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terça, 20 dezembro 2016 20:42

TETE - O MAXIME, UM QUARTEL GENERAL

Escrito por 
NEMÓRIAS

 Ainda eu estava em Tete, quando, lá no topo da cidade, na última rua asfaltada, no lado oposto à Casa Comercial "SEREJO" (com "S"),  foi aberto um BAR destinado a divertimento noturno. Se a memória me não falha (ou o BAR não mudou de nome) era o MAXIME. Ficava convenientemente fora de portas, pois sabido era que, em tal espaço, como é próprio de sítios que atraem a juventude, se misturam baile, sexo, álcoolmúsica, dança e banzé. Explicando melhor a localização:  para o lado do Rio Zambeze, a descer a colina, ficava a cidade de cimento e das ruas asfaltadas. Para o lado oposto, ficava a cidade do "caniço" e das ruas de terra batida. 


À posterior, posso dizer que aquele jovem da década de 60, usando a linguagem divulgada atualmente nas televisões, era um empresário de visão e de sucesso. Homem disposto a explorar a vida nocturna (duvido se por iniciativa própria ou por encomenda) ao ver a cidade ser invadida por "infantaria ligeira e artilharia pesada" chegadas da metrópole, o investimento era promissor e ele pioneiro nessas andanças e contradanças. Clientes não faltariam e o lugar escolhido prestava-se convenientemente aos objetivos: tropas a chegarem de fresco à terra quente, necessário era haver uma "carreira de tiro" e na, cidade do "caniço", existiam cabonde mulheres negras e mulatas dispostas a servirem de alvo, a troco de algo.

Não acompanhei a realização e vida dessa empresa, mas, ainda em Lourenço Marques, através de um amigo que tinha os pais estabelecidos na cidade (nunca mais soube dele) chegavam-me ecos da fulgurante animação que se sucedeu aos tempos da minha saída. O MAXIME tornou-se o centro do mundo, o QUARTEL GENERAL (sem Generais) das tropas que, chegadas ou regressadas à cidade após uma ida ao MATO em reconhecimento ou patrulha de limpeza nos arredores, ali iam limpar as armas e afogar em música, sexo e álcool as angústias da juventude perdida longe da família e amigos próximos, que não os camaradas de armas.

E nos ecos que me chegavam e chegam dessa "ramboiada", entra a relação afectiva de alguns militares com prostitutas frequentadoras do BAR, a fazer lembrar espaços e relações idênticas em todos os tempos de guerra, noutros sítios e bares. Nem sequer falta a preferência desta prostituta por aquele militar e daquele militar por esta prostituta. E, cumulativamente, a disputa de dois machos pela mesma fêmea e ela hesitante a presenciar o seu valor de prostituta, ou, sabe-se lá, de ESPIA a desempenhar com astúcia e subtileza a sua função ao serviço da FRELIMO. Por isso, ela não raro sabia quando o "preferido" (fosse qual fosse o posto ou graduação) saía da cidade e à cidade regressava depois de um patrulhamento ou reconhecimento nos arredores ou mesmo numa deslocação ao aquartelamento mais afastado, onde se ía de helicóptero. Sim, é verdade, macho que é macho, com lenço de comando em redor do pescoço, tem de mostrar que o poder não está apenas nos galões, está em poder levar a menina "preferida" no helicóptero onde quer que se desloque. E os subalternos que abram a boca de admiração, de espanto e obediência.

E, claro, na altura, a nenhum deles passava pela cabeça que ao seu lado, a dormir com eles no HOTEL ZAMBEZE, ou a virar copos entre um pé de dança no Maxime, estava uma espia a inteirar-se das idas e das vindas, do destino, itinerário e tempo das patrulhas. Era a guerra e naquela guerra,  como noutras guerras, os contendores fazem uso das armas que têm. Ali, em Tete, na entrega,  aparentemente ingénua, de uma negra ou mulata nos braços de um militar, a dançar com ele de pé no MAXIME,  ou deitada no HOTEL ZAMBEZE, estava infiltrada a espia que, deixando-se penetrar, penetrava no seio das forças inimigas e dava cumprimento cabal da missão para que fora incumbida.

Mas não se pense que só ali, em África, os helicópteros se prestaram a passear "meninas". Tenho conhecimento que aqui, para as bandas do Montemuro, após o 25 de Abril, aconteceu algo semelhante. Só que, neste caso,  elas não eram espias nem infiltradas no corpo inimigo. Bem ao contrário, eram espiadas e livremente penetradas.

Os galões militares sempre exerceram um certo fascínio no mulherio, aqui, ali, partout, everywhere, por toda a parte.

Nota: posto hoje mesmo no Facebook, página PICADAS DE TETE.

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.