Em Tete, visando poupar algum, aproveitei uma casa vaga das instalações do CTT e, dada situação transitória do funcionário público, optei por dormir, um ano e tal, num "burro de campanha", evitando investir na compra de uma cama. Não foi vida fácil, nem cómoda, não aconselhável, nem esse tempo me deixa saudades.
Ciente de que só os estudos me proporcionariam mudar de vida, agarrei-me com "unhas e dentes" aos livros e, tal como eu, tantos outros filhos da geração sacrificada do pós guerra. Uma geração vencedora. Mantive contacto com alguns amigos e disso nos orgulhamos.
Retornado a Portugal, prossegui os estudos e feito o QUINTO ANO de História na Faculdade de Letras de Lisboa, não havia maneira de ver publicada a nota de uma cadeira, sem o que Secretaria me podia passar a correspondente certidão e diploma.
Deambulava eu nos espaços da Faculdade, em busca do respectivo professor, e cruzei-me com o Professor Alexandre Lobato que tinha sido meu professor na cadeira de Expansão Portuguesa, na Universidade de L.Marques. Disse-lhe ao que estava e ele perguntou-me se eu queria ficar por Lisboa, na Faculdade, pois diligenciaria nesse sentido. Fiquei de pensar no assunto, mas quando chegou o professor que eu esperava e tive de acompanhá-lo às águas furtadas onde ele morava para trazermos o resultado do exame poder fazer o registo na Secretaria, recusei imediatamente a ideia do Professor Lobato.
Eu já estava colocado, como professor em Castro Verde, habitava uma moradia com amplos quartos e, feita a comparação (campo/cidade) não invejei nada a vida daquele professor universitário. Preferi ser professor de província, a sujeitar-me a tal qualidade de vida. Pior que isso, nem em África quando tive de partilhar os aposentos com outros hóspedes. Pior nem quando me sujeitei a dormir em "burro de campanha". Nunca me arrependi da opção feita e posso gabar-me, porque a vida me ensinou e eu com ela aprendi, que uma moradia é uma moradia, que águas furtadas são águas furtadas, um quarto de dormir é um quarto de dormir, um burro de campanha é um burro de campanha. E as comodidades não caem do céu, ou se herdam ou se conquistam.
E não falo na tenda militar de Santa Margarida onde o corpo tinha de acomodar-se à irregularidade do solo. No campismo, que também fiz com a minha mulher e filhos, aí, já com colchões de espuma desdobráveis, era situação diferente.
Deixei para o fim os colchões de estopa cheios de folhelho ou de colmo, como eram aqueles que existiam em casa dos meus pais, na aldeia, e sobre os quais cresci dormindo e sonhando com outra forma de vida. Comodidade? Q'é dela?
Mas é NATAL e o os meus amigos, se quiserem, façam o favor de estabelecer a ligação que possa haver entre estas minhas lembranças e a QUADRA FESTIVA que se vive.
NOTA: publicado no Facebook em 22 de dezembro de 2013 e transferido para aqui em 23 de dezembro de 2015