A ideia não foi por diante, nem podia ir, pelas razões que aduzi. Combóios para quê, num país “agro-pastoril de baldios, de leiras, hortas e quintais” povo analfabeto e com mentores do regime a pugnarem para que assim se mantivesse tempos fora?
Hoje vou fazer uma abordagem disso, mas sob o ângulo anedótico. Antes, porém, e para que a “anedota” ganhe alguma substância, colo aqui a transcrição que fiz de uma crónica online da SICNOTÍCIAS, da autoria da jornalista Catarinha Neves. Reporta-se ela à relação que os portugueses tinham, na altura, com a escola, com as letras, e dos mentores do regime que não viam necessidade de os ensinar a ler e escrever. Ora veja-se:
“Figuras importantes da sociedade portuguesa, como o escritor Alfredo Pimenta, defendiam: "Ensinar o povo português a ler e escrever, para tomar conhecimento das doutrinas corrosivas de panfletários sem escrúpulos ou das facécias malcheirosas que no seu beco escuro vomita todos os dias qualquer garoto da vida airada, ou das mentiras criminosas dos foliculários políticos - é inadmissível. Logo, concluo eu: para a péssima educação que possui e para a natureza de instrução que lhe vão dar, o povo português já sabe de mais (…) Um dos fatores principais da criminalidade é a instrução". Assim escreve no jornal "A Voz", em 1932.
Povo analfabeto, de agricultores e pastores, apesar do projeto de 1929 não passar do papel ou dos discursos dos políticos no activo, não tardou a correr entre os pastores montenuranos, certamente trazida pelos pastores da serra da Estrela que, anualmente, faziam transumância entre as duas serras, uma “estória”, cujo protagonista era uma LAGARTA GIGANTE, nada mais, nada menos do que o COMBOIO.
Dizia-se que um pastor daquelas bandas, pastoreando os gados ali para os lados de Nelas, viu passar a tal LAGARTA, coisa nunca vista, deslizando serra fora. Ao passar matara-lhe, de uma só vez, cinco reses. Espantado com tão estranho bicho, mirando-o do princípio ao fim, apressou-se a contar aos demais pastores, concluiindo:
- Ainda bem que ele se deslocava ao comprido, pois se fosse atravessado, matava-me o rebanho todo.
Pois. Comboios para quê, nesta terra de agricultores e de pastores analbabetos?