Como era? O pastor de pés descalços na serra bravia; o lavrador de tamancos agarrado ao arado na terra lavradia e ora desamparados, ora agasalhados por uma sebe que aqueiba o vento, eles vivem o dia a dia, e deixam que rio e o vento levem o que na terra, que no rio e que no vento escrevem.
Presos ao chão do nascimento (eles são tantos) exprimem o pensamento nas pragas e preces que fazem ao mesmo tempo. Digo-o, não temo. Pragas ao Demo, preces a Deus e aos santos. Basta para tanto que uma trovoada repentina, em Maio, interrompa a vessada; praguejam que nem raio por tudo e por nada, e, nesse seu viver de praguejar e rezar, se calhar, nada lhes diz a poesia da terra a fumegar, a alvéola de cauda a dar a dar, que sim, que sim, em cima do timão, atenta à larva do chão, atenta à rima da folha lavrada, da folha escrita assim, pergaminho de séculos a falar da vida camponesa, do amor, da raiva, da alegria e tristeza que ao rio Paiva chegam, deslizando das encostas da serra. Assim noutras eras, assim na minha era.
Abílio Pereira de Carvalho,
(nascido no ano de 1939)