do campo dos animais e da poesia contida nos olhos de uma vaca ou de uma cadela, no corpo da gente e dos animais de pelo ou alado, pois a poesia está em todo o lado.

E por assim entender é  que não fiquei indiferente aquela gaivota que, cá nas costas do Indico, depois de planar, de subir e descer, sobre o salgado mar e no ar escrever mil poemas, veio pousar num candeeiro, na marginal de Lourenço Marques, junto de um coqueiro, onde, ao fim do dia  eu espairecia, e sobre ele descarregar uma malcheirosa cagada. Assim:

É  tudo uma questão de letras,
A mais ou a menos nas palavras
Umas são simplesmente tretas
Outras queimam que nem lavas

MANCHETE é grande notícia
MACHETE arma branca silenciosa
Proibida de uso pela polícia
Se na posse de gang perigosa

MACETE é martelo, é artimanha
É astúcia, artifício, embrulho
O BPN,  a SLN são esbulho
E no esbulho cada um se amanha.

Abílio/Julho/2013
Disponível no meu velho site, desde 23 de Agosto de 2012, fui repescar, para este meu novo «sitio», este «poema», cujo sentido se liga, de alguma forma, ao meu texto «Desabafo» (escrito em 2013)  bastante apreciado pelos meus amigos e muito bem  descodificado por quem entende a arte das LETRAS e a distingue da arte das TRETAS que por aí se vai publicando. Aquela «árvore seca», perdida no meio de toda aquela vegetação natural, rústica, serrana, sabe muito bem que da «composição é o verso sem rima».
Cloc, cloc, cloc, corre a galope a autárquica campanha. Flop, flop, flop, há bem quem os tope e lhes conheça a manha. Eles desfazem-se em sorrisos, avançam desejos, procedimentos lisos,  apertam as mãos e dão muitos beijos. Todos muito capazes, atravessam aldeias, colocam cartazes e enrolam  mil promessas em poucas ideias. Com perfil político e amplo currículo, os candidatos assim dizem.  Não fora, porém, o crítico achar bem que currículo político quando se não tem, afirmá-lo é ridículo. Cloc, cloc, cloc, corre a galope sem sanha e sem perigos a autárquica campanha. Flop, Flop, flop cada qual se amanha e como é ser esperto ter muitos amigos, este àquele se alia, com a garantia de emprego certo. Tudo dito, isto está mesmo muito bonito!
Mediterrâneo, mar fechado, mar dos romanos, que foi muitos, muitos anos, navegado por Fenícios, Egípcios, Gregos, Troianos e Mouros. Mar de Ulisses, por Homero cantado na Odisseia e também por outros. Ulisses, herói dez anos perdido neste mar, atraído e encantado pelo deslumbramento do canto das sereias, ondas em constante movimento. Lá longe, na linha do horizonte, o mar cola-se ao céu e ambos se fundem de amores, aromas e cores. As ondas do mar, crispadas ou mansas, azuis ou brancas, anãs ou gigantes, são páginas de sal, de história feita em geral por pescadores, aventureiros e navegantes. Mar de rotas comerciais, campo de batalhas navais, barcos afundados e náufragos à costa dados. Tantos. Tudo isso e quanto mais? Tudo escrito e dito por historiadores, poetas e escritores de alto gabarito.
Rio,  ora manso, ora bravio, mas sempre rio, a deslizar entre montanhas desde a nascente à foz, ele irriga terras, gira azenhas, gira mós e leva consigo, noite e dia, até  terras estranhas, a vida do lavrador, do moleiro, do lagareiro, do pastor que nasceram, viveram e morreram entre vales e montanhas. E, nesse seu curso milenar até ao Douro, quanta praga, quanta raiva, levou e lavou o rio Paiva em todo esse tempo? Do lavrador, do moleiro, do lagareiro, do pastor, do camponês, cada um no seu afã, do romper da manhã à noite cerrada, quanto grito mudo e de raiva levou e lavou o rio Paiva até ao Douro?  Tanto trabalho, esforço de mouro, para se ter nada, pois viver era ter tudo.
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