TROPA, 5
Retomo aos "REGIMENTOS" de D. Sebastião para acrescentar uma informação absolutamente indispensável à compreensão da forma de "recrutamento militar" neles previsto. Diz respeito às NOTIFICAÇÕES dos "vassalos" que, habitando no Reino, não importa em que cidade, vila ou aldeia, se recusavam a incorporar a ORDENANÇA e fugir aos recrutadores.
Já aludi aos dois casos que, por tradição oral, se mantiveram em memória viva até à geração do meu pai, que nasceu em 1906, casos que incluí no meu livro «Cujó, uma terra de Riba-Paiva», editado em 1993. Mas, pela minúcia como foram redigidas, na Lei, a diligências relativas às NOTIFICAÇÕES, tudo indica que, por este Reino em fora, certos "vassalos" não se sentiam honrados e beneficiados em integrar tal força militar e, como coelhos conhecedores de todas as luras existentes nas redondezas, em penedias, barrancos e encostas, corriam a esconder-se nelas, mal pressentissem que o perigo rondava por perto.
E os recrutadores, ao serviço do Capitão-mor da área geográfica adstrita à sua responsabilidade, não tinham vida fácil no desempenho das suas funções, sobretudo nos meios rurais, para não dizer que rural era quase Portugal inteiro. Basta colar aqui o que disse Aquilino Ribeiro de si próprio quando, em 1928, fugiu do Fontelo, Viseu, e se foi refugiar em Soutosa, aldeia que ele compara a "uma madrigueira de raposa", cheia de ruas, vielas e becos onde seria muito difícil ser encontrado pelo Administrador do Concelho ou o Cabo de Ordens. E quem, como eu, conhece bem a geografia humana das serras do Montemuro e da Nave, cujos poviléus, no meu tempo de mocidade, eram cobertos de colmo, ruas de terra batida, habitações assobradadas com as pesoas por cima e animais por baixo, com palheiros, eiras e canastros a cerzirem essas mantas de retalhos que cobriam as serras e abrigavam gentes e animais, melhor compreenderá quão difícil era chamar ao redil a ovelha tresmalhada. Oram vejam como eram apertadas malhas Lei:
NOTIFICAÇÕES
«O dito escrivão lhe irá fazer a dita notificação a tempo que provavelmente os possa achar em casa e não os achando a suas mulheres sendo casados, ou a seus criados, obreiros, ou familiares e não os tendo, ou não os achando, fará a dita notificação a um vizinho mais chegado e no dia e hora do termo limitado, estará o dito Capitão em sua casa com o dito escrivão da Companhia e ouvirão o descargo que cada um der e sendo tal que lhe pareça que o deve escusar da pena, o fará. E não sendo tal o descargo para ser escuso, ou não vindo os tais soldados a casa do Capitão, sendo-lhes notificado e requerido pela maneira acima dita, os condenará nas penas do Regimento somente (...)»
Se ao historiador fosse permitido o anacronismo, bem podíamos dizer que só faltava aqui a notificação através de carta registada com aviso de receção.
Dito isto, aproveito para dizer que um amigo meu, pouco afeito à escrita e menos ainda a exprimir o que pensa em público alargado, me perguntou, nas conversas de café, se a minha intuição não teria ido longe demais ao dizer que a CAPA proibida durante os exercícios militares das ORDENANÇAS era a CAPUCHA serrana, aquela que chegou aos nossos dias e que, na minha criação (meados do século XX) era usada por homens e mulheres. Claro que eu não digo que tal capa seja exatamente a mesma, na forma e feitio, mas, começando por excluir as capas de estudantes, a capa dos mosqueteiros, e a dos filmesde capa e espada (cá está o anacronismo a acicatar-me o miolo),pois essas não deslustrariam a Ordenança, mas bem pelo contrário, que outra capa poderia ser?
A conversa ficou-me no ouvido e vai daí, apesar de já serem públicas as minhas conclusões e há muito ter dito no vídeo que alojei no Youtube sobre a "capucha, manto de pastora, de santa ou de bruxa" (herança turdetana, celta ou lusitana), apressei-me a ir consultar Dr. Google, aquele que, nos nossos dias, "sabe tudo". Bati na porta «CAPAS MILITARES» e, depois de passar os olhos pelo átrio, avancei para a portada das IMAGENS. Olhei vagarosamente o mostruário e, eis senão quando, deparei com uma foto algo surpreendente. Classificada, vejam só, «CAPA MILITAR POPULAR» (1) Ai é, pois então para quem duvida da intuição e do produto da investigação, apressei-me a copiá-la e a a casá-la com a foto que, em 2014, tirei a uma senhora de Cujó, em Castro Daire, usando a respetiva CAPUCHA. Ei-las.

(1) Reino Unido, Marca Ponche, 2016, Outono.