Trilhos Serranos

TESTAMENTO DE JOÃO PEREIRA DE MORAIS 

Deixemos as terras quentes do Alentejo, onde andámos na companhia do tabelião JOÃO ANTÓNIO FIGUEIRA,  concelho de CASTRO VERDE e subimos às terras frias do norte, concelho de CASTRO DAIRE, mais propriamente à aldeia de CUJÓ a fim de revermos o testamento de JOÃO PEREIRA DE MORAIS, que já publiquei, há anos, no meu site trilhos serranos,  mas que vem a talhe de foice repescá-lo para aqui na sequência dos registos que tenho vindo a fazer, visando fazer luz sobre assuntos que sei, sem dúvida alguma, serem, para muita gente, matéria tão escura quanto eram as noites nas aldeias portuguesas na época em que foram lavrados. Assim:

SOLIDARIEDADE INTERGERACIONAL

Hoje tão falada e analisada por intelectuais, políticos, sociólogos e tantos mais, não resisto a transcrever para aqui em texto plantado no jornal "A União" que se publicava em Castro Daire, em 1912. Isto a propósito de um empreendimento que o autor propunha para as Termas do Carvalhal. Assinando somente com as iniciais "J.S." eis o seu ponto de vista, mais amplamente desenvolvido no meu site actual. Ora vejam:

 

Mas José Francisco Lampreia não legou aos seus familiares apenas este documento. A República tinha 4 anos de idade e o lavrador, solteiro, presumo que jovem, precavia-se com documentos em defesa dos teres e haveres herdados. Ele sabia que, na Revolução de 1820, os ventos da História tinham desapossado os donos de muitas das suas propriedades e foros, alguns dos quais lhe vieram à herança graças a Cesário Francisco Lampreia de Brito que alguns adquiriu em «hasta pública», na qualidade de  «BENS NACIONAIS» postos à venda nas listas para o efeito elaboradas e publicadas nos termos da lei. Assim o dizem as três «cartas régias» assinadas por D. Carlos.

 O companhêro e companhêra ainda tém fôlego para prosseguirmos, ou já sufocaram? Respirem fundo. Nã há pressa nenhuma. Lembrem-se que estamos no Alentejo, em São Marcos de Ataboêra, concelho de Castro Verde e decorre o ano de 1867. E, por aqui, nã ter pressa é uma atitude inteligente e nã um sintoma de preguiça. Lêmbrem-se que, nos meados do século XIX,  nã há telenovelas, Internet, Facebook, telemóveis e e toda a «manicaria»  diabólica que conhecemos em 2016. Lêmbrem-se de que estamos na companhia do tabelião João António Figuêra, bota canelêra,  pêna de pato na mão, e da menina Perpetua Joaquina Carlado, grande saia rodada, apertada na cintura,  com o testamento quase lavrado.


Uma brisa daquelas que tão meigamente acaricia o rosto de quem atravessa searas e montados alentejanos (oh! como me lembro disso, quando por ali andava à caça ou em passeio com a família!) trouxe até às narinas do tabelião o cheiro identificador de uma numerosa vara de «patas pretas» «ron...ron...ron...» cada porco, de per si,  a encher a morca de bolotas que, prodigamente, sobreiros e azinheiras atiravam à terra  impelidos por aquela ciência natural e oculta de se verem reproduzidos em redor, ao mesmo tempo que aliviavam o peso da frondosa copa.