Trilhos Serranos

Está em... Início Crónicas COMÉRCIO TRADICIONAL (2)
segunda, 31 janeiro 2022 14:22

COMÉRCIO TRADICIONAL (2)

Escrito por 

COMÉRCIO LOCAL

Em 2007 publiquei no meu velho site «trilhos serranos» uma extensa crónica sobre o estado em que se encontrava o nosso «comércio tradicional» e quais eram os castrenses que se mantinham firmes na profissão que abraçaram ainda jovens.

 CANDEIA QUE VAI À FRENTE ALUMIA DUAS  VEZES

Portas fechadas - CópiaFalei com senhor João de Oliveira (conhecido por João da Adelaidinha), com a senhora Açucena Pontes,  José Carlos Ferreira Pinto (conhecido por Carlinhos), Senhora Claudina (viúva do falecido Mário dos Cacos), senhoras Benilde e Maria do Rosário. A crónica, devidamente ilustrada com fotografias encontra-se publicada no meu novo site «trilhos-serranos.pt), para onde transitou em 2021 e cujo link anexo em rodapé.

Em 2013 tornei a falar com o «Carlinhos» (ele viria a falecer pouco tempo depois com uma pneumonia) e foi então que ele me contou a «estória manhosa» que consta da crónica que publiquei a preceito e cujo link também anexo em rodapé para os castrenses a saborearem por inteiro. Foi assim:

Carlinhos-1«(…) Antigamente, disse-me ele, as peças de fazenda eram todas de «pura lã»  e quando a indústria passou a fornecer o mercado com peças metade de lã e outra metade de polyester ou similar, nem todas os clientes aceitavam a novidade. Exigiam «pura lã» e mais nada. O «fioco» não teve saída. Tecidos feitos a partir da tosquia dos animais que conheciam na serra, traziam selo de garantia, os outros sabia-se lá de que eram feitos.
Não. Tecidos, só de «pura lã», que os serranos conheciam desde a tosquia à tecelagem.
Nisto, como em tudo, sobretudo nos meios rurais, cientificamente pouco atreitos a mudanças, as novidades não têm o caminho facilitado.

Um dia, ainda o Carlinhos era aprendiz, (o mestre era o seu senhor pai) entrou-lhe lhe  loja dentro um vendedor com várias peças novas. Sabendo da resistência dos clientes aos novos produtos fabricados «à moderna», virou-se para o catraio e disse-lhe, em voz alta:

- Tudo isto é de «pura lã, rapaz!»

LINHAS - CópiaO rapaz, era os Carlinhos, e este, sem ter percebido a intenção do vendedor, mirou e remirou a etiqueta de duas peças e respondeu-lhe:

 - Mas aqui diz 45% de lã e 55 de Polyester e nesta aqui diz 45% de lã e 55 de Trevira.

-  Pois é, rapaz, essa foi a percentagem adequada que a fábrica encontrou para enganar as traças. Com essa percentagem aí marcada elas deixam em paz as calças, coletes, casacos e saias e vão comer para outro lado.

 - Como assim, as traças sabem ler?

-  Claro que sabem. Depois de lerem a etiquete fogem.

O Carlinhos virou-se para o senhor seu pai e disse-lhe:

CARLINHOS-A- Ó senhor meu Pai, este vendedor está a querer enganar-me. Quer convencer-me que as traças sabem ler. Que sabem mais que o tio João, de Picão, o tio Jaquim de Baltar e o tio Horácio de Vila Pouca, que comparam a cabeça de um boi com um A virado ao contrário.
Foi então que o vendedor lhe disse ao Carlinhos que estava a brincar e virando-se para o senhor seu pai, disse-lhe:

- Ó Toninho, o rapaz promete, não vai em conversas tolas.

E não foi, mesmo. Cresceu ali a medir e a vender tecidos ao metro, à vara e ao côvado e com 77 anos de idade, neste ano de 2013, mantém-se atrás do balcão a lidar com clientes, com carinhos e novelos linhas com agulhas de coser, de alinhavar de bordar, dedais, tesouras, cotins, chitas (manobra com mais agilidade o metro de madeira do que eu dedilho o teclado do meu computador), cortinas, roupa feita e, além disso, com paciência e  humor bastante para retirar duas peças da prateleira, desdobrá-las em cima do balcão e deixar-me fotografar as etiquetas e dizer-me, a rir, que até as traças aprenderam a ler numa altura em que a maioria dos clientes da serra era analfabeta».


CLIENTESE por que razão trago eu à colação esta «estória», passados que estão alguns anos? Tão só porque a CASA  de António Augusto Ferreira Pinto, aquela casa onde Carlinhos sucedeu ao Pai, fechou as portas de vez, NO DIA 31 P.P. tal qual vemos na fotos ao lado.

O senhor João e esposa que deram continuidade ao comércio após o falecimento do  Carlinhos disse-me no sábado passado que a loja ia fechar. E eu aproveitei para tirar as fotos que ilustram este meu apontamento. Sempre agarrado à HISTÓRIA e aos documentos que a fundamentam, aqui deixo para historiadores futuros, os meus textos e as minhas imagens.

FECHOU EM CASTRO  DAIRE UMA CASA COM HISTÓRIA LIGADA AO COMÉRCIO TRADICIONAL.

 

 

2007 - http://www.trilhos-serranos.pt/index.php/historia/1047-castro-daire-comercio-tradicional.html


2013  http://www.trilhos-serranos.pt/index.php/cronicas/117-a-tosquia.html 

 

Ler 763 vezes
Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.