Digo o quê? Diga ao que vem, o que você sente, a razão por que não sai daqui, noite e dia a fazer-me companhia, olhos espetados em mim, nessa sua obsessão doentia de não fazer mais nada, de vir aqui mostrar que existe, fotografia sobre fotografia, deitado, de pé, de frente, de lado, e fazer deste sofá mais seu do que meu, pois já só a si tenho por cliente. Digo o que me vai na mente? Sim! De que me serve dizê-lo? Para se rir de mim? Mas digo: é tudo uma confusão. Um turbilhão de relâmpagos na escuridão assalta-me a cada momento e nada entendo do que penso, do que escrevo e do que digo, zzzzzzzzzzzz,.. ....zzzzzzz, são rasgos de luz, em xis, em zzz, na vertical, na perpendicular, em cruz, de todas as formas e feitios... zzzz ..em todas as direcções...zzzzz..são rios de ideias sem destino e sem tino...zzzzz....zzzzzz.... Olhe, sou como o Alísio, pensei num poema e fizio. Devo estar louco. Dorme pouco? Nada. Noites seguidas neste estado, nem a dormir, nem acordado, perdido nesta trovoada, neste ribombar do mundo, um tolo no meio da ponte, sedento à procura de uma fonte, de poesia, de literatura, de Camões, Bocage, Antero, poetas que eu quero e que as agências de rating actual remetem para o lixo, querem algo sem entendimento, prolixo, a dizer tudo e a dizer nada, assim como eu...ai de mim coitado. Toma xanax ou mezinha que o valha? Sim e, quando calha, tudo a dobrar, mas nada produz efeito. Levanto-me, retorno ao leito e dou comigo a magicar, a dedilhar o teclado, nada sai escorreito. A escrever, quer você dizer? Qual escrever, qual nada! isto não é escrever, nem rabiscar, nem poetar, nem prosar, nem versejar, pois não alinhavo um pensamento, uma frase, um verso, com princípio, meio e fim. Nada tem sentido, nada que em mim preste, sentado ou na cama. Será delírio? Como se chama? Abílio, vossemecê bem sabe? Pois sei, mas é um teste e verifico que ainda se lembra do seu nome. Receita minha: não é grave o mal que o consome, podia ser pior. Ponha-se lá de pé! Olhe cá para mim! Está-me a ver? Deixe essa mania de escrever. Basta-lhe saber quem é. Com que então, Trinitá, o cawboi insolente! Nada mau. Tau...tau...tau...Disso não se esqueça. E Apareça, apareça sempre!
Abílio/fevereiro/2016