Trilhos Serranos

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quarta, 31 julho 2013 21:18

GAIVOTA

Escrito por 

OLHAR, VER E OUVIR

Homero nos seus poemas Ilíada e Odisseia, tanto quanto a memória me diz, atento ao mundo rural que o rodeia, encontra nele poesia e expressões poéticas que, muitos séculos depois, os estudiosos latinistas, diferentemente dos helenistas, vieram a expurgar da obra, substituindo-as por outras que julgavam mais adequadas à nobreza dos homéricos poemas. Homero, conhecedor do meio camponês e das suas belezas poéticas caracterizou as suas figuras mitológicas femininas com «olhos de vaca», «olhos de coruja» e na mãe de Hefaístos (o coxo) «olhos de cadela», expressões que foram substituídas por «olhos brilhantes» e «olhos grandes» mais consentâneas com o pensar de quem  muito sabia do campo das de letras, mas pouco do campo dos animais e da poesia contida nos olhos de uma vaca ou de uma cadela, no corpo da gente e dos animais de pelo ou alado, pois a poesia está em todo o lado.

E por assim entender é  que não fiquei indiferente aquela gaivota que, cá nas costas do Indico, depois de planar, de subir e descer, sobre o salgado mar e no ar escrever mil poemas, veio pousar num candeeiro, na marginal de Lourenço Marques, junto de um coqueiro, onde, ao fim do dia  eu espairecia, e sobre ele descarregar uma malcheirosa cagada. Assim:

Se uma qualquer gaivota
Sobre a luz faz a cagada
Não é poesia, não é nada
E um poeta logo nota
Que é só merda iluminada.

Do oriental Índico és tu
Ó gaivota descarada
No candeeiro pousada
Findo o voo, abres o cu
E ficas toda consolada

Haverá coisas mais poéticas
Do que da gaivota a cagada
Mas eu, lenhador das letras
No meio da natureza alada,
Cansado do ouvir o rouxinol
E outros maviosos gorjeios,
Por tantos  escribas cantados
Exclui-os, por momentos, do meu rol
E abrindo caminhos a eito
Porque  me apraz, dá gosto e jeito
Cansado de todos esses encantos
A ver merda por todos os cantos
Neste nosso mundo de humanos
Para não destoar desses tons e cores
Rebelde  aos puritanos lenhadores
Dos passarinhos deixo a cantata
Para ouvir, quando me apetece e calha
Seguro de que ninguém me ralha
Os peidos que se escapam do ânus
Nos seus diversos sons e tons
Ora assobiados por apertado gargalo
Ou arrotados por alassado cu

Pim…pam…pu…pim…pam…pu…

É um alívio, um consolo, um regalo!

Abílio/LM/75

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.