Pastorinho, monte acima, monte abaixo, nunca esqueci o passarinho empoleirado nos raminhos da urgueira: era o cartaxo. Equilibrado, a pouca altura do chão, naquela sua maneira, naquela sua postura, naquele seu trinado desconcertado natural «...chriu...chriu...chriu...» o cartaxo diferente era da cotovia.

Ela, inesperadamente nascida do chão, voava, voava e subia, subia «...pliu...pliu...pliu...» até desaparecer nas alturas. E ele, o cartaxo, ficava cá em baixo empoleirado e preso no raminho de urgueira. Assim era, E o pastorinho, ainda pequenino, encantado ficava a vê-los livres no seu canto livre e solto. Sozinhos no monte éramos três que, mais do que uma vez, tanta foi a vez, a desfrutarmos o hino da natureza que tanto se mostra como esconde.Agora, velhinho, trôpego das pernas, sem subir à serra, eu me revolto por tê-los perdido de vista, mas nunca varridos da lista desta incómoda memória que, a cada momento, me conta e reconta a minha história de vida. Ela, a cada momento, sem lhe ter pedido, nem dado permissão, traz-me de volta os tempos idos, aqueles tempos mortos, aqueles tempos vivos que, em comunhão, inocentemente, eu vivi com aquela bicheza alada: em menino vi e ouvi a cotovia a subir ao céu,« pliu...pliu...pliu» e vi e ouvi o cartaxo, cá embaixo, agarrado ao chão...«chriu...chriu...chriu..»
.Abílio/março/2016
Foto retirada da WEB