COMÉRCIO LOCAL
Em 2007 publiquei no meu velho site «trilhos serranos» uma extensa crónica sobre o estado em que se encontrava o nosso «comércio tradicional» e quais eram os castrenses que se mantinham firmes na profissão que abraçaram ainda jovens.
CANDEIA QUE VAI À FRENTE ALUMIA DUAS VEZES
Falei com senhor João de Oliveira (conhecido por João da Adelaidinha), com a senhora Açucena Pontes, José Carlos Ferreira Pinto (conhecido por Carlinhos), Senhora Claudina (viúva do falecido Mário dos Cacos), senhoras Benilde e Maria do Rosário. A crónica, devidamente ilustrada com fotografias encontra-se publicada no meu novo site «trilhos-serranos.pt), para onde transitou em 2021 e cujo link anexo em rodapé.
Em 2013 tornei a falar com o «Carlinhos» (ele viria a falecer pouco tempo depois com uma pneumonia) e foi então que ele me contou a «estória manhosa» que consta da crónica que publiquei a preceito e cujo link também anexo em rodapé para os castrenses a saborearem por inteiro. Foi assim:
«(…) Antigamente, disse-me ele, as peças de fazenda eram todas de «pura lã» e quando a indústria passou a fornecer o mercado com peças metade de lã e outra metade de polyester ou similar, nem todas os clientes aceitavam a novidade. Exigiam «pura lã» e mais nada. O «fioco» não teve saída. Tecidos feitos a partir da tosquia dos animais que conheciam na serra, traziam selo de garantia, os outros sabia-se lá de que eram feitos.
Não. Tecidos, só de «pura lã», que os serranos conheciam desde a tosquia à tecelagem.
Nisto, como em tudo, sobretudo nos meios rurais, cientificamente pouco atreitos a mudanças, as novidades não têm o caminho facilitado.
Um dia, ainda o Carlinhos era aprendiz, (o mestre era o seu senhor pai) entrou-lhe lhe loja dentro um vendedor com várias peças novas. Sabendo da resistência dos clientes aos novos produtos fabricados «à moderna», virou-se para o catraio e disse-lhe, em voz alta:
- Tudo isto é de «pura lã, rapaz!»
O rapaz, era os Carlinhos, e este, sem ter percebido a intenção do vendedor, mirou e remirou a etiqueta de duas peças e respondeu-lhe:
- Mas aqui diz 45% de lã e 55 de Polyester e nesta aqui diz 45% de lã e 55 de Trevira.
- Pois é, rapaz, essa foi a percentagem adequada que a fábrica encontrou para enganar as traças. Com essa percentagem aí marcada elas deixam em paz as calças, coletes, casacos e saias e vão comer para outro lado.
- Como assim, as traças sabem ler?
- Claro que sabem. Depois de lerem a etiquete fogem.
O Carlinhos virou-se para o senhor seu pai e disse-lhe:
- Ó senhor meu Pai, este vendedor está a querer enganar-me. Quer convencer-me que as traças sabem ler. Que sabem mais que o tio João, de Picão, o tio Jaquim de Baltar e o tio Horácio de Vila Pouca, que comparam a cabeça de um boi com um A virado ao contrário.
Foi então que o vendedor lhe disse ao Carlinhos que estava a brincar e virando-se para o senhor seu pai, disse-lhe:
- Ó Toninho, o rapaz promete, não vai em conversas tolas.
E não foi, mesmo. Cresceu ali a medir e a vender tecidos ao metro, à vara e ao côvado e com 77 anos de idade, neste ano de 2013, mantém-se atrás do balcão a lidar com clientes, com carinhos e novelos linhas com agulhas de coser, de alinhavar de bordar, dedais, tesouras, cotins, chitas (manobra com mais agilidade o metro de madeira do que eu dedilho o teclado do meu computador), cortinas, roupa feita e, além disso, com paciência e humor bastante para retirar duas peças da prateleira, desdobrá-las em cima do balcão e deixar-me fotografar as etiquetas e dizer-me, a rir, que até as traças aprenderam a ler numa altura em que a maioria dos clientes da serra era analfabeta».
E por que razão trago eu à colação esta «estória», passados que estão alguns anos? Tão só porque a CASA de António Augusto Ferreira Pinto, aquela casa onde Carlinhos sucedeu ao Pai, fechou as portas de vez, NO DIA 31 P.P. tal qual vemos na fotos ao lado.
O senhor João e esposa que deram continuidade ao comércio após o falecimento do Carlinhos disse-me no sábado passado que a loja ia fechar. E eu aproveitei para tirar as fotos que ilustram este meu apontamento. Sempre agarrado à HISTÓRIA e aos documentos que a fundamentam, aqui deixo para historiadores futuros, os meus textos e as minhas imagens.
FECHOU EM CASTRO DAIRE UMA CASA COM HISTÓRIA LIGADA AO COMÉRCIO TRADICIONAL.