QUELIMANE
ABÍLIO
HISTÓRIA VIVA
NO DEGREDO EM MOÇAMBIQUE
E que tipo de administração tinha Moçambique à chegada de JOAQUIM JOSÉ ÁLVARES? Que «LEI E ORDEM» imperavam em tão afastadas terras (com capital na Ilha de Moçambique) sorvedouro de uns tantos aventureiros esperançados em subir na vida, de outros tantos dispostos a prestarem serviço a Sua Majestade e outros mais criminosos e degredados que ali espiavam as suas penas?
Para responder as tais perguntas, para respirarmos a atmosfera sociopolítica e administrativa do tempo, para sabermos o que esperava o tenente transmontano «degredado», nada melhor que ler José Justino Teixeira Botelho, que se deu ao trabalho de fazer a História daqueles tempos e espaços. Não vou fazer isso aqui e agora, mas essa obra é indispensável para percebermos os traços biográficos do fogoso e destemido tenente. Assim:
JOAQUIM JOSÉ ÁLVARES, degredado por ideais políticos, não ignorava que, o território para onde ia não era propriamente uma colónia de férias. Ali, o absolutismo e o liberalismo tinham, seguramente, os seus seguidores e ele não deixaria de encontrar lá os seus companheiros de luta, tão degredados ou não como ele.
Revolucionário, chegado que fosse ao terreno e antes de intentar qualquer revolução, havia que saber se o poder estava nas mãos de pessoa «com peitos duros, entendimentos varridos e mãos cobiçosas, pessoa em cujas mãos se calava a justiça, triunfava a impunidade e perecia a inocência ou, pelo contrário, pessoa de coração sensível, entendimento ilustrado e mãos limpas» (1)
.Não tardou a sabê-lo. O poder estava nas mãos dos afetos a D. Miguel. E, lá, como cá, não reprimindo o seu génio, o tenente transmontando vai de levantar voz pela Rainha na primeira oportunidade. Resultado: mais uma deportação para as terras doentias da Zambézia. Assim:
«Nos princípios de Outubro do dito ano [1832], por muito afeto ao legítimo Governo de sua Majestade a Rainha, tentei, em seu abono, uma revolta e, por malograda, fui de novo processado e condenado pelo intruso Governo de Moçambique a servir de simples soldado na Companhia de Quelimane, onde, ainda possuído dos mesmos sentimentos, em dias de Fevereiro de 1833, levei a efeito uma revolta em favor da legitimidade». (Dossier General, ms.)
Não. O poder não estava numa pessoa de coração sensível, entendimento ilustrado, mas bem pelo contrário. E esta sua aventura, como ele próprio o afirma, levou-o a ser processado novamente. Despromovido do posto de tenente é na qualidade de soldado raso que foi transferido de Moçambique (ilha) para Quelimane. Ao documento que transcrevi acima, junta-se a «Guia de Marcha» que os Governadores da Capitania lhe puseram nas mãos e... ala:
«Os Ilusmos. Srs. Governadores da Capitania ordenam a V. Mercê que se prontifique para seguir viagem para o porto de Quelimane na primeira embarcação que para ali se destinar, por assim parecer conveniente ao Bem do Real serviço. O que comunico a V. Mercê. para sua inteligência e pontual execução. Deus Guarde V. Mcê, Secretaria do Governo de Moçambique, em 26 de Novembro de 1832.
O Secretário do Governo
Manuel da Silva Gonçalves» (Dossier General, ms.)
E que terras eram estas de Quelimane para onde foi «degredado» pela segunda vez, JOAQUIM JOSÉ ÁLVARES? Deixemo-nos levar pela mão de José Justino Teixeira Botelho, acima referido:
«A vila de S. Martinho de Quelimane, que no segundo quartel do século XIX passou a ser sede do governo de Rios de Sena, tinha nesse tempo apenas trinta e oito casas de taipa, cobertas de terra, duas de alvenaria e cerca de quarenta palhotas, uma igreja de invocação de Nossa Senhora do Livramento, sede da paróquia, que pertencera aos jesuítas. Não existia alfândega, nem cadeia, nem edifício da Câmara, reunindo-se os vereadores ora em casa de um, oura em casa de outro, andando o arquivo aos tombos. Também não existia ainda fortaleza, porque a antiga fora destruída e a nova só se começou a construir muito mais tarde, achando-se assim a povoação exposta às vexações da banda do mar e da terra. A sua população andava neste tempo por duzentos habitantes cristãos, a maior parte dos quais de Goa e de Damão e raros da Europa» (2)
Revolucionário inconformado, habituado ao frio das neves e codos transmontanos, não se deixou amolecer com o calor doentio dos trópicos. Deportado pelo miguelismo metropolitano e caído nas mãos dos miguelistas que, em Moçambique, faziam carreira, estes, na primeira oportunidade, logo lhe tiraram os galões de oficial do Exército, recambiando-o para Quelimane na condição de soldado raso. Esse ato de despromoção ficou comprovado da forma seguinte, em documento datado de 3 de Janeiro de 1833, ano em que, na metrópole, o liberalismo triunfava, sem ele saber:
«Tem baixa do Real Serviço o soldado adido ao destacamento vindo de Moçambique, Joaquim José Álvares. Quartel do Governo em Quelimane, 3 de Janeiro de 1833». Ass) Barbosa, Gen». (Dossier General, ms.)
Mas nem aqui JOAQUIM JOSÉ ÁLVARES se acomodou à sua condição de perseguido e despromovido. Em documento redigido, mais tarde, na primeira pessoa, diz-nos:
«Processado e condenado pelo intruso Governo de Moçambique a servir de simples soldado na Companhia de Quelimane, onde, ainda possuído dos mesmos sentimentos, em dias de Fevereiro de 1833, levei a efeito uma revolta em favor da legitimidade, regressando depois a Moçambique». (Dossier General, ms. nº )
Revolta tentada e fracassada em Fevereiro de 1833, antes da Convenção de Évora Monte e da expatriação de D. Miguel, em Maio de 1834, pode dizer-se que, JOAQUIM JOSÉ ÁLVARES, fosse qual fosse o posto que ocupasse – tenente ou soldado - era de ideias firmes e tão translúcidas como as estalactites que ele, na sua juventude, seguramente, viu a rendilhar os beirais das casas transmontanas, após os nevões de cada inverno. Agora, degredado em terras cálidas, o tempo político corria a seu favor por estas terras frias e europeias, pois vencido o miguelismo em Portugal, também o liberalismo havia de embarcar para a Moçambique e ele lá estava para recebê-lo, no porto e no posto, em qualquer sítio onde estivesse e com a patente militar que tivesse. Ou talvez não gostasse do que via e se dispusesse a regressar a Portugal, via Brasil, e aqui prosseguir a carreira de armas. Havemos ter tempo para ver isso, já que documentos disponos nós, salvos que foram do lixo, do ATERRO DO PLANALTO BEIRÃO. Perante este caso e este militar de carreira que se bateu pelo LIBERALISMO, as palavras do Padre António Vieira, postas à cabeça deste texto, cortam que nem lâminas no peito dos zeladores do nosso património histórico e dos valores que apregoam, mas não respeitam, não preservam, nem difundem. É só ver o que a este respeito tem feito os Pelouros da Cultura das Cãmaras Municipal de Santa Marta de Penaguião e de Vila Real que tinham a obrigação de não esquecer e divulgar as personalidades que, nascidas nas pregas destes montes, subiram às páginas da HISTÓRIA PÁTRIA.