PROFESSOR É PROFESSOR
Dois dias depois de eu ter feito 81 anos de idade, caiu-me na minha caixa do correio eletrónico um texto remetido por um SENHOR que tive a honra e o orgulho de ter como PROFESSOR de LATIM, de PORTUGUÊS GRAMATICAL e de LITERATURA PORTUGUESA. Vivo, e de boa saúde, dá pelo nome de FRANCISCO CRISTÓVÃO RICARDO e não tenho o desplante de lhe perguntar a sua idade.
Com ele apendi a radiografar a arte e os pensamentos que os escritores e poetas prantam em letra redonda, pondo o leitor a viajar no tempo e a despertar nele ideias e emoções bastantes que o levem a reconhecer-se um ser humano de vida efémera.
Não raro os poetas e escritores recorrem à imagem do rio para, em torno dele ou ao longo dele, deixarem que as suas ideias fluam tal qual as águas que deslizam no seus leitos. Ora façam o favor de ler, ver e ouvir, como este meu PROFESSOR, faz deslizar as suas ideias água abaixo, a caminho da foz, tal qual pensou e escreveu:
«PAIXÕES
«Há muitos anos atrás, tantos que a memória dos tempos não consegue decifrar, na margem esquerda do rio, vivia num casebre de madeira e colmo, um jovem com voz de tenor, voz forte e determinada, esse jovem chamava-se Fred, que dizes quando cantas, “que as aves, assustadas, refugiam-se nas árvores distantes, que a água salta de pedra em pedra, até desaguarem, tumultuosamente, no rio.”
Na margem direita do rio, abre-se uma janela e aparece Mary que parece responder na sua voz de soprano, muito aguda e intimista, ao tenor da margem esquerda do rio, que dizes quando cantas, “que as aves povoam os telhados da minha casa e as águas saltam de pedra em pedra e vão desaguar, serenamente, no rio”.
Os pais de Mary, receando que a filha se apaixonasse por Fred, um pobre diabo que só queria a riqueza dela, fecharam a casa e foram viver para uma casa que tinham perto da Serra da Estrela, mas Mary, com saudades da voz do tenor Fred, andava triste, sem vontade de comer, emagrecia, parecia que ia adoecer.
Temendo que Mary, eventualmente, morresse, voltaram para a casa da margem direita do rio. Que dizes quando cantas, “que as aves voltaram para o telhado da casa e que as águas saltam de pedra em pedra até desaguarem, suavemente, no rio”.
Sem esperança de se tocarem e de se verem, realmente, que a distância e a neblina dos dias deformavam as feições, será bela, terá faces ligeiramente róseas, baton nos lábios, será belo, terá barba preta levemente apurada, como era hábito no seu tempo de homem adulto, não sabiam e este não saber lançaram os dois numa grande tristura, que será os dias e os anos que virão, não sabiam. Que será do futuro da paixão que os uniam? Era natural que casassem, mas não sabiam como nem quando, visto que os separava as margens do o rio, cujas correntes eram, por vezes fortes e perigosas.
Passaram muitos e muitos anos, os cabelos dos dois apaixonados foram, sem se aperceberem, embranquecendo e as faces encheram-se, sem sentirem, de rugas fundas. O sentimento de paixão, que se julgava eterno, foi definhando e, naturalmente, sem que fosse sentido, era efémero e acabou por ser esquecido.
fcr, Junho,2020
Nota do aluno: nós e o rio, o rio da vida…com protesto ou sem protesto…