Trilhos Serranos


NA CORDA  BAMBA 

Volvidos que somos à cerimónia a decorrer na sede do Montepio, em Lourenço Marques, no longínquo ano de 1975, vemos e ouvimos que o notário, sempre na mesma toada,  circunspecto e solene, mostrava quanto valia como peça que era indispensável à máquina político-administrativa e judicial num Estado que tinha a sua segurança no pilar da burocracia e os seus agentes, com porta aberta nas Repartições de Finanças, Bairros Fiscais, Esquadras de Polícia,  Tribunais, Cadeias, Julgados de Comarca etc. etc. Num Estado que usava todos os Códigos do Direito Civil, Penal, Administrativo, todos os artigos, parágrafos únicos e vírgulas que lhe davam corpo para defesa e salvaguarda dos seus interesses institucionais, mas, como se verá, omissos ficaram na escritura manuscrita em defesa dos interesses dos cidadãos que a esse Direito se submetiam, cidadãos que, de um dia para o outro, contrariamente à sua vontade, se poderiam ver, como viram, a balouçar na corda bamba das políticas e decisões desse mesmo Estado pela voz dos seus representantes maiores. Foi o caso da DESCOLONIZAÇÃO, processo a que não puderam escapar milhares de cidadãos que, sem serem ouvidos nem achados, foram impelidos a embarcar nela, a aceitá-la, sem apelo nem agravo. Continuemos, pois, a ouvir o notário:


NA CORDA BAMBA 

Costa oriental de África. Janeiro de 1975. Era um daqueles dias abafadiços e quentes que caíam naturalmente sobre a cidade de Lourenço Marques, cidade que pouca gente sonharia vê-la batizada em breve com nome de Maputo. 



MORGADO DE SANTO ANTÓNIO

Já vimos na «Escriptura de Esponsais e Dote para Casamento» de  D. Maria Amália Benedita das Neves, concelho de Sanfins, com António de Freitas Pinto e Sousa que este noivo, da sua parte, entrou no dote com o «vínculo e morgado de Santo Antonio, instituído na villa de Crasto de Ayre de que elle he administrador».

Já historiei, em livro próprio,  o «VÍNCULO E MORGADO SANTO ANTÓNIO» cuja posse e administração não foram pacíficas no seu percurso histórico, apesar do seu instituidor ter deixado bem clara a «ordem sucessória» do legítimo administrador e herdeiro.

Todavia os meus amigos, amantes da HISTÓRIA, não ficarão a perder nada se eu aqui repuser o essencial dessa instituição, essa e todas as que viriam a cair na alçada das leis reformadoras do liberalismo pela pena de Mouzinho da Silveira. Ele, Mouzinho, saberia bem porquê. Vamos a isso.

 

ESCRIPTURA DE ESPONSAIS DE DOTE PARA CASAMENTO

Ela, de Iphone na mão, último modelo tecnológico de comunicação à distância sem fios, olhos fixos nos algarismos digitais visíveis no écran, polegar delicadamente curvado em V, «plen...plen...plen...» dedilha o número que pretende contactar. Os telefones de manivela e de disco com números rodados à força do dedo, são peças de museu.

Um velho amigo do meu pai, JOSÉ AUGUSTO DA SILVA FREITAS, natural de Vila Seca, antigo funcionário na Câmara Municipal de Castro Daire, meu amigo se tornou quando associou o nome do autor das crónicas publicadas no "NOTÍCIAS DE CASTRO DAIRE" àquele seu amigo de Cujó, SALVADOR DE CARVALHO.

Residindo em Coimbra, todas as vezes que, em férias ou afazeres vários, vinha à sua terra natal, tinha a gentileza de me procurar a fim trocarmos conhecimentos sobre a HISTÓRIA LOCAL. 

 Não nos vendo há bastante tempo, no pretérito dia 05 telefonei-lhe para Coimbra, a saber dele. Foi a primeira vez que nos ouvimos pelo telefone. Atendeu-me um ancião de 91 anos de idade e, dadas as boas noites, fiquei surpreendido pelo facto de ele, em menos de nada, identificar a minha pessoa. Face ao espanto que revelei, ele retorquiu: «então não sabe que eu tenho ouvido de músico? Assim tivesse ainda a vista que, infelizmente, já não tenho». Lamentei.