PANDEMIA (9)
Em “setenta” fiz uma ode à CIÊNCIA. E neste tempo de clausura (século XXI) que ninguém aguenta em consciência por ser anti natura, num só instante volto ao passado distante para cantá-la novamente.
Eu era ainda estudante e glorificava a fulgurante viagem à Lua e o conhecimento do universo. E digo, então, em prosa e verso, numa linguagem crua:
“O mundo não é mais a terra dos Hebreus
A Europa, a África, a América, a Ásia,
A Oceânia, a Antártida.
A Terra torna-se Lua e a noite torna-se dia.
O bobo não acredita
Mas a bola que à volta do Sol gravita
É só um pontinho igual
A tantos outros dispersos
Na gramática sideral.
Gramática sem a qual,
Enfim,
O livro do Universo
Por vasto que seja o saber
Jamais se poderá ler
Mesmo sabendo grego e latim”.
Assim, eu glorificava a ciência e a inteligência humanas metidas nas sondas e foguetões a caminho do desconhecido, cientes que longe ou perto estava um livro aberto à espera de ser lido.
Ainda não havia nascido a minha sobrinha Elda Maria que médica a ser viria em terras de Sua Majestade, a Rainha da Inglaterra, no tempo de um coroado vírus malfadado estabelecer o seu reino, o seu império no planeta Terra.
E ela, a minha sobrinha, médica de profissão, nas terras da rainha, depois de ter sido em Portugal, faz o que pode e sabe contra o mal que virou pandemia. Ela, aquela menina, que em pequenina acariciei ao colo, cresceu e hoje com os seus pares (tantos!) nos fatos de astronautas (esses heróis dos meus encantos) combatem o valentão pequenino que, sentado a mesa lauta, trinca e tranca velho e menino, indiferente aos lutos e prantos.
Por agora a ciência “anda à nora”. E ele, o traste, na humanidade faz desbaste, rente, sem remédio que o mate. E nesta sua avidez, sem fronteiras nem meta, ferra a sua dentadura e se empanturra no planeta inteiro, fugindo inteligentemente à CIÊNCIA que eu lampeiro canto.
Entretanto (o meu perdão. Nesta sua matança ele tem um lado simpático, a meu ver. Indiferente ao luto e à dor, sem olhar ao estatuto social do poluidor, ele comeu a poluição, limpou a atmosfera, pôs fim ao consumismo exacerbado, colocou o dedo na ferida do ser pensante, na valentia e no medo, na forma desregrada de estar de governantes e governados. E deu descanso aos sensores dos sismógrafos dispersos pelo mundo. Os gráficos de “sobe e desce” de “vai e vem” nervosos e crispados a tremer como corda de guitarra, a anunciar tremores de terra, são a marca de uma nova ERA, uma linha reta sem sinais da algazarra e da farra que o mundo era. Enfim, acordou a governança. E por todos os lados, na sua andança, desautorizou o poder dos políticos, dos chefes religiosos, dos milagreiros e dos seus mensageiros. Travou romarias e romeiros e, sem lérias, pôs aos aviões em terra, acabou com férias e viagens a feiras importadoras do bom e do mau. Deixou as estradas vazias. Reformulou indústrias. Pôs produtos novos no mercado. Espevitou o faro dos virologistas em busca de uma vacina. Em tudo fez tábua rasa, fechou toda a gente em casa, dia após dia. Parou o mundo, acabou com a rebaldaria do consumo desenfreado, lixo por todo o lado, pôs termo ao hábito do «usa e deita fora». Enfim deu início a uma NOVA ERA. E negá-lo não pode quem viu, viveu e lide com tudo isto. Cá para mim, digo, o marco cronológico de Antes de Cristo (A.C.) deixou de ter sentido. E igual valor as iniciais A.D. (Ano Domini, Ano do Senhor). Agora, cronologicamente, será A.C. e D.C v.g. COVID-19, somente.
