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terça, 10 dezembro 2019 15:32

CANÁBIS NA RTP

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«PRÓS & CONTRAS»

Ontem, dia 09-12-2019, no programa “PRÓS E CONTRAS” da RTP, debateu-se a questão da legislação (para uso ou não) da CANÁBIS, visando “fins recreativos”. Essa discussão fez-me retornar a Moçambique, aos meus tempos de trabalhador-estudante e a meter-me na investigação que fiz, na Faculdade de Letras da Universidade de Lourenço Marques (hoje Maputo) a propósito dessa e de outras plantas Iimigrantes. Esse meu trabalho, dactilografado, deve andar perdido, por aí, numa das estantes da minha biblioteca.

IGIESTA - Cópiancidiu a minha pesquisa sobre a sofisticada deslocação e mobilidade de muitas plantas no mundo, o seu habitat de origem e a sua “inteligente” deslocação para efeitos de disseminação e reprodução até longas distâncias.

Devo dizer que a escolha do tema partiu dos meus conhecimentos empíricos pré-universitários, adquiridos, vejam só, na minha condição de camponês atento à natureza, ao mundo que me rodeava enquanto guardava o gado por tapadas e lameiros, sitos nas redondezas de Cujó, minha terra natal.

Eu explico.

Pequeno ainda, estendido num lameiro orlado de giestas, à sombra das quais descansava, ouvia, de quando em vez e com alguma frequência, estalidos provenientes da ramagem desses arbustos. E ato contínuo as sementes dispersavam-se em redor, tipo saraivada, disparadas que nem balas saídas de qualquer arma oculta. Eram as vagens que, rugosas no exterior, abrindo-se repentinamente pela costura, ficavam aberta a mostrar a sua alma lisa, qual ventre materno que, de um só parto, pôs no mundo uma ninhado de filhos. Eles que se governassem. Assim mandava a natureza.

IMG 5226 - CópiaCoisa semelhante verifiquei nas pinhas dos pinheiros. Lá no alto, IMG 5227 - Cópianascidas e criadas nas franças das árvores, depois de suficientemente maduras, abriam com estoiro e os pinhões, fazendo uso da membrana (asa) a que estavam colados, desciam em voo espiraladol (em parafuso) até encontrarem o solo, indo poisar mais ou menos perto da árvore-mãe conforme o vento ou a aragem do momento.

Sabedor disto, camponês que era, quando o professor António Rita-Ferreira deu aos seus alunos um tema a escolher para investigação anual, que incluía “A MISTERIOSA DESLOCAÇÃO DAS PLANTAS” eu não quis outro. Abracei, de imediato, aquele, pois nele eu já era catedrático, em algumas espécies, mesmo antes de pôr os pés na universidade.

Convém dizer que na Universidade de Lourenço Marques havia professores que tinham por método avaliar os seus alunos não só pelos testes das “frequências”, como vulgarmente faziam outros professores (nos liceus e universidades), mas também por trabalhos anuais de investigação sobre temas pouco conhecidos que merecessem estudo e divulgação.

Um desses professores foi ANTÓNIO RITA-FEREIRA. Já a ele me referi neste meu site, em 2015, quando soube do seu falecimento. Deixei, nesse apontamento,  o seu curriculum vitae, para o qual remeto os leitores interessados. Basta entrarem no portal do "ARQUIVO CIENTÍFICO TROPICAL (DIGITAL REPOSITORY)".

Estiveram presentes neste programa da RTP especialistas em “canabinoides”, digamos que os “sábios” portugueses da matéria em apreço. E, face a tanta ciência, isso me remeteu, imediatamente, para a sabedoria da natureza e a lembrar-me de que algumas sementes, comidas que são pelas aves ou herbívoros, com vista à sua disseminação, viajam pelo ar ou pelo chão, agarrando-se à terra, depois da resistente e atribulada viagem intestinal de cada portador. Outras sementes, como as do carrapicho, por exemplo, são dotadas de “inteligência” bastante que as leva a prender-se ao pelo dos animais passantes dispostas a agarrarem-se ao solo na primeira oportunidade. Basta caírem durante a deslocação do animal que as transporta, ou quando ele se esponja no chão como é de sua natureza. Outras, como o algodão, metidas na bola branca protetora e leve, voa até onde o vento as leva e caídas no solo, desde que favorável, é “um ver se te avias” a reproduzir-se.

