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quarta, 05 julho 2017 17:05

ALEGORIAS BÍBLICAS OCULTADAS DO PÚBLICO CERCA DE 250 ANOS (IV)

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HISTÓRIA VIVA

É o quarto texto que escrevo sob o título em epígrafe para falar dos painéis de azulejos que, neste ano de 2017, foram descobertos atrás do CADEIRAL existente na Capela-mor da Igreja Matriz de Castro Daire.

01 -ReduzRetomo o assunto, não para repetir o que já disse nas crónicas anteriores, onde mantenho, na integra, a descrição física e a leitura hermenêutica que deles faço, sugerida e justificada pela disposição, feições e gestos que o artista do século XVIII incutiu nas figuras e paisagens daquela sua obra de arte. Essa disposição, feições e gestos dão corpo e substância "não canónicas" às duas ALEGORIAS BÍBLICA de Mateus, ali representadas.

Dito isto, o que me leva retomar o tema não é para dizer mesmo, mas tão só acrescentar o que não foi dito antes e imperioso se torna que o faça, como historiador que, relatando com rigor os factos, tem a obrigação de, com igual critério, identificar os protagonistas,  sob pena de não cumprir a obrigação sagrada que lhes impõe o desempenho do seu múnus.

Reporto-me, assim, às pessoas que tiveram a surpresa, o privilégio, cultura e o bom senso de, passados 240 anos,2- PAINEL ESQUERDA - Redz poderem ver, conciliar e preservar os elementos patrimoniais históricos que coexistiram pacificamente cerca de dois séculos e meio, mesmo que um só desses elementos históricos gozasse o privilégio de exibir a sua existência, isto é, de poder ser usado e visto pelos olhos do mundo, em prejuízo daquele que ele próprio ocultava: falo claramente dos dois painéis de azulejos escondidos e do cadeiral de madeira que os escondia.

Agiu, pois, bem o abade Carlos José Gomes Caria e a equipa responsável pela preservação do património sacro, a nível diocesano. Descravados que foram das paredes os cadeirais, descobertas que foram as alegorias ali existentes, feitas em azulejo de padrão pombalino, esburacadas que estavam as imagens por força de nelas se terem fixado  os simétricos cadeirais, havia que estabilizar e preservar o resto desse património material e espiritual. Estudado o assunto por peritos em "obras e massas" resistentes e de fácil dissolução, foi o que se fez,  por forma a que, em qualquer tempo, se possa restaurar a obra que, por esse processo, ficou danificada.

E, agindo assim, dessa forma se preserva e projeta no futuro, não só as alegorias, mas também a sua leitura.

022 - RedSimultaneamente havia que preservar o cadeiral. Ele tinha idade bastante, com certidão de nascimento autenticada e lacrada, que impedia qualquer pessoa de bom senso, de mediana sensibilidade artística e histórica, retirar-lhe as funções para que foi ajustado, em 1776, e ali fixado, depois de pronto.

Para isso, congregando vontades, ideias e técnicas, resolveu-se colocar o cadeiral restaurado no mesmo sítio, mas agora assente sobre adequadas corrediças (a bem dizer invisíveis)  por forma a que, tanto o cadeiral da esquerda como o cadeiral da direita, (com os seus 15 assentos cada e respetivas misericórdias)  possam deslizar para o centro da capela-mor e voltar à procedênmcia, quando tal for necessário e entendido por quem de direito.

Assim, congeminadas que foram as coisas,  o "risco da obra" (para usar o termo registado  outrora  nos livros das «arrematações» das obras) coube esse «risco» a José Luís Loureiro que, visando a boa execução, foi coadjuvado na tarefa de assentamento por Alexandre SilvaAntónio Matias e José Carlos Esteves, que, em simultâneo, tiveram ao seu cuidado o tratamento das madeiras e respetivo restauro.2-2PAINEL DIREITA Redz

Assim, o cadeiral geminado, graças ao milagre das técnicas e ferramentas disponíveis neste século XXI,  voltou ao sítio para onde foi concebido e colocado no século XVIII, mas, desta vez, sem a necessidade de se fazerem rombos de suporte nos painéis que atrás de si se escondem.

Aqui chegados, direi, em boa verdade, que sendo eu o primeiro historiador (até prova em contrário) a escrever sobre estas duas alegorias bíblicas e a divulgá-los no mundo, via Internet, quer em texto, quer em vídeo, bem mais merecedores disso eram, no meu entender,  os Dr. Manuel Gonçalves da Costa e o Dr. Alexandre Alves, dois historiadores que muito escreveram sobre a história desta região e, consequentemente, sobre a história desta Igreja. Por má sorte sua, sendo ambos homens de Igreja (e não o sendo eu)  viram-se privados de ver e de escrever sobre a obra de arte que, graças à generosidade do Abade Carlos Caria, eu tive a fortuna de observar, interpretar e divulgar, no mundo digital, o que sobre essa obra penso.

Não é sem uma pontinha de desgosto que o faço. É que tendo eu assimilado os conhecimentos que esses dois investigadores/historiadores me transmitiram através da assinalável obra que deixaram, seria uma grande injustiça da minha parte, não evocar aqui sua memória. E mais direi. Falecidos que ambos estão, garanto que se fossem vivos, seriam as primeiras pessoas a quem eu apresentaria a leitura hermenêutica  (não canónica) que fiz das duas alegorias, seguro de que de ambos receberia, com generosidade e tolerância, o seu assentimento ou a sua negação. Isto, sem ressaibos de censura ou de condenação. Atitudes tão próprias dos dois homens informados e cultos que eram e que tive o privilégio de conhecer e privar em vida. Eles mereciam isso. 

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.