Trilhos Serranos

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quarta, 03 fevereiro 2016 20:35

ESTÓRIA POÉTICA - O BORDEL

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ESTÓRIA  POÉTICA - O BORDEL

Creio não haver homem no mundo, homem que se preze de sê-lo, que, gozando a mocidade, saboreando a vida, a saúde e a virilidade próprias de idade, não arrole no seu currículo a passagem por um bordel, a "casa das meninas" e nunca uma vez só. Creio não haver homem que tenha esquecido aquela imagem impressiva de entrada e de começo: uma grande sala, as meninas sentadas à roda, cada uma delas,  fazendo pela vida, a tentarem captar o cliente recém-chegado. De todas as raças e cores. Um arco Íris de corpos e de vestes, «partout, everywhere, por toda a parte». Sorrindo, o acabrunhado caloiro nessas lides, logo se tornava alvo de mil olhares, mil desejos e mil perguntas: «quem escolherás tu?»
Ao fundo, num canto, junto da janela, um papagaio atento à clientela, ensinado a bater as asas e a palrar como quem fala: "meninas, quarto ou rua,... vida..., vida,... aqui não se quer sala". Um pássaro avisa quem procura pássara que o espaço não é sala de estar mas somente sala de espera.

Nua-1 O "piscar" de olho (como faz agora o Rodrigues dos Santos na TV, todas as vezes que se despede do espectador, ele, o grande escritor!) era o sinal primeiro de disponibilidade e de chamamento. E havia de tudo, velhas e donzelas. Jovens bonitas, que bem podiam servir de modelos a Fídeas, Miguel Ângelo, pintores de nus, artistas clássicos ou impressionistas,  tão atraentes e belas, quanto as evidências da sua falta de experiência.  Havia mulheres feitas, experimentadas, bem arranjadas,  capazes de levarem a melhor sobre as mais novas, sem elas perceberem a razão de serem preteridas. E havia "donas" cujos corpos e rostos mostravam estar nas lonas, mas, formadas na escola da vida, sabiam que ali iam homens de todas as idades e de todos os gostos. Não desistiam da vida começada. Isto sem entrar na escolha a gerente da casa, pois essa não raro deixava de sugerir a empregada mais conveniente ao cliente que ela já conhecia ou, em menos de nada, diligentemente lhe atribuía, conforme a radiografa que dele fazia num repente. Tal era a sua experiência no ramo de negócio e nas relações humanas.


Num bordel o homem não busca amor, busca sexo. Ali, amor e sexo não se confundem, não. O sexo é carne, é apetite é o instinto natural da reprodução que se pode fazer sem amor, nem afeto. Mas sexo e amor indistintos são se, dois num, se somam afeto e paixão. Tudo e nada.

Coisas distintas embora, homens conheci eu que no colo das prostitutas depositavam as suas angústias, os seus desenganos e, às vezes, bebedeiras de caixão à cova. Num estado assim, eles dispensavam chiadeiras, gente nova, jogos de cintura e movimentos de ancas. Eles eram a sorte das mais idosas, com paciência e saber de experiência feito. Elas, no flácido peito, juntavam às vezes as lágrimas de ambos: ele, porque a ela recorria e ela porque a ele servia, sem se conhecerem de lado nenhum. Casos excecionais (eu os vi),  mas reais demais para serem omitidos aqui.Nua-2

Porém, a norma era outra. Um bordel não é um asilo, nem uma casa de misericórdia, mesmo que lugar de desesperos. As meninas, por opção, ou ali caídas por tropeção na vida, preparavam os pratos e seus temperos. Os jovens, no folgor da mocidade, serviam-se, segundo os apetites e a vontade. E a despedida, "até à próxima", única expressão ouvida, era dita e envolvida  em náuseas. Algumas delas, argutas, fingiam orgasmo, isco eficaz para o rapaz principiante, pouco batido no fingimento das prostitutas. Carícias? Falas? Conversa? Para quê e sobre quê? Olhem o tempo? Ouvia--se da gerente! Quanto mais depressa melhor. A experiência impunha à fêmea que menos tempo no quarto e mais tempo na sala correspondia a mais rendimento. Quantos aviou no fim do dia?
Metidos no quarto, dois corpos, rolando na cama, eis dois mundos que, unidos na carne, separados estão por um abismo profundo. De comum, apenas serem ambos humanos úteis um ao outro naquele momento de sexo, de prazer, de asco. Tanto tempo? Pergunta a gerente, mas ao sinal disfarçado da empregada a esfregar os dedos indicador e polegar, sinal de gorjeta, ah, sim, apareça, apareça. E o macho, percebendo a dona, impelido pela testosterona aparecia novamente. Até que um dia as leis moralizadoras dos costumes proibiram as "casas das meninas". Foi já há muito tempo.

De momento ninguém estima, ninguém tem a certeza, de quanta menina anda por aí de esquina em esquina ou em cada curva de estrada. Moralizar os costumes, qual nada? Quem pode ir contra as leis da natureza?

E o papagaio daquele bordel antigo, sem trabalho e sem casa, deu à asa e  foi poisar no claustro de um convento. Condoída a Madre Abadesa, deu-lhe guarida, cama e mesa,  e ele, com o repertório aprendido, ali ficou, num canto, quedo, surdo e mudo como um penedo, até ao dia em que, no claustro, se juntaram monges e freiras para tratarem de obras pias. Face ao ajuntamento de homens e mulheres, lá do fundo, o papagaio, de papo cheio que nem um abade, ele, que nada diz e tudo sabe, com recurso à sua experiência do mundo, puxou do repertório aprendido e, batendo as asas para chamar a atenção, palrou, como que fala:  "meninas, quarto ou rua...vida...vida... aqui não se quer sala".


Abílio/fevereiro/2016

Fotos: ARTE NUA: GOOGLE

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.