COCOMas de todas elas, a que mais me impressionou nesta aventura natural, foi o coco. Oriundo da Indonésia (foi até onde me levou, então, a minha investigação e leituras) parece ter sido o primeiro explorador dos mares. O navegador de longas distâncias, muito antes da história se referir aos Vikings, aos Fenícios, aos Portugueses e outros navegantes que ligaram mares e continentes.

Esse meu estudo sobre as plantas fez esfumar da minha cabeça conceitos que atribuíam a exclusividade da “inteligência” ao ser humano. Animais e plantas? Não senhor. Os seus procedimentos de reprodução, sejam quais forem as vias utilizadas, nada tem de inteligência. São comportamentos naturais e nada mais do que isso. Ponto final.

Pois. Vencido, mas não convencido, volto ao coco. Muito antes dos homens inventarem a armadura e malha de aço para enfrentarem o adversário, antes de darem ao fole para forjarem essa vestimenta resistente a lanças e flechas, já o coco, na sua sapiência natural se resguardava no interior de um couraçado de fibras disposto a enfrentar ventos e marés, onda vai, onda vem, até perder a vestimenta completa e nu, ou com pouca roupa, fincar o pé na praia mais longínqua, inesperada e desconhecida.canabis-2

Quando tomei conhecimento de tal odisseia, do vigor, da resistência e da disseminação do COCO por tudo quanto é costa de continente, ilhas e suas praias, passei a apreciar o líquido que ele transporta dentro de si de outra maneira. Com outro paladar. Cada gota era uma aventura e uma descoberta. Cada fruto um pioneiro dos mares. Um colonizador de continentes e ilhas. O senhor do mundo ribeirinho.

Posto o que, navegante e colonizador que foi ao longo do tempo, o homem mais não fez do que imitá-lo. Navegante e colonizador foi também. Com todos os “PRÓS E CONTRAS”. E porque foi num programa assim designado que se debateu a CANÁBIS, essa planta, para além da sua disseminação natural, encontrou no homem colonizador, conhecedor de outras terras, gentes e culturas, uma boa forma de disseminar.

CANÁBIS-1Em Portugal, apesar de esta planta já ser consumida antes, foi a partir do final de 1975, na sequência da descolonização, e retorno de cerca de 500.000 residentes nas ex-colónias, que a cannabis, a bem dizer, adquiriu a carta de alforria europeia. Basta entrar no portal “iasaude.pt” para se ficar ciente disso e ler;

A praça lisboeta do Rossio, lugar de concentração inicial dos retornados, que onde se iniciou o “comércio regular” de cannabis.

- O consumo deixou de ser exclusivo das classes privilegiadas e alastrou-se aos estudantes em geral e trabalhadores, passando da grande metrópole para as zonas mais interiores, consoante os “retornados” iam-se fixando no interior.

E lido isto, eu que, ao contrário de outras pessoas célebres, nunca consumi nem plantei, começo a dar mais valor ao quintal que possuo nas traseiras da minha moradia. Quem sabe, talvez um dia, em vez de “mastruços” e outras gramíneas sem proveito, com todos os «PRÓS E CONTRAS», trazidos com a idade, eu veja ali uma plantação de canábis e me encante não só a ver aquelas folhas serrilhadas e verdes, mas quem sabe, a saboreá-las como “analgésico, anódino, antiemético, antiespasmódico, calmante do sistema nervoso, embriagador, estomático, narcótico, sedativo, tônico”.

Isto se, entretanto, na bater a bota, ou a natureza se antecipe e sobreponha a sua sabedoria à inteligência humana,  como o vai demonstrando, reagindo negativamente ao «aquecimento global».

 

 

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.