A SUA VIA SACRA
Saído das berças sitas nas «terras quentes» de Mirandela, gerado no útero de onde saíram, espaçados a compasso das estações do ano, mais sete irmãos, entenderam os pais que o caminho daquele rebento, escola primária feita, seria o Seminário de Vila Real (somente Seminário, sem distinção de Menor ou Maior) onde, no dizer do actual homem adulto inconformado por ter sido expulso, se «entrava porco e saía salsicha», pronta para entrar no mercado.
Dos muitos quilómetros de linhas escritas que, durante anos, deixei impressas nos jornais e nos livros sobre a história local, cultura, usos, costumes e gentes montemuranas, são poucas aquelas que envolvem a minha pessoa, ainda que, por vezes, tenha ilustrado o tema sobre que discorri com a minha experiência pessoal e os conhecimentos que advêm da universidade da vida, tal como fiz nos meus últimos "estados", respondendo à bisbilhoteira pergunta da máquina: "que estás a pensar?"
Neste meu afã de lidar com letras e com pessoas de letras (tão raras por estas bandas), as letras que mais gostei de escrever, envolvendo a minha pessoa, foram aquelas que, há bem pouco tempo, "postei" no mural de um amigo, aqui, no Facebook com o título GRATIDÃO, um sentimento que muito prezo, pois acho a INGRATIDÃO uma atitude humana execrável. Eu, aos 74 anos de idade, senti-me muito feliz a escrever esse texto, pois eram palavras há muito sentias e devidas publicamente a esse amigo, PROFESSOR da Universidade de Coimbra, que, há muitos anos, não nos conhecendo nós pessoalmente de lado nenhum, ele, sem me perguntar quem eu era, donde vinha e para onde ia, produziu publicamente "juízos académicos" sobre alguns livros meus, valorizando-os, o que muito me sensibilizou e honrou.
Julgo até ser essa a dimensão humana que dá distinção e gabarito a uma pessoa de "pensamento", uma pessoa que não banca a intelectual e que, servindo-se das LETRAS, reconhece o mérito onde o há, incapaz de cometer a INGRATIDÃO de ignorar, ou fingir ignorar, os créditos e os méritos que encaixam na bitola de valores pela qual afere o trabalho alheio e o seu próprio.
Semelhantemente, nessa linha de pensamento e acção, atento ao meio que me rodeia, senti-me igualmente feliz e humano, quando, há muitos, muitos anos, deixei em letra redonda, o mérito que vi nalguns trabalhos publicados, a falarem do Montemuro e suas gentes, sem olhar ao nome e assinaturas dos seus autores. Aconteceu ter escrito até algumas dessas minhas apreciações valorativas, antes de conhecer pessoalmente alguns deles, o que,aliás, releva a objectividade da minha análise. Valorizei o trabalho pelo seu valor intrínseco e não empurrado pela subjectividade da amizade, esse sentimento humano sempre traiçoeiro, capaz de empurrar para o elogio fácil e enganador, que bem pode surtir efeito contrário ao "reforço positivo" de Skiner, no sentido de ajudar as pessoas a ganharem confiança em si próprias e aperfeiçoarem os trabalhos que produzem.
Procedi assim impelido pela honestidade intelectual que, por caracter e formação, me impus a mim próprio. Não o fiz para ser agradável com os seus autores, pois não sou nada dado a palavras e discursos de conveniência, destituídos de verdade e autenticidade, tão ao gosto de pessoas que incham com elogios fáceis, hipócritas, sacristas, cruz alçada, desvanecidos com loas e ladainhas que anunciam à distância a procissão que passa.
Pois é, dos muitos quilómetros de linhas escritas que, durante anos, deixei impressas nos jornais e nos livros, falando da minha terra, da sua cultura e das suas gentes, diferentemente de outros que por aí se passeiam e perdem na flora montemurana, nunca confundi " toda a planta com orégãos" para usar a ironia daquele médico de Sines, em 1850, Francisco Luiz Lopes, referindo-se aos clínicos da capital, dizendo que eles ignoravam completamente as plantas medicinais que os rodeavam e com as quais se faziam os fármacos. (cf. «Breve Notícia de Sines», 1850, pp. 78)
É tudo uma questão objectividade, de estatura, moral, humana e ética (não só poética) face ao nosso semelhante e à qualidade da produção intelectual publicada. As LETRAS não são TRETAS e o papel delas é estarem viradas para CULTURA dos povos, do crédito e mérito dos trabalhos produzidos e não apenas para o CULTO do umbigo daqueles ou daquelas que com letras lidam e, numa atitude narcísica, mais não vêem que a si próprias.
De currículo público lacrado, recostado nesta minha cadeira da terceira idade, eu mantenho-me sempre atento às gentes que me rodeiam e comigo falam. Esporadicamente leio os "textos" anónimos que falam tanto da política e políticos locais, que nem todos os galos do campo a anunciarem as manhãs.
Leio e reflito sobre os NOMES e a razão da sua existência. Não é preciso fazer grande pesquisa para sabermos que os "nomes" servem para identificar as COISAS e as PESSOAS.
Do terraço ou da varanda da casa onde moro, em Lourenço Marques, pasmo, sofro e choro.Vejo o mundo apressado, cada um na sua, confuso a correr pela rua, pelas avenidas, de lado para lado, de banda para banda. Carros camionetas camiões carregados de mobílias roupas almofadas colchões mesas cadeiras famílias inteiras refugiadas dos subúrbios da cidade chegam de todas as partes temerosas da fúria exaltada da multidão negra excitada. Confrontam-se negros e brancos. Que pensamentos que angústias que sentimentos movem tanta gente conhecida que se desconhece? É racismo é ódio recalcado pelo tempo nunca ultrapassados por colonizadores e colonizados apesar de conviverem séculos nos bancos dos jardins nas ruas e esplanadas nas casas?