Trilhos Serranos

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segunda, 30 janeiro 2017 10:16

BUROCRACIA, 2

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BUROCRACIA, 2 (*)

Depois do trabalho, o estudo.

Depois do estudo, o trabalho.

Num só dia eu faço de tudo

Num só dia apanho e malho.

Lutando para ser o que não sou, seguindo a natural tendência que só agora se concretizou, trabalho e estudo ao mesmo tempo. E, contra  a vontade dos chefes, misturo artigos, decretos-leis, despachos, expediente de secretaria com sonetos, redondilhas, poesia, batalhas, dinastias de reis, nobreza, clero, escravos, magarefes, literatura, história, filosofia, matemática, química, ciência e grandes correntes do pensamento.

Sou  um estudante  trabalhador, não gosto da burocracia! E, porque antes não pôde ser, tive de esta opção tomar já fora da idade escolar. A sabedoria dos carimbos quis deixar aos burocratas, ciosos de um saber recheado de ofícios, despachos, publicações nos diários oficiais, circulares e notas confidenciais dos chefes zelosos  e «normais» sobre os subordinados rebeldes e não capachos.

Férias, praia, lazer, onde estão?

Cansado sim, mas não vencido, a vontade serve-me de aguilhão  à recuperação do tempo perdido. E lá foram o primeiro ciclo, o curso geral, o complementar, a universidade, tudo de seguida. Todos me consumiram anos de vida sem de cábulas e cunhas me servir. A minha luta não foi inglória. Estudei a economia, a ordem social dos humanos e dos símios. Casamatas, palácios, mosteiros, templos, castelos, sinantropos, pitecantropos, homo eretus, homo sapiens, a vida sob todos os aspectos, muito saber encadernado em livros, sebentas e separatas.

Durante anos, meses, semanas a estudar queimei as pestanas confiante na minha caminhada. E sem dar  passo nem cancha à toa, hoje uma batalha, amanhã uma vitória, acabei licenciado em História pela Faculdade de Letras de Lisboa.

Satisfeito por me ter libertado, do mar de carimbos, da papelada e de toda uma hierarquia incomodada por cada passo que dava em frente, cantei  hinos, cantei hosanas à minha libertação. Finalmente mudei de emprego e de Ministério, profissão onde todos os meus colegas e superiores, pois então, se arrogam o título de doutores.

Satisfeito por me ter libertado duma chusma de mangas de alpaca? Sim, mas que erro meu! Num país de burocratas onde todos  impõem o seu critério - «inda falta esta papelada!» - onde em qualquer ministério, com ministro ou com ministra, um requerimento dirigido a Sexa, pedindo um direito e não um tacho, chega à coisa sinistra de passar um ano sem despacho - e no serviços ninguém se vexa - devo concluir, de bom siso, que  não me libertei, afinal, da terrível máquina infernal da burocracia. Antes e depois, sempre, enredado estou, numa floresta imensa de papéis onde se misturam artigos e leis porque outra coisa não presta aos seus agentes. Enredado estou, como toda a gente, na sabedoria dos pataratas, já que estes nossos sapiens burocratas, na floresta da burocracia em que vivem, saboreando os papeis, coisas tais, iguais e tantas, só me lembram os primatas a deliciarem-se com o arroto a folhas e plantas, depois de abarrotadas as insaciáveis panças.

(*) Texto escrito em 1997,  cuja publicação me foi sugerida, agora, pelo «Simplex» do atual Governo.

NOTA: os meus amigos, inteligentes que são (eu só escrevo para pessoas inteligentes), não tardarão a saber as razões por que eu trouxe agora à colação estes dois textos (BUROCRACIA, 1 e 2) já publicados há muito tempo. Tenham atenção às datas em que foram publicadas e desta sua reposição, pois talvez seja necessário reiterar esta minha aversão aos que "não fazem, nem saem de cima"

Redz

 

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.