quarta, 28 outubro 2015 10:55
Escrito por
Abílio Pereira de Carvalho
ESGOTOU-SE O FILÃO
A palavra FILÃO anda por aí de mão em mão, de mente em mente, na boca de muita gente, escrevente e não escrevente, todos cheios de sabedoria, sem todavia, estou seguro, quaisquer deles jamais ter entrado no escuro, mina adentro, gasómetro aceso, em direcção à veia negra do volfrâmio, do minério que fez da geração anterior à minha, e da minha própria geração, toupeiras humanas a esburacar montes, fosse na horizontal ou na vertical.
Na vertical eram poços de bandas escoradas com escadas a descer e a subir do subterrâneo. No topo um SARILHO, simples engenho, um eixo, um lenho, colocado na horizontal com os terminais assentes em dois paus levantados e colocados de pé, em XIS, cruz de Santo André, por forma a que uma corda, enrolando-se nele, à força de punho e dois manípulos em cruzeta, como se diz, trazer à superfície caixotes de terra escavadas nas profundezas. À superfície assim içada, logo a seguir era levada, pois podia estar cheia de "riqueza" negra ou somente vazia, cheia de nada. Na gamela de lavagem, de madeira feita, assente numa linha de água, um nadinha inclinada (às vezes, essa simples invenção humana repetia-se sucessivamente em duas, três ou mais colocadas em fila indiana, aproveitando a mesma corrente) pazada, após pazada, joelhos no chão, cerviz vergada, a mão do volframista sempre a empurrar para a cabeceira da gamela, hágil e à maneira, a terra contra a corrente, ela, a terra, arrastava e levava tudo menos o metal negro e pesado, que punha à vista, tão cobiçado por alemães e ingleses. Era a guerra. Foram anos, semanas, dias, meses (tempo ido), homens, mulheres e crianças e eu incluído.
Publicado em
Memórias
Abílio Pereira de Carvalho
Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.