Glutão, o pimpão, coroa de rei, procura os manjares nos lares cheios de gerontes, daqueles que por aldeias, vilas, cidades e montes consumiram a mocidade e neles buscam o fim da vida com alguma dignidade. Pois. Só que:
“Ali fechadas, onde o instinto da liberdade inscrito no código genético de todo o ser vivente, acicatado pelos anos, quantas vezes assume foros de revolta, pois em cada residente, curvado, derreado pelos invernos e tratos, existe o selvagem "homo eretus" das florestas. Existe o "homo sapiens" pronto a escapar-se na primeira oportunidade e a retomar a primitiva liberdade perdida. Só que, à vista destes sinais, detetadas tais intenções pelo caçador ou pelo cabo de ordens de serviço, as portas do covil são fechadas a sete chaves e, não haja ilusões, os soporíferos são misericordiosamente diluídos nas refeições. Depois a colmeia fica em paz. Não se ouve um zumbido de abelha. As abelhas em zombies se tornam e deambulam pelos espaços livres, pelos favos abertos, olhares vagos, vítreos, perdidos em alvos incertos. Seres sonâmbulos não conhecem ninguém, nem por alguém são conhecidas. Depois, para sossego e conforto dos demais residentes, se necessário for, as presas rebeldes são postas em cadeirões e sofás, onde, sentadas, num estado dormente por força dos fármacos, a cabecear no vazio, "sim, senhor...sim, senhor...sim, senhor"... gozam o único movimento que lhes resta dos lestos gestos do ancestral "homo habilis". É isso. Estes prisioneiros, frutos que são do avançado estádIo civilizacional da humanidade, nenhum deles se dá conta do tempo e do espaço em que adormece para sempre. Um número que se risca da estatística dos vivos. Uma vaga em aberto. É o viver e o morrer na civilizada comunidade urbana do século XXI, rodeada, não por lobos, mas por profissionais domesticados à feição da sociedade criada. Enfim, um aspeto apenas do preço das políticas levadas a cabo, ao longo da história, pelo "homo demens", pelo "homo degradandis". O responsável pela existência dos pequenos, médios e grandes aglomerados populacionais, onde a caça é outra. O cidadão que legisla sobre a organização e administração do território, inclusive venatório, sem distinguir um gaio de uma poupa. O "homo urbanus" que, literato ou não, considera o "homo rusticus" provinciano e primitivo só porque este, a viva voz ou em letra redonda (em vídeo, revistas, jornais, livros e Facebook) alardeia o seu apego à natureza e defende uma relação equilibrada e sadia entre TERRA GENTE e ANIMAIS”.
Esperem, que há mais. Para não haver enganos, saibam todos que o texto acima, em itálico, foi escrito e publicado há cinco anos, em livro. Nessa altura, se poucos humanos o leram, não passou despercebido ao CORONA que, fazendo pela sua vida, lampejou em cada casa de recolhimento, hospital, Lar e mais sítios de ajuntamentos, manjar sobejo, servindo-se das visitas, do carinho, do abraço e do beijo.
Noite e dia, faz neles uma razia, sem clemência. Por isso eu canto agora a MEDICINA CIÊNCIA e a reverência ao pelotão da ‘linha da frente” e da «retaguarda». Filho, pai e mãe, toda a gente que nos laboratórios, hospitais ou em casa, a cada instante, onde quer que seja, em prol do semelhante enfrenta e combate os mistérios ocultados pelo imperador que, na sua tenda, muito sociável (gosta muito de ajuntamentos), insaciável por matança, mais e mais almeja.
Mas, eu ciente estou de que ele vai perder. Pode entretanto comer muita gente, a mim incluído. Mas, antes de eu ter ido aqui deixo já uma certeza: não há impérios eternos, nem eternos mistérios. Nem coisa diversa é eu dizer que no viver e no morrer nunca gostei de impérios, nem de mistérios. E que a relação do Homem-natureza nem sempre foi uma relação de amor. Se, por ora, o imperador e a sua escolta levam a melhor, a CIÊNCIA dá-lhe a volta não tarda e “vice-versa”.
Mais nada. Mas apesar do luto e da dor que deu, eu anseio que tenha valido a lição dada à humanidade por este imperador, coroado, mau e feio, mesmo que democrata. Inteligente, pequenino, malfazejo, assassino de tanta gente, graúda e miúda, segundo ouço e vejo, vale-se de não ser visto a olho nu. Pois se fosse, eu, com as palavras em fio, mandava-o levar no cu, antes dele me tirar o pio.
Abílio/12/04/2020