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terça, 03 setembro 2019 06:42

CASTRO VERDE - QUADROS DA IGREJA DOS REMÉDIOS - 1

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Igeja dos Remédios em Castro Verde

OS DOCUMENTOS E A HISTÓRIA

Por gentileza, a Câmara Municipal de Castro Verde fez-me chegar, muito recentemente, as edições que tem patrocinado. Li, com agrado, «O Termo de Castro Verde», vol. I, da autoria do Dr. João José Alves da Costa.

 

Não foi sem alguma surpresa que constatei as suas dúvidas relativas  à  identidade do mestre pintor que terá executado os quadros da Igreja dos Remédios. Acerca do assunto ele transcreve «o teor do termo» que eu próprio lhe forneci, relativo ao pagamento que a Confraria de S. Miguel fez ao pintor Diogo Magina, para depois acrescentar, baseando-se numa monografia do concelho de Loulé, que «há quem atribua a feitura dos quadros ao pintor Diogo de Sousa»(pp. 74).

Ora acontece que no «Liv. Das Arrematações da Igreja de Nª  Sª dos Remédios, 1747-1830» (fls. 24v-27r),  existente nos arquivos da Igreja Matriz,  encontra-se o contrato de arrematação da respectiva obra, ao pintor Diogo Magina, contrato esse que publiquei integralmente no Boletim Informativo «Castra Castrorum» (nº 5, de Novembro de 1980), boletim em que Alves da Costa colaborava. Por que razão terá ele omitido essa informação uma vez que tal arrematação, cotejada com o termo de pagamento feito pela Confraria ao mestre pintor, não deixa dúvidas sobre a autoria dos quadros?

Para que conste em letra de forma, em papel mais nobre do que o de um Boletim policopiado, aqui se repõe no «Campaniço», o essencial desse contrato, em ortografia actualizada:

      

 

«Arrematação da obra da pintura da Igreja de Nª  Sª dos Remédios assim do tecto, quadros e azulejos, na melhor perfeição da arte»

«Ano do nascimento de Nosso Senhor  Jesus Cristo de mil setecentos e sessenta e três anos, sendo aos quinze dias do mês de Maio do dito ano, nesta vila de Castro Verde  e Paços do Concelho dela (...)

 (...)

se mandou segunda vez, depois de se ser notório e se fazerem várias diligências e averiguações sobre a perfeição dos arquitectos e pintores dos mais peritos da Província, pôr em praça pública com o último lance de setecentos mil reis dados pelos sobreditos e por concorrerem neles os requisitos acima, a qual obra andou em pregão pelo porteiro deste Juízo Domingos Rodrigues que deu de sua fé não tinha outro lanço algum mais do que os dos ditos mestres Luís António Pereira e Diogo Magina à vista do que mandou o dito juiz e mais oficiais da Câmara ao dito porteiro aprontasse e arrematasse o que fez, dando pregão na praça pública em altas e inteligíveis vozes em quem lhe dava menos de setecentos mil reis pela obra da pintura da Igreja de Nª  Sª dos Remédios, tanto a do tecto como a dos quadros e azulejos com todas as cláusulas, circunstâncias e requisitos do risco e apontamentos que na Câmara se lhe ficaria aprontando e arrematando,  dando-lhe uma e duas e três e outra mais pequenina, metendo um ramo na mão do arrematante Diogo Magina em sinal da sua arrematação, sendo-lhe relidos os apontamentos seguintes: - o tecto será pintado em prepeltina de arquitectura na forma do risco e pintado a óleo fingindo mármore e castragem que guarnece a banqueta e janelas imitando bronze, tudo na melhor forma da arte = os quadros do corpo da igreja hão-de ser dez, cinco de cada lado, que vem a ser: oito das bandas e dois sobre o pórtico, cada um ao menos de oito palmos em quadro, além das molduras, as quais hão-de ser de um palmo de largo ou daquela largura que pedir a obra com um filete e um redondo e uma meia cana pintada de carampito a ouro da ....(?)  com oito ramos de ouro cada um que vem a ser as cantoneiras e nos meios e a pintura deles constará da batalha e aparição de Cristo Senhor Nosso a El-Rei D. Afonso, reguladas pela história da mesma batalha mencionada em outro papel dos apontamentos feitos por Luís António Pereira e apresentado pelo letrado Doutor Ouvidor e Provedor desta Comarca e todos de tintas finas das melhores assentadas em pano na melhor perfeição imitando uma imagem de São Sebastião que apresentou o mestre pintor Diogo Magina para mostrar a perfeição da sua arte = na parede sobre a janela da porta principal se pintará na mesma parede um quadro de doze palmos de alto e vinte de largo com moldura de azulejo para correspondência do que está sobre o arco da capela e neste quadro em pintura se verá um templo visto por dentro em prepeltina e todo de pilastras, ressaltos e colunas e dentro Nª Senhora recebendo a embaixada do anjo. Os seis painéis que já se acham na capela-mor serão borrados e pintados de novo com os mesmos passos e imagens de Nossa Senhora na melhor perfeição que puder ser e com tintas finas para se desvanecer o grande defeito com que se acham. No meio do tecto da abóbada da Igreja se pintará, na perfeição possível, uma imagem de Nossa Senhora da Assunção com a mesma disposição que requer a perspectiva do mesmo tecto (...)?

Os zeladores do templo tiveram o cuidado de não entregarem a feitura dos quadros a qualquer habilidoso. O arrematante teve de apresentar provas  da sua arte. Por isso se lança, no termo de arrematação, que tudo seria  feito «imitando uma imagem de São Sebastião que apresentou o mestre pintor Diogo Magina para mostrar a perfeição da sua arte». 

Cercando o título da arrematação encontra-se escrita, a tinta diferente, a seguinte declaração:

«Está finda esta arrematação e o último contrato e por estar feita na forma de tudo ajustado dão ao mestre Pintor Diogo Magina por desobrigado de toda a obra de Nossa Senhora dos Remédios por estar feita na forma do ajuste de que para constar mandaram os oficiais da Câmara fazer esta declaração que assinaram sendo aos 18 de junho de 67 e eu Bazar dos Reis Mendes escrevi».

 No Boletim Informativo «Castro Castrorum» nº 5, acima referido, dou ainda conhecimento de um outro contrato com o mesmo pintor, lavrado em 30 de Maio de 1764, intitulado assim: «Contrato e ajuste que com a aprovação do Dr. Provedor fizeram os oficiais da Câmara com o Mestre Pintor Diogo Magina».  Não sei, pois, por que razão Alves da Costa se ficou pendurado em dúvidas acerca da autoria dos quadros da Igreja dos Remédios. «Castra Castrorum», fez eco do assunto. Os manuscritos donde se transcreveram os contratos de arrematação nele publicados existem nos arquivos da matriz da vila. Há razões que a razão não entende.

Cf. «Campaniço» nº 40 de Janeiro/Fevereiro de 1998)

 

NOTA: migrado, hoje mesmo, do meu velho site para este novo.

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.