Dia 25 de Dezembro de 2014. Estou em Lisboa e passeio-me entre o Cais das Colunas e a recém requalificada Avenida das Naus. Dia de sol. Gente para cá e para lá, distingui várias línguas desde as nórdicas às japonesas.
LINGUAGEM CAMPESTRE NAS FÁBULAS HODIERNAS
O léxico camponês oral apetrechou a minha aprendizagem falante muito antes do léxico dicionarizado usado por professores, padres e advogados, gente sem calos nas mãos, lavrando e cavando chãos, profissões que não distinguiam enxadas de enxadões. Cedo aprendi o que era e o que significava um APEIRO. Cedo aprendi a lidar com todos apetrechos que o constituíam: o jugo, as molhelhas, as sogas e o tamoeiro. Cedo aprendi que nem todas as vacas davam boamente a cabeça ao jugo. Sobre bestas aprendi tudo. Veja-se a crónica que escrevi no meu velho site sobre a "VACA ROXA", um animal com personalidade e caracter, sinais evidentes de liderança. A companheira, a "Cabana" ia para onde ela ia, lameiras ou moitas, era uma autêntica "Maria, vai com as outras".
Esta coisa dos MENTORES clássicos (moldando a aprendizagem e o saber dos seus pupilos, ensinando e educando) persistirem nos nossos tempos através dos COMENTADORES ENCARTADOS, mas com objectivos diferentes, irrita-me. Em vez de ensinarem e educarem, deseducam e embrutecem. Isso irritar-me, mas que importa?
Como eles estão incomodados. Como lhes faz urticária a disposição de António Costa dialogar à ESQUERDA. Demitiu-se o jotinha Sérgio Sousa Pinto e logo os "comentaderos" ribombaram a notícia. O natural é o PS encostar-se à DIREITA, fazê-lo à ESQUERDA é "anti-natura".
O texto de João Alagoa, do qual tive conhecimento através de Joaquim Santos e que muito gostei de ler, leva-me a fazer um registo relacionado com o MAINATO que tive durante o pouco tempo que residi numa das habitações dos CORREIOS DE TETE, sita nas traseiras do edifício, cuja fotografia foi posta nesta página, a meu pedido, por mão amiga.
1 - DIA DE NEVOEIRO
Um dia, um daqueles dias de nevoeiro, ora denso ora esfarrapado, acompanhado por chuvinha de molhar tolos, coube-me a mim levar o gado à serra. Moço de 10 para 11 anos de idade, capucha metida na cabeça, eu aí vou afoito a dar conta do recado para os lados do Picoto. Não fui para longe. Abriguei-me da chuva encostado ao penedo do Corucho. As cabras e ovelhas andavam perto. Encolhido de frio, nas redondezas não piava pássaro, nem ladrava cão. Só o tilintar das campainhas penduradas no pescoço das cabras e ovelhas rompiam o manto de nevoeiro, cada vez mais cerrado, cada vez mais um livro aberto onde eu lia narrativas de terror e medo.
A IMPORTÂNCIA DA URINA
A maioria dos cidadãos, senão quase todos, que hoje metem a mão no bolso, puxam do telemóvel, dedilham uns tantos números e se põem a falar com um amigo(a), ali mesmo ao lado ou a quilómetros de distância, não fazem a mínima ideia da dificuldade que era duas pessoas porem-se a falar ao telefone, há meio século atrás, em zonas afastadas dos grandes ou médios aglomerados urbanos.
«PÕE, RAPA, TIRA, DEIXA» - 1
Nos meus tempos de criança, qualquer terreiro da aldeia ou troço plano de caminho serrano, podiam servir de tabuleiro ao nosso jogo do "RAPA, TIRA, DEIXA E PÕE". As peças do jogo eram pedrinhas recolhidas nos montes e que guardávamos religiosamente nos bolsos, juntamente com uma piasca de madeira com quatro faces e uma letra escrita em cada uma delas.
SACANAGEM NA SÉ
Não são uns sapatos quaisquer. Comprados para serem usados num casamento, passou o casamento, passaram de moda os sapatos. Mas eles voltaram à moda e a moda perderam novamente guardados numa sapateira doméstica. Sempre novos a entrarem e a saírem de moda. Mas, para além dessa singularidade, tão própria dos nossos tempos (que é tudo passar de moda num ai), a eles se liga uma "estória" duradoura, pouco comum e nada católica, que aconteceu na Sé de Viseu. Uma sacanagem entre amigos.
Penso que era um Tecktel. De cor preta, pelo curto e luzidio, orelhas de elefante caídas para o pescoço, face e lábios acastanhados, não era um baixote de pura raça, igual aqueles que por aí andam a varrer o chão com a barriga, tal como os que vejo no Google, aqueles que lhes falta em altura o que têm a mais de comprimento.
O seu dono, João Codovil, era meu amigo e economista de profissão, a desempenhar funções na Câmara Municipal de Castro Verde.
Às vezes caçávamos juntos e ele, face ao olhar pasmado dos outros caçadores quando viam o seu estranho «perdigueiro», logo fazia questão de mostrar o que ele era capaz de fazer, já que, só de vê-lo e à partida, qualquer caçador de perdizes nunca imaginaria tê-lo por companheiro a atravessar lavradios e descampados de espingarda aperrada pronta a disparar sobre a peça de pelo ou de pena que lhe saltasse à frente e ficasse ao alcance da sua mira.
