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sexta, 16 fevereiro 2024 16:54

CINQUENTA ANOS APÓS O 25 DE ABRIL DE 1974 (1)

Escrito por 

CARTA DE ALMEIDA CARRETT DIRIGIDA AO SEU COMANDANTE

Aproximando-se, o mês de abril p.f., e com ele MEIO SÉCULO de eventos passados, revivo a alegria, o contentamento, as emoções e a atmosfera da LIBERDADE que senti, lá, em Moçambique, onde, então,  me encontrava. Ouvido colado à telefonia, pois, à época,  não havia a parafernália dos equipamentos de hoje virados para a informação e desinformação.

Já escrevi muito sobre esse dia marcante na cronologia da  HISTÓRIA PÁTRIA, sublinhando as MUDANÇAS políticas, sociais, económicas, educacionais e por aí adiante que só podem ser negadas por gente vesga ou fora da HISTÓRIA.

 

lISBOA.CAPA-FERNÃO LOPES-20000Tanta coisa se fez. Tanta coisa mudou. Mas muito ficou por fazer. E muito se fez de errado, gerador de frustrações e descontentamentos, ao pondo de eu poder colar aqui o «desalento» deixado por Almeida Garret, em «Arco de Sant’Ana», reportando-se ao aproveitamento daqueles que se bateram pelo LIBERALISMO (século XIX) e aqueles que dele melhor se aproveitaram. E disso seriam julgados por duas gerações, assim:

«E ambas nos acusarão com justiça, se conhecido o abuso que de nossa inocência querem fazer, não sairmos já a protestar por ela e nos não extremarmos com tempo dos falsos profetas e dos falsos apóstolos que vêm atrás de nós, lançando no sulco que nós abrimos e semeamos de bom trigo, o joio mau de suas pretensões e interesses».( Arco de Sant'Ana, pp12)

Mutatis mutandis. Aproximando-se as eleições legislativas de março p.f., em homenagem a todos os MILITARES e CIVIS que se bateram no Continente e nas Colónias para que pudéssemos viver em DEMOCRACIA, sempre empenhados em engrandecê-la e não sepultá-la, quer dizer, recusar ir atrás dos «falsos profetas e apóstolos» que procuram semear «joio» no sulco onde já se semeou «bom trigo», deixo aqui, a CARTA que este nosso escritor dirigiu ao COMANDANTE Luna, sob cujas ordens ele serviu no CERCO DO PORTO ao lado de D. Pedro. Assim:

AO ILm0 SR. CORONEL J. P. S. LUNA

Comandante do Corpo Académico durante o Cerco do Porto

Etc. Etc. Etc.

Meu comandante!

Faça V. S.a ideia que, do fundo desta província donde lhe escrevo, me perfilo devidamente e faço a continência militar, de que ainda me não esqueci, apesar de que as ordens do dia de hoje mandam esquecer todo o serviço daquele nosso tempo. Deixá-los! Eu cá não sou ingrato: e viva o meu comandante que sempre nos tratou tão bem, e foi e é, e há de ser um honrado soldado da liberdade.

Ânimo, meu comandante! As preterições a quem desonram é a quem as faz por injustiça e parciali­dade. Diz-se que, em certa promoção de Roma, sendo ministro da guerra ou não sei que autoridade grande, um tal Calígula, saiu cônsul um cavalo do dito ministro. Cônsul quer-me parecer que não seria mais, nem teria mais estrelas nas dragonas, do  que brigadeiro, ou marechal-de-campo quando muito. Mas fosse como fosse: quem é que foi o preterido deveras naquele acinte sem vergonha? Claro que o autor da promoção.

Pois eu, meu comandante, a esses cônsules ai andam aos coices por esta nossa terra de Portugal, que V. S.a, e os outros bravos libertaram, viver escravos nela, e senhores os tais meliantes que nada fizeram, senão forragear quanto puderam enquanto os mais se batiam — a esses não quero nem quis nunca, por maiores que eles sejam, ou tais se tenham, oferecer coisa minha... e mais, outro galo me cantara se o fizera.

Por isso dedico esta obra ao meu comandante: a minha pena é que ela não seja tal que eternize seu nome, e fique recordando a sua desprendada honra e modesta lealdade a todas as gerações hão de vir, para perpétuo labéu destes espertalhões que nos comeram a isca, etc....

Egarrettu já não sou tropa viva — nem morta sequer tenho aqui umas couves-galegas que vou depenando para o caldo de todos os dias com que Deus ainda acode à gente. Em a décima mo levando... a décima e o quinto, e o subsídio literário (ó meu comandante, subsídio literário para esta gente que aborrece persegue as letras!) e a Câmara Municipal, e o  administrador do concelho, e os enjeitados, e a côngrua grua do pároco, e o cruzado para as estradas…Paciência, morrerei aqui a um canto, mas não lhes hei de pedir nada a eles: hei de seguir o no exemplo do meu comandante.

Digo eu que já não sou tropa nem nada. E não  sou: vivo aqui nesta aldeia do nosso Minho V. S.a sabe, e é milagre quando por cá aparece periódico. Mas ouço dizer ao barbeiro da te homem curioso de novidades e que as rapa e escanhoa muito melhor — novidades e barbas — do que o barbeiro dos Pobres do Porto, ouço-lhe contar que esta paisanada que tudo lo manda iá por Lisboa, diz é que salvou a Carta, e que eles é que são defensores da Carta, e que a Carta para aqui e a Carta para ali... Ainda bem que eu lá não estou para tal ouvir, meu comandante, que me devia perder decerto...

Leva rumor, e à primeira forma! Assim, que aqui está o livro, meu comandante. Escrevi-o es­tando às ordens de V. Sª que tantas vezes me dispensou do serviço da peça e do fuzil para me deixar rabiscar com a pena. Dizia V. Sª que não era menos útil o serviço que eu fazia... Creio que se enganou por bondade sua. Os que nem deste nem de outros serviços nunca fizeram com os seus narizes, ou se pagaram logo deles por suas mãos, aí andam fartos e honrados... e eu como as minhas berças.

Pois o livro, não o oferecia a nenhum conde, nem duque, nem secretário de Estado... Eu, sim!

Muito mais alto que isso me quiseram fazer pendurar | ama dedicatória... E eu, nada: meia volta à direita, e marcha para o caldo de unto da santa independência.

Ofereço-lhe, meu comandante, porque sou

De V. S.a

Camarada e amigo,

Um fraco mas fiel soldado da pátria

O  Número 72

Tomara eu que todos os nossos militares que serviram as ARMAS PORTUGUESAS,  em qualquer parte do território, guardassem igual memória e respeito pelos seus COMANDANTES. E a humildade deste nosso grande escritor e político se apresentqar a «fazer continência» e a lembrar que se mantinha o «fraco, mas fiel soldado da pátria» com o «NUMERO 72».

Sim, senhores. Isto era de HOMENS!

NOTA MINHA;  in «Arco de Sant’Ana», de Almeida Garrett,  Lv .Simões Lopes, Porto, 1948,  pp.  15-17

 

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.