Trilhos Serranos

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quinta, 06 junho 2013 14:02

DESCOLONIZAÇÃO (3)

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Na minha última crónica de memórias falei da recuperação total que fiz de um baú,  não sei se ele era de «torna viagem» do Brasil, ou se era de «retornado» de África. Falei da documentação que nele arquivei, bem no fundo, cujo conteúdo resolvi agora trazer à luz das páginas do mundo.

Falei da exposição que fiz, em 1976, ao Ministro da Justiça de Moçambique e ao Consulado Geral de Portugal, em Lourenço Marques, bem como da ausência de respostas e decisões sobre o caso exposto, que foi a «retenção» do meu carro pelas autoridades moçambicanas, proibindo o seu embarque, depois de cumpridas todas formalidades alfandegárias em vigor e pagos os respectivos impostos de exportação.

 Claro que, não pertencendo eu àquele grupo de pessoas (e são muitas) que só viram e vêem  a descolonização pelos ângulo dos prejuízos sofridos, pessoas que,  por interesse ou por ignorância, se excluem da história dos povos e das mutações em que sendo sujeitos dela, dela se tornam objectos e, consequentemente, vítimas dessas mesmas mutações, não sendo eu, como dizia, uma  dessas pessoas e, compreendendo, embora a legitimidade que todos os povos têm de serem livres e lutarem pela sua liberdade, nem por isso deixei de protestar, por escrito, contra aquilo que, ao tempo, considerei injusto, tanto no que a mim dizia respeito, como no que dizia  respeito a milhares de portugueses que nas colónias viviam como terra sua, tão ignorantes da história e da ciência política, quão sábios e honrados eram no governo a vida, seja nas cidades, vilas, aldeias, ou perdidos no mato, em cantinas isoladas. Autênticos pioneiros e aventureiros. Justiça lhes seja feita. Aliás, no seu dicionário de vida só a palavra TRABALHO tinha significado. A palavra EXPLORAÇÃO só entrou no seu vocabulário, quando, dos bens adquiridos com coragem, imaginação e suor, se viram EXPLORADOS.  

E tudo isto para dizer que a documentação que arquivei no fundo do meu baú, e à qual recorro agora, para apoio de MEMÓRIAS MINHA, só lá foi descansar depois de muita luta junto das autoridades e instituições políticas do país. Assim:

1 - Certo é que, em 14 de Setembro de 1976, fiz chegar à então Secretaria de Estado de Descolonização uma exposição sobre os factos, reportados em Moçambique, sobre a viatura.

A resposta veio do Comissariado Para os Desalojados, com data de 2 de Março de 1977, dizendo que tudo quanto «aos bens deixados em Moçambique», deveria ser tratado no Instituto Para a cooperação Económica, Avª da Liberdade, 192, 2º Lisboa.

2 – Certo é que, resposta recebida em 2 de Março, no dia 15 do mesmo mês e ano, fiz chegar a minha identificação e demais documentação junto desse Instituto, para os fins devidos.

3 - Certo é que senhor Alto Comissário Para os Desalojados, numa entrevista dada ao «Jornal de Notícias» de 19-10-76 disse o assunto das viaturas retidas em Moçambique «foi encaminhado para o Automóvel Clube de Portugal» em 22 de Outubro de 1976. E logo ali fiz chegar a minha identificação e propósitos.

4 – Certo é que, não fora o aviso da carta registada e de recepção que arquivei, dando-me como certa a chegada da missiva ao destino, este organismo aos «costumes disse nada».

E cá está. Foi nesta saga, a andar de Seca para Meca, a expor o caso junto de Pôncio e junto de Pilatos que, em tempos de DESCOLONIZAÇÃO, por uma questão de sanidade mental, por uma questão de tentar prosseguir na vida, enfrentar o futuro, achei melhor fazer disso arquivo morto, metê-lo bem fundo do baú, varrer da memória o que saudavelmente fosse possível, inclusive as lágrimas caídas, rosto abaixo, ao cruzar-me com a minha viatura «aprisionada» guiada por pessoa estranha. E eu a pé, com as chaves em duplicado no bolso. As mesmas cuja foto, ilustra esta crónica. Ficou o carro, mas vieram as chaves.

E por quê, agora, lembrar tudo isto? Perguntarão. Pois perguntam bem, já que é minha intenção dar resposta nas próximas crónicas.  

Lá chegaremos. 

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.