PANDEMIA
ESPIGOS DA MINHA HORTA
Numa das minhas crónicas anteriores, acerca do imprevisto tempo histórico que atravessamos, este mundo industrial, comercial e rodoviário parados, nós em casa enclausurados, usei a expressão “RESPIGOS DA MINHA SEARA”. E nesta, alternei, como se vê, para “ESPIGOS DA MINHA HORTA”.
Na crónica anterior - ODE À CIÉNCIA - PANDEMIA (9)” sempre conectado com a calamidade presente, aludi e transcrevi parte de um texto que publiquei, em livro, em 2014, sobre os LARES DE IDOSOS, excerto que, pertinentemente, aqui reponho, dado o número elevado de infetados e mortos ocorrido naqueles espaços. Assim:
«Estes prisioneiros, frutos que são do avançado estádIo civilizacional da humanidade, nenhum deles se dá conta do tempo e do espaço em que adormece para sempre. Um número que se risca da estatística dos vivos. Uma vaga em aberto. É o viver e o morrer na civilizada comunidade urbana do século XXI (...) um aspeto apenas do preço das políticas levadas a cabo, ao longo da história, pelo "homo demens", pelo "homo degradandis". O responsável pela existência dos pequenos, médios e grandes aglomerados populacionais, onde a caça é outra. O cidadão que legisla sobre a organização e administração do território, inclusive venatório, sem distinguir um gaio de uma poupa. O "homo urbanus" que, literato ou não, considera o "homo rusticus" provinciano e primitivo só porque este, a viva voz ou em letra redonda (em vídeo, revistas, jornais, livros e Facebook) alardeia o seu apego à NATUREZA e defende uma relação equilibrada e sadia entre TERRA, GENTE e ANIMAIS».
Pois. Usando esta linguagem e conhecendo os nossos equipamentos de assistência social, espalhados pelo país, cidades e aldeias, melhor se poderá entender o meu apego às expressões postas mais acima, v.g. “RESPIGOS DA MINHA SEARA” e “ESPIGOS DA MINHA HORTA”.
Sou um aldeão e falo a linguagem do povo, cujos adágios me serviram e servem de muleta segura para sustentar o que tenho argumentado acerca desta PANDEMIA, dita COVID-19, uma guerra aberta com o HOMEM através de um combatente matreiro que dá pelo nome de CORONAVIRUS, disposto a conquistar o planeta inteiro e a alterar rotundamente o “modus vivendi” da população que o habita e também o «modus faciendi» na relação e ralação do homem com a Natureza, ultimamente muito questionada por organizações e pessoas informadas, relativamente ao aquecimento global e alterações climáticas.
Lembram-se de eu ter usado os adágios “há males que vêm por bem” e “para grandes males grandes remédios” e ainda “anda tudo à nora” quando não se encontra solução para uma dificuldade?
Três ditos populares que, para sabê-los e aplicá-los na sua rotina de vida, o povo não precisou de ir a Coimbra, cidade que, por ter UNIVERSIDADE, levava muitas vezes o camponês analfabeto a ironizar com o interlocutor armado em esperto: “olha cá, para saber isso não é preciso ir a Coimbra”.
Sim. Muletas extraídas da sapiência popular a darem corpo e suporte aos apontamentos que tenho vindo a escrever com o título “MUNDO DOENTE” (já vou no DÉCIMO) e também os textos que os meus filhos, em 1988, a residirem na aldeia, fizeram alertando para os males da POLUIÇÃO. Lembram-se?
Falei de uma guerra aberta entre o HOMEM e a NATUREZA, na qual o CORONAVÍRUS (escapulido ou não de laboratório científico, hipótese que não descarto) estava a levar a melhor perante a incapacidade da CIÊNCIA lhe fazer frente. Ele, por ora, era rei, imperador e o seu domínio territorial era o PLANETA inteiro e os seus habitantes.
