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terça, 03 setembro 2019 06:52

CASTRO VERDE - QUADROS DA IGREJA DOS REMÉDIOS 2

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OS DOCUMENTOS E A HISTÓRIA

 

A favor do primeiro transcreve parte de um termo de pagamento que eu lhe facultei exarado num dos livros da Confraria de S. Miguel. A favor do segundo afirma haver quem «atribua a feitura dos quadros ao pinto Diogo de Sousa», apoiando-se numa monografia de Loulé, onde se pode ler: «Diogo de Sousa, natural de Loulé,  pintor que foi mestre de Diogo Magina. Fez as pinturas da Igreja de Castro Verde no Alentejo e as batalhas de D. Afonso Henriques, que estão na Igreja dos Remédios da mesma vila». (pp 74)

 IORDEM DE ATAQUEFiquei, de facto, perplexo e tinha  razão para isso. Então não é que, tendo ele conhecimento de um extenso e pormenorizado «contrato de arrematação» das  referidas pinturas, assinado pelos oficiais da Câmara e pelo mestre pintor Diogo Magina, resolve simplesmente ignorá-lo, relegar um documento autêntico que informa categoricamente sobre tudo o que se  relaciona com os quadros em questão - materiais, medidas, custo, tempo de execução, pintor, etc - para dar voz ao trecho vago e impreciso, se calhar não documentado, inserto numa monografia?

Ora,  foi face a  essa omissão e a essa  estranha atitude de investigador que fiz chegar ao «Campaniço» (nº 40 Janeiro/Fevereiro de 1998) a minha surpresa, repondo ali novamente o texto do contrato, terminando as minhas  considerações dizendo «haver razões que a razão não entende». E por aí me fiquei.

Acabo agora  de receber o «Campaniço» (nº 41 Janeiro/Fevereiro 99) e não tendo sido meu propósito alimentar qualquer polémica sobre o assunto, eis que leio na primeira página: «POLÉMICA - Quadros da Igreja dos Remédios, quem foi o autor? Alves  da Costa rebate Abílio de Carvalho».

Cópia de Momnge de joelhos-2Alves da Costa rebate quem? Pensei que Alves  da Costa viria carrear novas provas, novos documentos e argumentos ou, então, dizer que por qualquer razão lhe escapou o  «contrato de arrematação» que não era obrigado a ler tudo o que se publicava no «Castra Castrorum» em que ele e eu colaborávamos e que, face ao seu conhecimento tardio embora, emendava a mão. Mas depois disso o que vejo eu? Isto:

1 - Escalpelizando agora o documento e sem dizer porque o omitiu no seu livro, ele continua a «admitir a hipótese de ter sido o pintor Diogo de Sousa (...) o autor da obra em discussão».

2 - Acrescenta: «quanto mais  releio o contrato de arrematação entre os oficiais da Câmara de Castro Verde e Diogo Magina, mais me convenço da possível confirmação da minha hipótese...»

3 -  Formula hipóteses (muitas) a partir da leitura do «contrato de arrematação» e, com a gentileza e fidalguia de trato que o caracteriza, aconselha-me a «não aceitar dogmaticamente o que o documento parece documentar, mas indagar o que, não estando explícito, está implicitamente nas entrelinhas».

Portanto a Sul, nada de novo. Nada que possa alimentar a polémica anunciada na 1ª página do «Campaniço». Por isso as minhas  considerações sobre os quadros que retratam alguns passos da batalha de Ourique, terminam aqui. É que eu tenho outras batalhas a travar por estas bandas de Castro Daire. E em Castro Daire, como em Castro Verde, já todos perceberam, desde o simples leitor, estudioso ou professor, se calhar muitos  dos meus ex-alunos e ex-alunas de que a História se faz com documentos.  E quando o teor dos mesmos tem a consistência daquele que eu reputo de fidedigno - o contrato de arrematação das pinturas -  não há dúvidas, hipóteses e convicções que sustentem o contrário do que nele consta.

