AIVADOS - CASTRO VERDE (1562-1655)
Assisti, via TV, à cerimónia solene da "Abertura do Novo Ano Judicial". Apreciei, sobremaneira, o introito que cada interveniente fez ao discurso que preparou antecipadamente,uma lista infindável de personalidades, todas muito dignas de referência e chamadas àquele ritual monocórdico que, só por si, é a prova provada de que a Justiça exige urgentemente uma reforma.
A circunstância fez-me pegar nos remos de um barco de pesca e, metido nele, penetrar águas adentro, neste «mare magnum» da Internet, até esbarrar na onda que dá pelo nome de «
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», um blog pessoal no qual o senhor António Ventura, cidadão com quem lidei na Aldeia dos Aivados, concelho de Castro Verde, achou por bem publicar o «fac símile» das duas crónicas que escrevi no «Diário do Alentejo» (números de 22-09-1982 e 29-09-1982), sobre a história daquela aldeia alentejana, quando eu lecionava na Escola Preparatória de Castro Verde e me dedicava, ali, tal como aqui, à investigação e divulgação da HISTÓRIA LOCAL.
Interessado, tal como eu, em conhecer e dar a conhecer a história da sua terra, o senhor António Ventura confiou-me um volumoso processo judicial histórico que tinha à sua guarda, no qual estavam envolvidos o povo daquela aldeia, por um lado, e a Câmara Municipal de Castro Verde, por outro. O objeto da discórdia eram os terrenos em redor da aldeia. Os moradores dos Aivados consideravam-se os legítimos «herdeiros dos rossios» circundantes, portanto «logradouros» seus, e os oficiais da Câmara de Castro Verde, ao contrário, consideram tratar-se de uma parcela de «território baldio» e, consequentemente, caber-lhes, a eles, a sua administração e fazer reverter os seus rendimentos a favor de todo o concelho e não apenas de uma parte.
De posse do processo, foi o desbravar de uma floresta, de um denso montado, formado por advogados, tabeliães, provedores, ouvidores, juízes, oficiais de diligências, testemunhas, procurações, agravos, mandados, avisos, recibos e mais papéis que, de cavalo, de macho, de mula, ou pedibus calcantibus, saídos do concelho de Castro Verde a caminho das instâncias judiciais existentes, retornavam à procedência com provisões, despachos e sentenças neles recaídos, a favor ou contra os AA. e os RR.
Pelo caminho ficavam o Tribunal da Suplicação, em Lisboa, a Provedoria da Comarca de Ourique, em Messejana, a Provedoria e Ouvidoria de Azeitão, a cujo ouvidor cabia aplicar a justiça nas terras e vilas que, D. Raimundo, duque de Aveiro, possuía no Mestrado de Santiago.
Este Ouvidor sentenciou a favor dos moradores, mas, apresentado recurso pelo procurador do concelho, o processo seguiu os seus trâmites, até que, em 17 de Março de 1634, o Provedor e Ouvidor, Dr. Romão Luís Ferreira, condenou os oficiais da Câmara por não acatarem o estipulado na sentença da Relação, datada de «sessenta e dois» (1562) pela qual se via que as terras que deram origem ao litígio eram «rossios melhores para logramemto dos moradores da aldeia dos Aivados e seus vizinhos do que para se lavrarem e semearem de pão». E não sendo «baldios nem sesmarias» , os oficiais da Câmara não tinham jurisdição sobre essas terras que «que injustamente e sem fundamento foram tomadas».
E, coisa formidável, certamente inédita nos trilhos da nossa Justiça. Ele disse, preto no branco, «não ter encontrado a Provisão de Sua Majestade, nem o despacho da Correição que eles evocavam, na base dos quais tomaram as terras, como referia o auto de posse dado ao Procurador do Concelho, em 16 de Setembro de 1626».
E foi quase um século de luta. Não é engano. Foi esse o tempo que decorreu entre a data da primeira sentença (1562) e da última (1655), já em tempo de D. João IV.
Nesse seu blog, o senhor António Ventura esclarece os objetivos que tem em mente. Palavras suas:
«Este blog tem como objetivo principal divulgar Aivados, recordando o seu passado, e olhando para o presente, pelo que se agradece toda a sã colaboração, enviando algo que se identifique com Aivados, por mais simples que seja, quantas vezes não são as pequenas coisas, que parecendo não ter importância, são as mais preciosas. Uma foto, um poema, algo que tenha ouvido aos mais antigos, etc.." E deixava o endereço:
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Quando dei pelo seu trabalho, e na sequência de algo que fui lendo e vendo nos canais de televisão sobre a vida comunitária daquela aldeia alentejana, ao notar que esse meu estudo, ou era omisso ou negligenciado por quem tinha o dever de o conhecer (lembro o que, a propósito, o Professor Oliveira Marques, em livro impresso, ensinou aos seus alunos, advertindo-os para os trilhos da investigação, que é conhecer o que sobre o tema já foi dito ou escrito, para não «chover no molhado» e ver o que de novo se pode acrescentar ao dito e feito) escrevi um comentário, que para aqui repesco, devido à atualidade que ele mantém, relativamente a alguns investigadores que, pisando tais trilhos, querem deixar a ideia de que, antes deles, o assunto tinha escapado aos olhos de quem, por dever de ofício e de dedicação, se antecipou a "andar por ali".
