Claro que, não pertencendo eu àquele grupo de pessoas (e são muitas) que só viram e vêem a descolonização pelos ângulo dos prejuízos sofridos, pessoas que, por interesse ou por ignorância, se excluem da história dos povos e das mutações em que sendo sujeitos dela, dela se tornam objectos e, consequentemente, vítimas dessas mesmas mutações, não sendo eu, como dizia, uma dessas pessoas e, compreendendo, embora a legitimidade que todos os povos têm de serem livres e lutarem pela sua liberdade, nem por isso deixei de protestar, por escrito, contra aquilo que, ao tempo, considerei injusto, tanto no que a mim dizia respeito, como no que dizia respeito a milhares de portugueses que nas colónias viviam como terra sua, tão ignorantes da história e da ciência política, quão sábios e honrados eram no governo a vida, seja nas cidades, vilas, aldeias, ou perdidos no mato, em cantinas isoladas. Autênticos pioneiros e aventureiros. Justiça lhes seja feita. Aliás, no seu dicionário de vida só a palavra TRABALHO tinha significado. A palavra EXPLORAÇÃO só entrou no seu vocabulário, quando, dos bens adquiridos com coragem, imaginação e suor, se viram EXPLORADOS.
E tudo isto para dizer que a documentação que arquivei no fundo do meu baú, e à qual recorro agora, para apoio de MEMÓRIAS MINHA, só lá foi descansar depois de muita luta junto das autoridades e instituições políticas do país. Assim:
1 - Certo é que, em 14 de Setembro de 1976, fiz chegar à então Secretaria de Estado de Descolonização uma exposição sobre os factos, reportados em Moçambique, sobre a viatura.
A resposta veio do Comissariado Para os Desalojados, com data de 2 de Março de 1977, dizendo que tudo quanto «aos bens deixados em Moçambique», deveria ser tratado no Instituto Para a cooperação Económica, Avª da Liberdade, 192, 2º Lisboa.
2 – Certo é que, resposta recebida em 2 de Março, no dia 15 do mesmo mês e ano, fiz chegar a minha identificação e demais documentação junto desse Instituto, para os fins devidos.
3 - Certo é que senhor Alto Comissário Para os Desalojados, numa entrevista dada ao «Jornal de Notícias» de 19-10-76 disse o assunto das viaturas retidas em Moçambique «foi encaminhado para o Automóvel Clube de Portugal» em 22 de Outubro de 1976. E logo ali fiz chegar a minha identificação e propósitos.
4 – Certo é que, não fora o aviso da carta registada e de recepção que arquivei, dando-me como certa a chegada da missiva ao destino, este organismo aos «costumes disse nada».
E cá está. Foi nesta saga, a andar de Seca para Meca, a expor o caso junto de Pôncio e junto de Pilatos que, em tempos de DESCOLONIZAÇÃO, por uma questão de sanidade mental, por uma questão de tentar prosseguir na vida, enfrentar o futuro, achei melhor fazer disso arquivo morto, metê-lo bem fundo do baú, varrer da memória o que saudavelmente fosse possível, inclusive as lágrimas caídas, rosto abaixo, ao cruzar-me com a minha viatura «aprisionada» guiada por pessoa estranha. E eu a pé, com as chaves em duplicado no bolso. As mesmas cuja foto, ilustra esta crónica. Ficou o carro, mas vieram as chaves.
E por quê, agora, lembrar tudo isto? Perguntarão. Pois perguntam bem, já que é minha intenção dar resposta nas próximas crónicas.
Lá chegaremos.