Trilhos Serranos

A minha última foto de CAPA recebeu muitos GOSTOS e alguns COMENTÁRIOS. E ao nome PENICO e/ou BACIO que a minha irmã Elisa ali deixou, numa explicação necessária a muito gente moderna, acrescentei eu outro pelo qual também eram conhecidos estes recipientes domésticos: "DOUTORES".

TORNA-SE O HERDADOR NA COUSA HERDADA

Creio que a glosa que fiz ao poema "Antes que o Sol se levante" de Francisco Rodrigues Lobo, ficará mais enriquecida com o excerto do texto em prosa que publiquei, há largos anos, no meu antigo site "www.trilhos-serranos.com" com o título em epígrafe. A divindade Paiveia (levantada das águas do rio Paiva) falava assim com Lusozé, um rural académico. Assim:

Feita a 4ª classe na antiga Escola Primária, transitei imediatamente, sem exame de admissão, para o curso da Agricultura e da Pastorícia, sorte que estava reservada a todos os meninos da minha idade, nados e criados longe dos meios urbanos dos liceus e das universidades.

Sem furos, sem faltas e sem diplomas que registassem a avaliação de desempenho, cresci a ajudar os meus pais na luta pela sobrevivência. As cadeiras nucleares do curso incluíam as técnicas de cortar matos e lenhas, lavrar terras e estrumá-las, acarretar o milho e o centeio para as eiras, malhá-los e moê-los para que se pudesse fazer o pão.

Tornei-me nisso, tal como os meus irmãos, numa espécie de catedrático. Sei o que custa alombar com sacos de cereais para os moinhos hidráulicos do Rio Mau e do Rio Calvo e sei o que custa estar de joelhos agarrado a um moinho manual para «arreloar» um «surmil» de milho e fazer umas papas, quando a broa faltava no açafate. Iniciei-me também na arte de pedreiro. Foi assim até aos 18 anos de vida.

A lareira tradicional da casa serrana,  geralmente sem chaminé, estava encostada a um dos lados do pequeno espaço coberto de colmo, nomeadamente a dos meus pais, em Cujó. Ao lume dela se aqueciam as pessoas, cães e gatos.  Era uma espécie de alguidar quadrado, com piso de pedra, uma laje arrancada ao fraguedo dos arredores e assente em traves de carvalho colocadas a um nível inferior ao das outras traves onde assentava o sobrado, por forma a que este servisse de banco a toda a família.

Nestes tempos de auto-estradas, vias rápidas e bólides de alta cilindrada, preferencialmente de marca alemã que atravessam o país em poucas horas (ainda anda no ar um certo aroma a troikas e baldroikas, a mercados, a mercancias e merklancias);  nestes tempos de esqueléticas mensagens de escrita e leitura rápidas, sem necessidade de papel, nem caneta, nem tinta; nestes tempos de «sms» nas quais as vogais «lastiram p’ra forates» e o K, nesta novel república digital voltou a ser rei, entronizado à revelia de qualquer Acordo Ortográfico (para gosto ou desgosto dos que, respectivamente, vêem a Língua Portuguesa viva ou fossilizada)  estava eu em sossego, estendido num sofá, em minha casa, em Fareja,  aldeia sita entre Viseu e Lamego, a reler «O Homem da Nave» de Aquilino Ribeiro e a degustar a descrição que ele faz da chegada a Lisboa da diligência onde viajaram o fidalgo de Tabosa, o ostrogodo Almeida de Vasconcelos, e o seu escriba, Padre José Aniceto, descrição que partilho com os meus leitores, para melhor juízo e paladar. Assim: