Trilhos Serranos

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domingo, 09 fevereiro 2014 12:56

TÓPICOS PARA UM ELOGIO FÚNEBRE

Escrito por 

Tenho pautado a minha postura de cidadão, atento à nossa TERRA e às nossas GENTES, por falar e escrever de pessoas que, por uma razão ou por outra, se tornaram senão figuras públicas, conhecidas, pelo menos, por muita gente.

Carneiro-aparelhagemEscrevi no «Notícias de Castro Daire» uma extensa crónica, que coloquei também no meu velho site «trilhos-serranos»  sobre o Dr.  Albano Pereira Júnior, natural de Santa Margarida, catedrático que foi na Faculdade de Farmácia de Lisboa; fiz um extenso trabalho audiovisual (DVD) sobre o Dr. Jorge Ferreira Pinto, a bem dizer, um dos últimos médicos castrenses que viveu, ainda, as peripécias do conhecido João Semana, retratado por Júlio Dinis, no romance «As Pupilas do Senhor Reitor». Trabalho de que ele gostou e se encarregou de copiar e distribuir pelos amigos, em DVD, claro.  Fiz entrevistas audiovisuais que alojei no Youtube, falando de António Argentino, de Reriz, o homem do teatro e da cultura;  o mesmo fiz acerca do ferreiro Viriato, com oficina aberta no largo do Castelo; idem com o senhor Abel sapateiro, uma profissão em extinção, por estas bandas; com o senhor Narciso, padeiro, dono da Pastelaria Forno da Serra, mas que começou a vida a distribuir pão pelo concelho fora, a pedalar numa bicicleta, conhecida por «pasteleira»; o mesmo fiz com o relojoeiro Paulo Almeida e do jovem informático Márcio Pinto, um desvendando as avarias e os segredos dos relógios e o outro as avarias e os segredos dos computadores.

Coloquei no mundo imagens do nosso património natural e construído, material e imaterial, exemplo de que são as lendas em livro e em vídeos; escrevi sobre os comerciantes idosos que mantinham loja aberta na vila e coloquei os seus nomes e rostos no Facebook, nomeadamente da senhora Assucena Pontes, senhora Claudina Monteiro, senhora Benilde, senhora Maria do Rosário, senhor João Oliveira (dito da Adelaidinha),  o Carlos Ferreira Pinto (o Carlinhos, para os amigos, recentemente falecido) e o gerente do minimercado Vasco.
E neste meu afã e informar e dar a conhecer (sem qualquer avença pública) a nossa terra e as nossas gentes,  não esqueci o senhor Mateus, o cauteleiro, o engraxador, ilustrando a sua crónica com a fotografia que lhe tirei no seu posto de trabalho, quando ele rondava os 80 anos de vida. Não deixei em silêncio o falecimento da extravagante figura do Zapa, aquele bate-chapas que declamava poesia por passeios, esquinas e cafés, em cujo repertório entrava a «Desiderata» esse poema universal ignorado por muito boa gente ligado à educação e ao ensino. Reportei, recentemente, o trabalho que fiz nas aulas, há muitos anos, com os meus alunos sobre o Manel da Capucha, o pedinte andarilho, andrajoso e roto, de repelente aparência, mas um saco de afectos para as crianças e de simpatia para os adultos.

E feito e dito isto tudo sobre gente grada e gente humilde, manda-me a consciência que dedique algumas palavras a outra pessoa, não menos digna de figurar nas minhas crónicas. Trata-se do Zeca Carneiro, um ícon tão conhecido de todos nós, como tão conhecidas eram por ele todas as tascas onde se vendia o melhor vinho, branco ou tinto.Mário soares
Simpatizante fanático e militante do PARTIDO SOCIALISTA, forçoso era que chegássemos à fala várias vezes, nomeadamente em tempos de campanha eleitoral, quando eu integrava a COMISSÃO POLÍTICA CONCELHIA deste Partido.
Electricista sem diploma, ele era, a bem dizer, um factotum, um faz tudo. A sua aparelhagem de som e locução avinhada eram sempre requeridos por alturas de campanhas eleitorais. E não apenas pelo PS. Aparelho eléctrico ou rádio avariados em que ele pusesse as suas mãos e o seu alicate, ou funcionava a sério ou dava o berro de vez. Fazia pequenas peças de artesanato, usando as tabuinhas dos chupa-chupas, nomeadamente peças ligadas aos brasões das maiores equipas de futebol, o Benfica, o Sporting e o Porto. Tanto vendia, como oferecia. Era conforme a necessidade de dinheiro. À excepção do copito obrigatório e diário, não era de grandes gastos. O que ganhava dessa maneira e o que lhe davam (roupas, por exemplo) chegava e sobrava para vida modesta que levava. Nos biscates que era chamado a fazer, incluía substituir uma lâmpada fundida, arranjar uma ficha eléctrica, uma moto-serra que não pegava, uma motorizada que se recusava a rodar por estradas e caminhos, etc. Toda a gente que a ele recorria, nele encontrava a solução procurada. Até o aparar de uma sebe de vedação ou cortar a relva do jardim ele fazia. Bem pouco tempo antes da sua morte, para mim inesperada, eu o vi envolvido nessa tarefa, na moradia do Dr. Jorge, ali ao lado da Escola Secundária.

Prestável para toda a gente e solução para muitos os problemas de mecânica, canalização e energia eléctrica fez falta a muita gente.
Dada a sua mundividência e a confiança que ele me deu, vida feita em Castro Daire, a ele recorri para conseguir algumas fotos antigas ligadas à vila e aos eventos políticos que no concelho ocorreram. Devo-lhe a cópia das fotos que ilustram este registo. Ele próprio, montado na sua motorizada, com a aparelhagem de som a postos, e uma das passagens do Dr Mário Soares em campanha, por esta vila.

Fui ao seu enterro e, na circunstância, fiz a fotografia que aqui deixo. Fi-lo por obediência ao respeito que me merecem todas as pessoas, independentemente do seu estatuto socioprofissional e da opção de vida que levaram, por vontade própria ou forçadas a isso. É o meu olhar sobre Castro Daire, a sua História, a sua Cultura, as suas Gentes.

Carneiro-Enterro

 

 

 

 

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.