Vem isto a propósito de um livro que, há dias, me foi oferecido após uma tarde de "faladura" que decorreu em casa de um casal amigo, em torno de umas rodelas de salpicão e um saboroso vinho tinto. Avesso embora à prática decorrente da expressão "asinus asinum fricat", como não cultivo a INGRATIDÃO, aqui deixo a prova de que o li, num misto de obrigação e de agradecimento. Título: "As Nossas Raízes, O Passado e o Presente". Autora: Celeste Almeida.
Cansado da ciscalhada que vai atulhando os murais do Facebook, onde não falta bicho careta que não debite poesia, literatura e sentença de pensador de alto gabarito filosófico, foi um tanto céptico que penetrei livro adentro. Formado em História e sensível que sou ao campo semântico das palavras, o título remetia-me directamente para um conteúdo histórico, arrancado dos NOSSOS arquivos locais, (nossas raízes) num casamento entre PASSADO e PRESENTE, como cabe fazer ao historiador. Atraente título, para mim, pois.
Mas enganei-me. Os passos e preocupações da autora foram outros. Não se meteu em arquivos, nem foi esquadrinhar quaisquer ruínas arqueológicas, cujos artefactos nos levassem até aos tempos longínquos dos nossos antepassados, às nossas raízes. Não. Ela, deambulando pela serra do Montemuro, pelo concelho, visitando lugares, observando a natureza e falando com as pessoas, escavando no campo arqueológico do pensamento, no campo do saber e do "saber-fazer" tradicionais, conseguiu colocar, em livro, 185 páginas de felicidade pessoal e de protagonismo social inerente a todo o trabalho publicado, no qual as pessoas se reveem, ou não.
A autora (minha colega de profissão) tem-se encarregado de publicitar a sua obra, seja na sua página do Facebook, seja nas várias cerimónias de lançamento que fez com sucesso, sempre acompanhada por quem, manifestamente, sabe, ou julga saber, de letras e de livros.
Posto à venda, lido que seja, cabe a cada leitor seleccionar um texto (entre muitos) que, no critério do meu antigo professor de Literatura, faça dela uma "poetisa".
Na parte que a mim toca, quedei-me em "A Mão da Morte", poema ilustrado com a fotografia de uma casa em ruínas, sem telhado e janelas escancaradas, tal como a que eu acrecento da minha lavra, existente no lugarejo de S. Domingos, ali bem perto do síio onde o rio Paiva e o rio Paivó cantam as suas seculares melodias: reuidosas no inverno e serenas no verão.
Sinto na garganta a mão da morte
Grito por socorro em voz rouca
Escoa nas rugas o inverno dos anos
Perdidos nas paredes frias e indeléveis
Domem em versos obscuros dos muros
Fantasmas nos destroços inglórios
De boca aberta e alma triste
Bebo a chuva deste pranto
Chorada no eco dos pasmos
Emoldurada nas cabeleiras grisalhas
De crianças nascidas no monte
Numa cortina de fetos e silvados
Costuro minhas pálpebras sonolentas
Adormecidas nos rostos invisíveis do chão
Com os corações fechadas nas rochas
Presa neste sopro que me resta
Moribunda nos vitrais abertos ao céu
Sou jazigo frenético de paixões
Enterradas na eternidade da vida. (Pp. 157/158)
Ruinas em S. Domingos, Ribolhos