Lembrei nomes históricos de outros conquistadores e imperadores humanos, também eles ávidos de poderem dominar novos territórios e a submeter os povos conquistados. Falei da corrupção e do filósofo Diógenes que, desiludido com as instituições do seu tempo deixou a cidade, foi entocar-se num barril (vida simples, deitou fora a escudela por considerá-la um bem supérfluo) ) donde só saía, naturalmente, para fazer as necessidades físicas e deslocar-se a qualquer “ágora” urbana para, satisfazer as necessidades intelectuais. Ali zurzia contra tudo aquilo. Falei na sua conhecida provocação de se deslocar à cidade de Atenas, em pleno dia, de lanterna acesa na mão, “à procura de um homem honesto”.
Falei das desproporcionadas verbas investidas na CIÊNCIA e no FUTEBOL, aludindo aos vencimentos dos cientistas e bolseiros comparados com os dos jogadores. E face ao meu desconforto perante essa realidade, aludi, atrevida e incomodamente, ao lado simpático do VIRUS, dizendo:
“Indiferente ao luto e à dor, sem olhar ao estatuto social do poluidor, ele comeu a poluição, limpou a atmosfera, pôs fim ao consumismo exacerbado, colocou o dedo na ferida do ser pensante, na valentia e no medo, na forma desregrada de estar de governantes e governados. E deu descanso aos sensores dos sismógrafos dispersos pelo mundo. Os gráficos de “sobe e desce” de “vai e vem” nervosos e crispados a tremer como corda de guitarra, a anunciar tremores de terra, são a marca de uma nova ERA, uma linha reta sem sinais da algazarra e da farra que o mundo era. Enfim, acordou a governança. E por todos os lados, na sua andança, desautorizou o poder dos políticos, dos chefes religiosos, dos milagreiros e dos seus mensageiros. Travou romarias e romeiros e, sem lérias, pôs os aviões em terra, acabou com férias e viagens a feiras importadoras do bom e do mau. Deixou as estradas vazias. Reformulou indústrias. Pôs produtos novos no mercado. Espevitou o faro dos virologistas em busca de uma vacina. Em tudo fez tábua rasa, fechou toda a gente em casa, dia após dia. Parou o mundo, acabou com a rebaldaria do consumo desenfreado, lixo por todo o lado, pôs termo ao hábito do «usa e deita fora». Enfim, deu início a uma NOVA ERA. E negá-lo não pode quem viu, viveu e lide com tudo isto. Cá para mim, digo, o marco cronológico de Antes de Cristo (A.C.) deixou de ter sentido. E igual valor as iniciais A.D. (Ano Domini, Ano do Senhor). Agora, cronologicamente, será A.C. e D.C v.g. COVID-19, somente.
E já antes havia dito que ele ensinou às jovens gerações “o que professores e pais não conseguiram, falando e transmitindo saberes de experiência feitos. Professores? Pancada neles. Pais? Ouvidos moucos”.
Digamos que escrevi e publiquei verdades incómodas. Tantas quantas esse “bichinho microscópico” causou a todos nós, ciente, embora, de que se, por ora, ele e a sua escolta levam a melhor, a CIÊNCIA dar-lhe-á a volta. E deixei expresso um desejo: que, depois de tudo isto, jamais visto em tempos modernos, tenha valido a LIÇÃO dada à HUMANIDADE por este imperador, coroado, mau e feio, ainda que democrata, pois ataca o pobre e o rico. Para já, nada o mata. Inteligente, pequenino, malfazejo, assassino de tanta gente, perentoriamente proibiu o abraço, a carícia e o beijo. Atingiu a essência humana, este nato gosto nosso de convívio, de olhar e de tato.
Pois foi. E então não é que, depois de ter feito esta abordagem à PANDEMIA, com estas ideias e conteúdos, me caiu na caixa do correio um comovente VÍDEO (com letra maiúscula), organizado por DANILO CALABRESE (alojado no Youtube em 22-03-2020) denominado “CARTA DO COVID-19, MENSAGEM À HUMANIDADE” que eu, usando a mesma via e versão chegada (em português) imediatamente partilhei com alguns amigos meus, indo depois buscar a versão original (em língua italiana) para anexar o link no rodapé deste apontamento, ilustrado com alguns fotogramas legendados na nossa língua? Pois foi.
