A ALEGADA PASSAGEM DOS FRANCESES EM CASTRO DAIRE
Ora, como não tenho feito outra coisa senão investigar a História Local desde que retornei a Castro Daire e como «quem porfia sempre alcança» a questão do «barão» e sua família veio-me à mão, há muito tempo, e consta levemente do meu livro «Misericórdia de Castro Daire» editado em 1990, e mais aprofundadamente no meu livro inédito «CASTRO DAIRE, CLERO, NOBREZA E POVO» do qual extraio os elementos que hoje uso para esclarecimento, não só do que disse A.P. Marcelino, mas também Carlos Azeredo, no seu livro «As populações a norte do Douro e os Franceses. 1808-1809», editado em 1983) Ora vejamos:
1 - A.P. MARCELINO
«Tem Castro Daire um facto histórico notável que não podemos deixar ficar esquecido, pois é muito digno de ser arquivado (?) refere-se à passagem por Castro Daire de uma divisão francesa comandada pelo célebre general Loison que próximo desta vila pernoitou de 23 para 24 de Julho de 1808.
(...) No sítio da «Feira das Vacas» e nos Campos de Santo António, foi tão encarniçada a luta que os franceses chegaram a desanimar e Azeredo [tenente João Paula de Azeredo] à frente dos conterrâneos, dando ordens e animando-os a prosseguir a luta, faz proezas brilhantes. Calcula-se que o exército francês tivesse cerca de 400 baixas, perdendo muitas bagagens, armamentos e munições e sobretudo várias preciosidades de ouro e prata que, sem dúvida haviam roubado nas terras por onde passavam e que aqui ficaram em poder de algumas famílias. O mesmo Loison foi ferido e bem assim o seu ajudante. Os próprios franceses admiraram a coragem do nosso povo. No dia 25 de manhã saíram daqui 20 carros com feridos incluindo o próprio general. Dos castrenses também ficaram muitos feridos, mas não consta que nenhum morresse. Também o general Junot havia passado nesta vila com um numeroso exército, fazendo muitas tropelias e vários roubos, sendo a sua gente quem roubou as lâmpadas de prata que havia em cada um dos arcos da igreja matriz e outros mais objectos, roubos e tropelias estas que muito contribuíram para excitar o povo e proceder como procedeu com o exército do general Loison, obrigando-o a pagar caro o mal que o seu antecessor tinha praticado. Junot esteve hospedado em casa do Barão de Castro Daire. «O Castrense», Julho de 1916»
2 - CARLOS AZEREDO
«(..) O Boletim IV do comando de Junot, publicado na «Gazeta de Lisboa» de 14 de Julho de 1808, relata que Loison já perto da Castro D'Aire, fez frente a uma coluna de «insurrectos» que pôs em debandada, deixando 400 mortos no terreno.
(...) De concreto sabe-se que a partir das proximidades da Póvoa de Juvantes, ou por desistência dos populares, ou pela reacção de Loison, este foi deixado em paz. O esgotamento das munições, o cansaço e o fim das provisões, todos estes factores devem ter pesado para pôr fim à marcha dos populares e, livre da sua incómoda escolta Loison pernoitou de 23 para 24 no campo, sobre umas alturas, junto ao caminho, com guardas forçadas. A 24 atingiu sem novidade Castro D'Aire, onde pernoitou. A população de Castro Daire amotinou-se à aproximação dos franceses, tendo-lhes resistido no sítio da Feira das Vacas e nos campos de Santo António. Loison jantou e pernoitou no Palácio das Carrancas da família Pinto Basto e as tropas acamparam na cerca - Outeiro da Forca».(Carta da Câmara Municipal, Junho de 1983)
Não cabe aqui dissecar todas as divergências dos textos deixados por cada um destes autores, ambos bebendo certamente na mesma fonte ou fonte próxima e diversa, como diversos eram os relatórios que sobre o mesmo acontecimentos ficaram, alguns deles denunciadamente eivados dos interesses promocionais dos seus relatores do que da objectividade dos factos relatados. Mas destaquemos alguns desses aspectos:
a) O primeiro, na ânsia de valorizar a nossa terra fez dela o palco de tão valoroso acontecimento, situando a refrega na Feira das Vacas, exaltando a valentia dos castrenses que mataram 400 homens das hostes de Loison, com isso se vingando das tropelias e saques que Junot tinha feito pouco tempo antes na sua passagem por Castro Daire, «hospedado na casa do Barão de Castro Daire».
E nesta sua ânsia de pôr Castro Daire nas gloriosas páginas da Guerra Peninsular, o autor não se deu conta dos erros crassos em que incorria: em 1808 não existia nenhum «Barão de Castro Daire», e, até provaem contrário, Junot jamais terá passado por esta vila.
b) Das palavras do segundo se infere, claramente, que o recontro onde ficaram 400 mortos não foi em Castro Daire, embora dizendo que à aproximação dos franceses a população desta vila lhes tenha resistido no «sitio da Feira das Vacas e nos Campos de Santo António». E com as tropas acampadas «na cerca - Outeiro da Forca», Loison, vencedor, acomodou-se e jantou e pernoitou no «Palácio das Carrancas da família Pinto Basto».
Ora, deixando as não coincidências dos textos com os factos que relatam, se, relativamente ao primeiro sublinhei que, em 1808, não havia nenhum «barão em Castro Daire» para na sua casa pernoitar Junot, no segundo sublinho que, em 1808, o palacete das Carrancas não pertencia à «família Pinto Basto», para nele jantar e pernoitar Loison. Pertencia sim à família no seio da qual havia de nascer, em 1811, aquele que, em 1840, receberia o título de «Barão», Luís Malheiro Lemos e Vasconcelos.
E até prova documental em contrário, presumo que só depois da morte do Barão de Castro Daire, em 1878, o Palacete das Carrancas, passou para a família Pinto Basto, em cujas mãos se manteve até ser vendido a Bernardino Teixeira de Lacerda Pinto, depois da implantação da República, como amplamente documentei no meu livro «A Implantação da República em Castro Daire- I», editado em 2010.
Abílio Pereira de Carvalho
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