ECOS QUE VÊM DE LONGE
As mandas, demandas e bolandas feitas para se arranjar uma AMA DE LEITE que satisfaça as «conveniências» do empregador. Decorre o ano de 1871 e duas amigas, uma a viver em Castro Daire e outra em Lamego trocam correspondência acerca disso. Sem respeito pela «grafia» manuscrita, mas sim pela grafia atualmente em voga, qui deixo as duas cartas assinadas por Leopoldina Guedes, a senhora de Lamego que se mostrava muito grata com a sua amiga de Castro Daire.
Lamego, 2 de agosto de 1871
Mª presada e boa amiga:
Aqui esteve a ama que veio de Castro Daire. Devo porem confessar a V. Exa. que a acho muito criança e com pouca idade de cuidados para uma criança que eu lhe meta nas mãos. E não é ela propriamente uma mulher do campo, mas sim uma senhora e um tudo senhora da sua vontade e para minha casa não me agrada nada. Satisfaz-me mais as minhas medidas a primeira que veio a que tem melhor opinião dos médicos. Não acha bem?
Desculpe-me porem Sua Exa. esta minha franqueza, mas estou que Sua Exa. deseja que eu seja franca.
Esta não me agrada. Lanço mão da outra se acaso não aparecer melhor, pois mau é que ela ainda pense no rapaz de quem tem os filhos.
Eu pedia, pois, a V. Exa. a sua resposta, pois eu desejava que S. Exa. me fale também com a mesma franqueza.
Aguardo, pois a sua resposta para me dizer se eu poderei ter confiança na ama d’aí e se dela tem ultimamente mais informação visto dizer-me que receava do rapaz de quem ela tem os filhos.
V. Exa. aqui mandou passar uma mulher do campo, já que me parece ter mais idade e por isso mais uma garantia.
Não é porem isto motivo para que eu deixe de agradecer à minha boa amiga tantos e tantos favores.
Beijo-lhe as mãos por todos, e creia que serei sempre reconhecida a eles.
A primeira que aqui veio, achou-a o Mendes como S. Exa. viu. Apresentar pouca robustez e ter o leite já de muitos meses. Se aparecer uma mulher parida robusta, co campo, e com o leite mais novo, eu não me importo que elas sejam propriamente estúpidas e do campo. Posso fazer delas mais o que eu quero, o que não sucederia com esta que me pareceu ter muito mimo.
De mais sem precisão (?) que faria ela? Com paixão do rapaz de quem guarda o retrato? Será bom porem nada lhe mandar dizer porque depois diz-me.
Muito estimo que seu bom marido esteja restabelecido de todo.
O José Miguel já está bom.
Aceite, tanto V. Exa. Como o seu marido muitos cumprimentos dele e peço-lhe que beijando a sua filhinha por mim me desculpe com tanta maçada de que eu serei sempre grata.
De V. Exa.
Muito afetuosamente obrigada
Leopoldina Guedes»
E ficando as coisas assim penduradas nas exigências do casal empregador, isto é, do casal necessitado de uma AMA DE LEITE, a criança, futuro homem ou mulher, se lesse estas cartas bem podia avaliar o zelo e o amor que os seus progenitores lhe votavam. procurando para ele ou para ela o melhor COLO, o leite mais saaudável e de pouca idade. Não importava que saísse das mamas de uma camponesa robusta e «estúpida», que mais fácil era de «domesticar». E assim, passado quase um mês, nova carta, a rematar o negócio:
«Lamego, 20 de setembro de 1871
Exma. senhora e minha prezada amiga
Recebi neste instante a sua estimável carta e vou responder a ela imediatamente.
Resolvo-me a escolher a ama de Rezende, pois pelo que V. Exa. me diz me convém decerto mais. O Mendes achou-lhe o inconveniente de ter leite de muitos meses, mas antes ter de muitos meses do que não ter nenhum, como viria a acontecer à de Parada.
Escolho, pois a daí e fica assentado e ela segura de que eu a quero. E que é a ela que eu prefiro.
E assim que eu dela preciso a mando chamar.
Fica pois isto já decidido. Eu agradeço reconhecida os seus obséquios e creia que jamais os esquecerei.
Não sou mais extensa e pelo correio enviarei brevemente.
Receba V. Exa. os protestos de reconhecimento e verdadeira amizade da que é
De V.Exa
. Amiga dedicada e obrigada
Leopoldina Guedes.