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quarta, 07 setembro 2016 12:09

A HISTÓRIA E OS QUE DELA GOSTAM - I

Escrito por 

Um velho amigo do meu pai, JOSÉ AUGUSTO DA SILVA FREITAS, natural de Vila Seca, antigo funcionário na Câmara Municipal de Castro Daire, meu amigo se tornou quando associou o nome do autor das crónicas publicadas no "NOTÍCIAS DE CASTRO DAIRE" àquele seu amigo de Cujó, SALVADOR DE CARVALHO.

Residindo em Coimbra, todas as vezes que, em férias ou afazeres vários, vinha à sua terra natal, tinha a gentileza de me procurar a fim trocarmos conhecimentos sobre a HISTÓRIA LOCAL. 

 Não nos vendo há bastante tempo, no pretérito dia 05 telefonei-lhe para Coimbra, a saber dele. Foi a primeira vez que nos ouvimos pelo telefone. Atendeu-me um ancião de 91 anos de idade e, dadas as boas noites, fiquei surpreendido pelo facto de ele, em menos de nada, identificar a minha pessoa. Face ao espanto que revelei, ele retorquiu: «então não sabe que eu tenho ouvido de músico? Assim tivesse ainda a vista que, infelizmente, já não tenho». Lamentei.

Carta-1 - ReduzTivemos uma prolongada e fluente conversa. Da parte dele com as pitadas de humor e ironia a que ele me habituou, nomeadamente quando, um dia, já lá vai há muito tempo (como bem me lembro), junto ao Jardim Público da vila,, falando nós dos anticorpos que criam todos os que na imprensa criticam os poderes instituídos (no caso, a minha pessoa), ele se saiu com um dito ouvido ao seu tio, antigo Abade da Ermida: «prossiga e deixe zoar a carvalheira». E eu prossegui. Ele, com 91 anos rodados, revelou, nesta nossa conversa,  uma lucidez invejável, memória fiel às coisas, às pessoas e às terras. Andámos por Trancoso, onde conviveu com o meu irmão António, de quem ficou amigo para sempre, disse. Andámos por Tomar e outras terras onde ele, como chefe de secretaria, deixou a sua caligrafia nas atas que lavrava e mais documentos oficiais que escrevia. A mesma caligrafia que usou na carta que me remeteu de Coimbra em 1995, da qual aqui deixo «fac-simile»  como prova do que afirmo e para realce do mérito orgulho seu... e inveja minhaReportei-lhe as intenções de fazer uso da documentação que vinha junto dessa carta, penitenciando-me por só agora ter a oportunidade disso. Que sim, senhor! Que estivesse à vontade.

E eu à vontade estou.  Mas não o faço sem deixar a nota de que, então, a facilidade de troca de correspondência entre pessoas estava longe daquela que existe hoje. Quem é que, naquela altura, se dispunha a sentar-se a uma secretária, fazer uso do papel, caneta e tinta, manuscrever uma carta, metê-la num envelope e, seguidamente, dava corda aos sapatos para ir metê-la no correio com vários papéis dentro, visando facilitar-me as minhas pesquisas?  No canto superior direito do envelope, o selo de franquia: 150$00. Nem toda a gente se dispunha a gastar tal quantia para me fazer chegar às mãos  um resumo impresso das «Termas do Carvalhal», da autoria de Constantino de Almeida Carneiro (separata de "O Médico", nº 144 de 1954); outro resumo policopiado do mesmo autor de 1962; uma cópia do Diário do Governo n. 74, de 29 de Março de 1916, onde se concede à Câmara Municipal de Castro Daire, o ALVARÁ para exploração das «águas minero-medicinais» e, finalmente, o resultado dos «JOGOS FLORAIS» realizados no RESTAURANTE ASTÚRIAS no Carvalhal, em 1947. Estou-lhe grato pela gentileza, pelo estímulo e confiança que em mim depositou e aqui deixo o meu público reconhecimento.

Ainda que tarde, também dou conta aos meus amigos que vinha junto um recorte do jornal «Mundo Desportivo» reportando-se ao evento. Foi em 1947. E os primeiros lugares desses «JOGOS FLORAIS» foram abarbatados por três QUADRISTAS de Lisboa. Fossem eles realizados em 2016 e outro galo cantaria. Atualmente, com a intelectualidade espontânea que surgiu por estas bandas do Montemuro e o culto das letras a fumegar por cá mais do que as águas sulfurosas e quentes das Termas, os lisboetas bem podiam meter a lyra no saco. Outros tempos! Outros tempos! Eis os três primeiros classificados:  

1 -Redz

Ao amigo JOSÉ FREITAS devo também a fotocópia da "ESCRITURA DE DOTE DE CASAMENTO" de Dona Maria Amália Benedita das Neves, de idade de vinte e quatro anos, de Souselo, de Sanfins, com o tenente António Freitas Pinto e Sousa, de idade de vinte e seis anos, de Villa Seca, Castro Daire, em 1827. Desse documento darei nota em próxima crónica. Militar de carreira, miguelista assumido, em 1832, com o posto de capitão do Batalhão dos Voluntários Realistas de Castro Daire, morreu no cerco do Porto. Nessa altura, batalhando contra os liberais, travava simultaneamente nos tribunais do Reino a batalha de posse do «MORGADO DE SANTO ANTÓNIO», como já historiei no meu livro «CASTRO DAIRE, INDÚSTRIA, TÉCNICA E CULTURA», editado em 1995 (esgotado há muito) e, ultimamente, a pedido da «Comissão de Culto e Representante dos Herdeiros», organizei, "pro bono", o livro «CASTRO DAIRE, CAPELA DE SANTO ANTÓNIO», editado em 2014, por essa Comissão a fim de ela angariar fundos necessários a consertos no templo.

Sei, pela boca do meu amigo, que ele está impossibilitado de ler o que aqui deixo escrito. Mas também sei, por ele próprio, que tem filhas e netos carinhosos que dominam o espaço "online" e eles se encarregarão de lhe fazer saber que as «amizades antigas»  não são tão descartáveis quanto são os modelos de telemóveis que se vão sucedendo uns aos outros, determinando que só o último (à falta de novo modelo), seja o objeto das atenções e dos afetos do seu proprietário. Pois! Assim vai o mundo! Mas eu continuo a ser como a truta do rio Paiva: sempre a nadar contra a corrente e a dar sentido à palavra GRATIDÃO.

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.