TROPA, 6 - PRAGMÁTICA DE D. JOÃO V, 1735
O FILÃO
Já, há tempos, deixei neste meu espaço um texto em que falei de filões, de minas e poços abertos nos montes em redor da minha aldeia. Falei de camponeses que, no pós guerra, gasómetro numa mão, ferramentas na outra, ainda perseguiam o veio subterrâneo de volfrâmio até ao seu esgotamento. O minério comprado por ingleses e alemães para fabrico das armas manejadas pelos militares na Guerra.
Semelhantemente procedo eu, agora, a perseguir o veio, não de volfrâmio, mas de "ouro", ou "prata", esses metais preciosos que tanto luzimento tiveram na Corte de D. João V, Monarca que, para evitar o seu uso em excesso nas fardas e mesas militares dos seus exércitos, publicou a seguinte pragmática:
«Resolução de Sua Majestade para se evitarem os excessos e despesas supérfluas nos vestidos e mesas dos Generais e mais Oficiais Militares»
«Por ser conveniente a meus serviços e à conservação das minhas tropas e para melhor disciplina delas evitar todo o luxo e despesas supérfluas: hei por bem ordenar que nem na campanha, nem nas Praças e quartéis se possa usar de ouro ou de prata nos vestidos e somente se poderão guarnecer as casacas e véstias com um único galão posto direito, sem formar debuxo algum, as quais poderão ter botões de ouro ou prata e no chapéu se poderá por também uma cercadura de galão de ouro ou prata: com declaração que na farda uniforme dos Regimentos poderão os Oficiais usar só de botões de ouro, ou prata sem galão, nem guarnição alguma. E no chapéu o mesmo galão já concedido. Esta proibição se não entenderá nas celas em que poderá haver ouro ou prata com moderação conveniente. Ordeno também que nas tendas de campanha que de novo se fizerem não haja forros de seda; como também se não usará de ouro ou prata nas armações das camas, tamboretes e mais ornatos e forros das ditas tendas, ou seja, das já feitas ou das que de novo se fizerem. Outrossim mando que se não possa usar de baixela alguma de prata nas mesas e que estas se cubram uma só vez com iguarias de cozinha e outra com as da copa de frutas e doces; e pelo que toca ao número dos pratos de uma e outra coberta, se deve evitar quanto for possível o excesso. O mesmo excesso proíbo nos jogos permitidos e nos proibidos se executarão as penas que lhes são impostas com o maior rigor. E para que melhor se possa observar esta Pragmática, ordeno que os Governadores das Armas dos meus exércitos e Generais que governam as Províncias e Reino do Algarve e Auditores Gerais delas e do mesmo Reino sejam executores desta lei que se guardará debaixo da penas de suspensão de postos nos Oficiais, a qual durará enquanto Eu for servido; e nos soldados do castigo que terão a arbítrio dos Generais, aos quais hei por muito bem recomendado tudo o disposto nesta pragmática, confiando da autoridade de sua pessoas e dos postos que ocupam que a façam pontualmente cumprir e observar. O Conselho de Guerra o tenha assim entendido e nesta forma o fará executar. Lisboa Ocidental a dezoito de Abril de mil setecentos e trinta e cinco anos.
Com a Rubrica de Sua Majestade
Pedro de Melo de Ataíde (ob. cit. pp. 21-22)
Comentário: nos tempos que correm, de grande crise financeira, tempos em que tanto se apela à poupança, ao aforro, o menos que pode dizer-se é que este nosso Rei, o "MAGANÂNIMO" era muito poupadinho e pragmático. Mas pudesse ele ver como era o REINO DE PORTUGAL E DOS ALGARVES (legado seu) nos anos cinquenta do século XX e (MAIS E MAIS) baloiçando-se no seu coche, assentos estofados de veludo, encaixados em talha dourada, não imaginaria a satisfação e o gozo usufruídos pelo «vassalo» que escreve estas linhas, quando, em menino e jovem, antes de ir para a tropa, se passeava sentado nas chedas nuas do carro de vacas lá da casa, com a sebe cheia de estrume, a caminho de uma ou outra leiras, sobre as quais recaía a décima anual paga na Repartição de Finanças de Castro Daire. Carro que não dispensava a licença municipal gravada numa chapa metálica oval pespegada numa das chedas. Ólalarilólé. Esses carros de vacas (também ditos carros de bois) eram os coches do tio Zé, do tio Manel e do João, que nasceram e morreram na aldeia sem nunca terem visto o coche de D. João V e outros que ficaram para MUSEU e são eles próprios um LIVRO DE HISTÓRIA.
E como diferente é a HISTÓRIA extraída assim diretamente das fontes manuscritas ou impressas, a HISTÓRIA VIVIDA, diferente daquela que aprendi na Escola Primária e nos liceus. Por mais arreigado patriotismo que me penetre a alma, não é sem algum desconforto e frustração que vejo cair os ídolos com pés de barro, os heróis que encantaram minha infância.