É que, ao tempo, ser depositário de uma caixa de correio, não era para qualquer um. João Duarte Pereira, era um cidadão com vida pública conhecida e de letra cursiva deixada em documentos por si assinados, ou mesmo redigidos. No ano de 1888 era ele o Presidente da Junta da Freguesia de S. Joaninho (que integrava a aldeia de Cujó) e, nessa função, deu o seu aval à «suplicação» feita por vários moradores da freguesia que protestavam, junto da Câmara Municipal, contra os moradores das Monteiras que estavam a apoderar-se, indevidamente, dos terrenos baldios comuns às duas freguesias, isto é, baldios municipais. Publiquei tudo há bastantes anos. Para saber é preciso ler.
Mas, para além disso, não foram poucos os anos que este cidadão integrou o «Tribunal de Júri», de Castro Daire, instituição que, no quadro da Justiça Portuguesa, remonta ao ano 1826. Segundo a legislação constitucional em vigor, esse TRIBUNAL era composto por juízes e jurados, cujas competências se estendiam a casos civis e criminais. Finda a Monarquia e implantada a República, a «Constituição de 1911» assinala a intervenção do Júri como facultativa em matéria civil e comercial, sendo, porém, obrigatória nos casos criminais «quando ao crime caiba pena mais grave do que a prisão correcional e quando os delitos forem de origem ou de caráter político». Com a «Constituição Política da República Portuguesa de 1933», que vigorou até ao 25 de Abril de 1974, o «Tribunal do Júri» desapareceu do articulado legal, vindo a constituir-se recentemente, de forma esporádica, quando requerido por uma das partes.
Foi num Tribunal destes que João Duarte Pereira foi «jurado», o cidadão que viria a ter por netos, entre outros, Marcelino Duarte Pereira e Amadeu Duarte Pereira, os dois primos que estou a abraçar na foto que ilustra esta crónica. Ambos amantes da HISTÓRIA, oferecem me dizer sobre cada um deles o seguinte:
a) MARCELINO: deve-se à sua persistência e teimosia junto das instituições políticas locais (Junta de Freguesia e Câmara Municipal) o MONUMENTO alusivo ao «povo trabalhador, honesto e laborioso de Cujó», aquele obelisco levantado à entrada da povoação, no lado esquerdo, para quem entra pelo lado de S. Joaninho. Quem duvidar disso, deve ver o vídeo que fiz sobre o evento, alojado no Youtube, em 06-09-2011, e ter presente as palavras proferidas na oportunidade pela, então, Presidente da Câmara, Eulália Teixeira e Presidente da Junta, António Silva.
d) AMADEU: deve-se-lhe este meu apontamento histórico. Ele, com a ideia encasquetada na cabeça de fazer a «ÁRVORE GENEALÓGICA DA FAMÍLIA» não hesitou em arcar com as despesas e as maçadas que resultam em meter o nariz nos arquivos da Paróquia de S. Joaninho, da Paróquia de S. Cristóvão, no Rio de Janeiro, no Arquivo Distrital de Viseu e também no Posto de Registo Civil das Monteiras. Disposto que estava em descobrir, não apenas os passos do seu avô João Duarte Pereira, homem de política, de justiça e de letra cursiva e da caixa do correio, mas sim e também aclarar as origens, o nascimento e a vida da avó Florinda, mulher analfabeta, de origens obscuras e de apelidos alternantes nos seus documentos de identificação: ora «Correia», ora «Amélia de Carvalho».
Feito isso, seguro de que o seu registo de nascimento não estaria em qualquer nobiliário do Reino, (já que se tratava de gente humilde) depois de ultrapassar todas essas montanhas burocráticas, munido de documentação bastante, deu-se ao trabalho de digitá-la e a entregar-ma de mão beijada numa PEN, atirando para os meus ombros a carga de a coordenar, reformular, interpretar e divulgar da melhor forma que entendesse. É o que estou fazer, com pena minha de constatar tardiamente que, pelo trabalho que ele realizou, não o ter como parceiro de investigação há mais tempo, pois, pelo exemplo, provado fica que faríamos uma boa parceria, instituição hoje tanto em moda, sobretudo ligadas à política e à economia.
Face a tudo isso, bem poderei dizer: ele pelo trabalho feito e sensibilidade revelada para navegar no fio do tempo, acompanhado pelos restantes membros da família, não deslustra o nome dos seus antepassados, nomeadamente do seu avó João Duarte Pereira que, em Cujó, fez o que pôde no desenvolvimento das comunicações, da política e da justiça.
A minha investigação histórica, leva-me hoje a colocar a hipótese de ter sido ele, com experiência que teve como «jurado» no «TRIBUNAL DE JÚRI» de Castro Daire, o responsável pela «costumeira» que reveste a forma de TRIBUNAL na cerimónia da «ENTRADA AOS SERÕES» a que eram submetidos os mancebos da aldeia, tal como deixei escrito no meu livro «Cujó, uma terra da Riba-Paiva», editado em 1993, e recentemente «representada» na EIRA DA FRAGA por um conjunto de jovens que resolveu dar a conhecer aos mais novos os costumes antigos.
Foram, pois, as pesquisas do meu primo Amadeu Duarte Pereira que me levaram a entrar, mais uma vez, no comboio da HISTÓRIA de Cujó e a fazer a viagem de que deixo aqui cópia do primeiro BILHETE, manuscritoe respetivos dizeres, v.g. documento identificador de quem, no comboio da História, viaja comodamente na carruagem plebeia, ciente de que a nobreza não está no sangue, mas na verdade, na dignidade e na honra que herdeou dos seus antepassados e que o acompanham dentro da humilde bagagem que transporta em vida:
«Ilustríssima Senhora Rodeira
Esta criança nasceu no dia 27 deste mês de Outubro. Pedeçe que se chame Felorinda. Os padrinhos que sejam os seguintes:
Padrinho, Sr. José Correia, caixeiro do galego assistente na Praça da Ansa e a Senhora Emília de Jesus, Rossio de Baixo, moradora na casa do Sr. João Ferrador, defronte do Sr. João Jorge. Pedeçe que a Senhora Rodeira a entregue a uma ama que seja boa e que a trate bem do que receberá boas alviças e mais a ama».
CONTINUA