COMENTÁRIO:
"Quero felicitar o senhor António Ventura pela forma como abordou o trabalho pioneiro que publiquei no «Diário do Alentejo» com o título «República dos Aivados». Ao colocar em on-line o «fac-símile» do texto integral publicado naquele jornal, retira a qualquer investigador a possibilidade de deturpar ou omitir o que escrevi e publiquei, em prol da história dos Aivados.
Digo isto porque não faltam por aí investigadores que, dando-se ares de pioneiros, omitem ou, quando muito, citam de forma evasiva o labor daqueles que, antes deles, queimaram as pestanas em busca de saber e divulgação saberes. Que desconsolados se devem sentir, agora, ao verem esse meu trabalho em on-line, posto assim no rosto de um blogue, neste mundo sem limites! Parabéns, senhor António Ventura, isto é o que se pode dizer, um trabalho sério de conhecimento e divulgação». ass)
Neste meu retornar ao mar e navegar na WWW, de barco ligeiro, a cortar águas pasadas, não me foi difícil seguir rota certa. E o blog do senhor António Ventura, «
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» lá estava no marulhar e no silêncio das ondas.
Mas constatei que, a partir do ano 2015, não houve mais movimento ali. Tive o pressentimento de que tal só podia dever-se a motivo de força maior e entrei em contato com o meu amigo Dr. José Guerreiro, de Castro Verde (notário aposentado) sempre pronto a responder às minhas perguntas e dúvidas. Outro cidadão ligado à informação, história e cultura, de que é exemplo o seu programa na rádio local, magistralmente denominado PATRIMÓNIO, um programa semanal, no ar rondará uma trintena de anos. É obra. E veio a informação. O senhor António Ventura tinha falecido. Daí o silêncio do blog.
Ora, se o senhor António Ventura se preocupou em divulgar o produto dos trilhos por mim andados em terras alentejanas, terras de amigos, familiares e afetos de ex-alunos e alunas, e se ao seu espaço WWW recorri para revisitar o que escrevi sobre este longo PROCESSO HISTÓRICO, sabida a notícia, entendi que era meu dever puxar para estes meus «trilhos-serranos» o seu louvável trabalho. Direi mesmo que, face ao empenho posto na sua tarefa, éramos irmãos gémeos. Ele, enquanto vivo, lá por terras transtaganas, no seu blog, ainda online, depois de morto. Eu, enquanto vivo, cá por terras da Beira, nestes meus «trilhos-serranos», onde online ficarão, para além da minha morte., as pegadas que vou deixando por cá.
Dito isto, e sabida que é rapidez da nossa Justiça e o conceito que disso tem o mais comum dos cidadãos, devo acrescentar que, hoje de manhã, ouvi parte da entrevista que o Meritíssimo Presidente do Supremo Tribunal da Justiça deu à TSF. Ele é de opinião que «não precisamos de nenhuma Reforma na Justiça». Quando muito, alguns ajustamentos. Pois e: «excelentíssimo senhor..... fulano...excelentíssimo senhor cicrano....excelentíssimo senhor beltrano"... aquela lista infindável de individualidades muito dignas com assento na cerimónia solene da Abertura do Novo Ano judicial, intervenção após intervenção. Etecetera...etecetera....etecetera.
E vêm à colação os dois últimos parágrafos do meu romance histórico «Julgamento», editado no ano 2000. Livro em que um Juiz, um dos protagonistas da trama, depois da instrução de um processo, capacitado de não poder lavrar sentença justa, resolve atira-se ao Poço dos Molgos, deixando para um colega tal tarefa. Assim:
«Num papel solto, encontrado na sua secretária, estava marcada a data e o local do julgamento. Segundo ele, o edifício que ostentava a legenda «Domvs Jvstitiae» ficaria de portas fechadas. O julgamento iria decorrer em lugar amplo e aberto. Era sob a frondosa copa da «Carvalha do Presépio», ao Mosteiro.
E foi. Foi à sombra deste Roblim dos Bosques que outro juiz, os jurados e demais elementos ligados ao Tribunal se reuniram. Esclarecidos, todos, sobre o assunto a tratar, o juiz, escorado na sapiência académica e da vida, está pronto a exercer a sua missão. Sentado atrás de uma mesa de carvalho improvisada, pega num calhau rolado, bate com ele três vezes no seu tampo e diz em voz alta, de modo a chamar a atenção do mais desatento:
- Está aberta a audiência!»