E, já agora, porque Alves da Costa me aconselha a «não aceitar dogmaticamente o que o documento objectivamente parece documentar, mas indagar o que, não estando explícito, está implicitamente nas entrelinhas», sugerindo que eu trato com ligeireza o teor dos documentos e deles  tiro conclusões apressadas, deixo aqui, ressalvando alguma dose de imodéstia, mas a tal sou obrigado, o modo como o Professor Doutor Carvalho Homem da Universidade de Coimbra (que não conheço pessoalmente) depois de analisar os trabalhos que publiquei, vê o meu relacionamento com os documentos e com a História:

            «(...) o senhor Dr. Abílio pereira de Carvalho revela-nos uma tão grande maturidade heurística e hermenêutica, um tão acendrado amor à sua Região, um tão feliz espírito de síntese histórica, uma postura tão digna de investigador sério, que apenas deverei instar a gente moça de Castro Daire a aproveitar o melhor possível os seus préstimos e a sua destreza científica».(Gazeta da Beira» (nº 178 de 21 de Julho de 1992)

            Pois é. Tal como se espreme uma esponja até ela deitar a última gota, também eu faço mil perguntas aos documentos. Formulo mil hipóteses, cotejo informações conexas e só depois adianto as minhas conclusões. Foi o que fiz relativamente às pinturas em apreço.

            A dúvida metódica faz sucumbir a dúvida pirrónica.

  Batalha -Cabeças cortadas          Mas já que o meu amigo Alves da Costa me aconselhou a ler com mais cuidado os documentos, deixe-me dar-lhe a prova de que faço isso mesmo, de que nem vírgulas e pontos finais escapam à minha observação quando se trata de cotejar informações, de dar sentido às coisas, de, enfim, reconstituir a História:

            Já reparou que substituindo o «ponto final» que se segue a Magina no texto que  transcreveu da monografia por um «que relativo», o sentido da frase era totalmente alterado e ficava de acordo com o teor do «contrato de arrematação»? Ora veja: «Diogo de Sousa, natural de Loulé, pintor que foi mestre de Diogo Magina [que] fez as pinturas da Igreja de Castro Verde».

            Sendo assim, por que  razão hei-de eu aceitar dogmaticamente o texto inserto numa monografia (texto já impresso), vago, impreciso e, se calhar, sem apoio documental, sem  contrapor a hipótese verosímil de ele próprio estar mal redigido e/ou mal pontuado?

Pense nisso, caro amigo. Não aceite dogmaticamente o teor desse excerto e procure junto do autor, se lhe for possível, a que documento original teve acesso, qual é a fundamentação da sua asserção ou se, de facto, há ali um ponto final a mais e um pronome relativo a menos. E olhe que, até prova documental  em contrário que invalide ou torne apócrifo o «contrato de arrematação» das pinturas (contrato que o meu amigo omitiu no seu livro e este é que é, para mim, o pomo da questão) feito entre os oficiais da Câmara e Diogo Magina, mantenho que foi este o autor dos quadros pendurados na Igreja dos Remédios.

Sem qualquer  dogma. Pois sou, visceralmente, contra todo o tipo de dogmas. (Cf. «Campaniço» nº  42  de Março/Abril de 1999)

Nota:  O Dr. Alves da Costa, no número do «Campaniço» onde exponho as razões supra, insiste em manter a sua tese, sublinhando o «papel de apontamentos feitos por Luís António Pereira e apresentados ao letrado Doutor Ouvidor», como se eles se reportassem a um «risco» prévio dos quadros feito por  Diogo de Sousa. Na minha óptica esse «papel de apontamentos» mais não é do que o registo das cenas históricas que deveriam figurar na obra que  Diogo Magina arrematou. Só isso.

 

NOTA: migrado do meu velho site hoje mesmo para este novo.

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.