E, coisa curiosa. Este senhor, um estudante a quem eu tiro o chapéu e presto vénia, à semelhança das minhas crónicas “MUNDO DOENTE” (algumas delas escritas antes do alojamento do seu vídeo e outras depois) foi, naturalmente incómodo para alguns desses meus amigos. O silêncio que em torno dele fizeram foi altamente ELOQUENTE. Poucos foram os que se mostraram agradados com este bem elaborado, fundamentado, talentoso e comovente trabalho. Excelente pelos conteúdos que apresenta e pela impressiva e assertiva narração. Exatamente as duas coisas que mereceram a minha consideração. Isso e, sobretudo, a coincidência das abordagens feitas, a minha e a dele, sobre o CORONAVÍRUS, sem nos conhecermos, nem trocarmos impressões. Ele, um jovem estudante e eu um velho professor, ambos a refletir e a pensar o mesmo, neste tempo de clausura. Ele na Itália e eu em Portugal. Digamos assim:
PRIMEIRO: com o mesmo olhar e o mesmo FIO DE PENSAMENTO, rodeados pelo mesmo conteúdo, ou similar, eu, serrano, nas minhas crónicas, fiz um tecido grosseiro, áspero e rude, aquele de que se vestia o lavrador de antanho - o burel - para se proteger do frio e da chuva, na sua relação estreita com a Natureza. Vida simples.
SEGUNDO: Danilo Calabrese, citadino, usando o mesmo FIO DE PENSAMENTO e o conteúdo que o rodeava, fazendo uso disso tudo, olhou para uma sociedade inchada de superficialidades, coisas fúteis e supérfluas, egoísmo, inveja, futebol e quejandos e, com tecnologia mais sofisticada, teceu uma peça, de marca italiana, destinada a alta costura. Depois pôs no mundo um fato ARMANI que causou, claramente, desconforto a muitas e muitos “armanis” já que, fazendo do VIRUS o narrador da ação, este sem hesitações, nem reticências, disse ao que vinha v.g. alterar rotundamente o “modus vivendi” e o “modus faciendi” social, industrial e comercial vigentes. Uma nova relação do homem com a natureza. Enfim, veio para abrir os OLHOS ao mundo, a governantes e governados. E não é inocentemente que a narrativa abre com aquele OLHO VIGILANTE, chamando a si os diversos significados que incorpora na simbólica, na histórica, na arte, na religião e política.
Não vou lembrar o “OLHO DE HORUS”, o “OLHO DA PROVIDÊNCIA” o “OLHO DO ARQUITETO DO UNIVERSO.
Vou torná-lo mais local, mais nosso, menos universal e nada providencial. Mais serrano. Vou destacar uma das centenas de SIGLAS existentes nas paredes da IGREJA DA ERMIDA DO PAIVA (do século XII), em forma OLHO, referidas no meu livro «MOSTEIRO DA ERMIDA» (versão resumida disponível online, em formato PDF, por iniciativa da ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE HISTORIADORES ARTE, endereço GOOGLE: “Ermida do Paiva, APHA...”) aquelas que, simulando eu ser um guia turístico, me dirigi ao leitor, e acicatando a sua curiosidade lhe disse: “ali está o olho. Fixe nele o seu olhar e interrogue-se: quem olha quem?” (pp.155), seguro de que há «tanta gente que olha e não vê»
E como Danilo Calabrese começa o vídeo com um OLHO VIGILANTE, eu termino este apontamento com uma foto dupla dessa SIGLA. A primeira mostrando o ORIGINAL no centro, e a segunda com destaque a vermelho, no centro.
Ora façam o favor de «olhar e ver».