Trilhos Serranos

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sábado, 03 setembro 2016 08:27

CASTRO VERDE - HORTA DA NORA

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A NORA

A nora, esse engenho de outrora vindo das arábias, desse povo de coisas sábias
ligadas às matemáticas e à exploração da água de beber e de rega, escondida nas profundezas da terra. Assim o aprendi e assim ensinei com muita simpatia pela inteligência na luta dos povos pela sobrevivência. Um poço aberto num areal, aberto num descampado, dentro ou fora de Portugal, uma roda munida de alcatruzes (é isso que eu sei) não havia deserto que esse povo, arredado das cruzes, deixasse por esventrar e trazer à superfície o líquido que rega e mata a sede. Que dá vida, antónimo de morte. E quem me impede de ler poesia naquela vida dura de burro, de burra ou de camelo, sempre à roda do poço, de coleira metida no pescoço e a geringonça que encanta adulto e criança, no seu monocórdico "chiu...chiã...chiu...chiã", desde manhã cedo à noite escura, quem vai sabê-lo, se chora, se canta? Chiu...chiã...chiu...chiã...
No Alentejo havia noras e poços espalhados pelos montes. A água não gorgolejava livre e cantante das fontes, como aqui no norte. Um balde preso à ponta de uma corda, sempre ali ao lado, convidava o viandante, o caçador, o criado e o senhor sedentos a servirem-se. Eu me servi. E lá como cá (que ousadia minha) sempre que bebo água, bebo poesia.

(Publicado no Facebook em 3 de setembro de 2014)

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.