VIAGEM DE IDA (Moçambique)
Em Dezembro de sessenta, o «Pátria» da Pátria me leva rumo a Moçambique. Tive por cama um beliche no porão do navio e passei noites e dias a fio sobre as águas do mar. Ó mar salgado quantas lágrimas do teu sal são lágrimas de Portugal.
Debruçado na amurada, olho o horizonte e a vista perco na lonjura. Passada a linha tropical, navegamos na Zona Tórrida. Para trás ficaram na memória, repositório de tudo o que se narra, os turbilhões e as agonias vividos à saída da barra do Tejo. Agora é melhor. Nem uma onda. Em redor em uma gaivota voa ou ronda por perto. É tudo mar e céu. O ar sabe e cheira a mar. Lá, nos confins do horizonte, em sentido contrário ao meu, uma estrada branca rasga o manto azul do céu. Não é a Via Láctea, a Estrada de Santiago que me habituei a observar nas noites estreladas da minha aldeia, depois da ceia. Larga e esfumada no sítio onde se levanta, torna-se condensada, afunilada e na extremidade brilha a cabeça prateada de um alfinete em movimento. Quantas almas voam ali? Quantas lá e quantas aqui? O mundo move-se no mar e no ar.
AUTÁRQUICAS EM 1993 E 1997
A minha colaboração no jornal «Notícias de Castro Daire», nos anos que vão de 1993 a 2000, não se limitou aos textos que versavam sobre temas de história local, usos, costumes, tradições, lendas e opinião. Nas suas páginas ficaram também alguns devaneios poéticos em nome próprio e sob o pseudónimo de «Rocha de Castro», o mesmo que utilizei em diversas crónicas no jornal «Lamego Hoje» e no «Horizonte Vilacovense», bem como nalgumas tiras de BD, em cujos balões deixei alguns apontamentos críticos de ocasião, que estão reunidas em livro arquivado no PC (a editar mais tarde ou não) de modo a que «tais preciosidades» não ficassem perdidos nos rodapés das páginas onde marcaram presença.
É sabido e consabido que a «descolonização» revestiu mil facetas e mil opiniões, tantas quantas foram os sujeitos por ela responsáveis e as vítimas apanhadas inocentemente na enxurrada. Para poucos, uma certeza, para muitos, surpresa inesperada. Perderam-se «teres» e «haveres», dispersaram-se e perderam-se amigos e outros que, dizendo sê-lo, mostraram pelos actos, que o não eram. A carta que transcrevo, registada nos CTT, cujo recibo atesta que ela seguiu para o destinatário, mostra bem o comportamento de um desses «amigos», ainda por cima «Comissário da Polícia de Segurança Pública».
Na minha última crónica de memórias falei da recuperação total que fiz de um baú, não sei se ele era de «torna viagem» do Brasil, ou se era de «retornado» de África. Falei da documentação que nele arquivei, bem no fundo, cujo conteúdo resolvi agora trazer à luz das páginas do mundo.
Falei da exposição que fiz, em 1976, ao Ministro da Justiça de Moçambique e ao Consulado Geral de Portugal, em Lourenço Marques, bem como da ausência de respostas e decisões sobre o caso exposto, que foi a «retenção» do meu carro pelas autoridades moçambicanas, proibindo o seu embarque, depois de cumpridas todas formalidades alfandegárias em vigor e pagos os respectivos impostos de exportação.
Num dos canais pagos da TV, não me lembro, de momento, qual deles (sei é que, por enquanto, ainda me dou ao luxo de tê-lo) existe um programa com o título "COMO SE FAZEM AS COISAS". É garantido, posso jurá-lo, que esse programa ainda não existia, não tinham ainda sido postos à disposição do mundo estes sofisticados meios de comunicação social, e já eu tinha aprendido a fazer muita coisa, já eu tinha a ideia, não de saber tudo e de fazer tudo, mas, com ferramentas muito rudimentares, fazer algumas coisas novas e recuperar outras fora de uso. Pois a tanto me impelia o gosto, a imaginação e, sobretudo, a necessidade.
Do terraço ou da varanda da casa onde moro, em Lourenço Marques, pasmo, sofro e choro.Vejo o mundo apressado, cada um na sua, confuso a correr pela rua, pelas avenidas, de lado para lado, de banda para banda. Carros camionetas camiões carregados de mobílias roupas almofadas colchões mesas cadeiras famílias inteiras refugiadas dos subúrbios da cidade chegam de todas as partes temerosas da fúria exaltada da multidão negra excitada. Confrontam-se negros e brancos. Que pensamentos que angústias que sentimentos movem tanta gente conhecida que se desconhece? É racismo é ódio recalcado pelo tempo nunca ultrapassados por colonizadores e colonizados apesar de conviverem séculos nos bancos dos jardins nas ruas e esplanadas nas casas?
Cores? Elas são tantas. Tantas quantas os amores e humores da gente que no mundo vive, que o mundo sente.
Das giestas, o amarelo e o branco aveludados. Do carvalho, dos sargaços e de mais arbustos rasteiros, por todos os lados dispersos, o verde nos tons diversos, de aromas, de odores impregnados, à mercê de quem quer que seja, de quem os olha, cheira e vê, pois certo é que há quem olhe e não veja.