Trilhos Serranos

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quarta, 12 fevereiro 2014 13:58

MANEL DA CAPUCHA 2

Escrito por 

Claro que o texto colectivo redigido sobre o MANEL DA CAPUCHA nas minhas aulas de Português, inspirado no conto «O Búzio» de Sophia de Mello Breyner, se submeteu aos tópicos que cada aluno escreveu, no quadro, sobre aquele pedinte caminheiro que, a pedibus calcantibus, conhecia todos os poviléus, aldeias, vilas e cidades implantadas nas encostas e pregas das serras do Montemuro, da Nave, da Lapa e, sei lá, se do Marão.

 

Manel-Todo

Dois pedintes, um, no litoral, e outro no interior, ambos eram, no presente, o Portugal do passado, símbolos dos tempos idos, figuras notadas pela extravagância do vestir e do estilo de vida livre que levavam. Ambos, na sua simplicidade andarilha, cantando e sorrindo, conhecendo toda a gente e toda a gente os conhecendo, tocavam as cordas da solidariedade humana e, conforme a vibração e sensibilidade dessas cordas, recolhiam, não as notas, mas o pão e as moedas que, por curto tempo, tilintavam e faziam música nos seus bornais, esse adereço inseparável de quem, por opção, ou sem alternativa, resolveu fazer pela vida a correr o mundo limitado ao tamanho da sua ambição: esmolar de rua em rua, de povo em povo, de romaria em romaria, de feira em feira.

E parece-me que igualmente as cordas da sensibilidade humana toquei eu (o que muito me apraz) quando resolvi colocar, neste «mare magnum» da Internet, o «retrato físico e psicológico» de MANEL DA CAPUCHA.

Logo que fiz isso, colocando o texto e a imagem no meu site «trilhos-serranos», com porta aberta no Facebook, foi um ver se te avias a ser lido e partilhado pelos meus amigos e amigos dos meus amigos.
Tenho dito frequentemente que o Facebook é uma lição, sustentando a minha afirmação em exemplos. Este é mais um deles. No Facebook nos expomos, aqui mostramos o que somos, ou o que fingimos ser,  a nossa sensibilidade, as nossas aspirações, frustrações, realizações, afectos, amores, indiferenças, ódios, raivas e repelências. Aqui, a par de coisas sérias, deixamos igualmente futilidades que não interessam ao Menino Jesus, mas que são de interesse enorme para cada um de nós, que mais não seja, mostram a nossa existência neste pergaminho sem fim.

É isso, e por ser assim, nem sequer estranhei  que, comparativamente,  o texto e a imagem relativos ao MANEL DA CAPUCHA, o pedinte andarilho, tenha sido lido e partilhado por um número assinalável de pessoas, bem diferente do número daquelas que leram o texto que, um dia depois, postei sobre Aquilino Ribeiro,  o escritor viajado, também com fotografia.

Atente-se na grelha que se segue, onde consta o dia da «postagem»,  o número de «gostos», de «comentários» e «partilhas» e «leituras» que mereceu qualquer deles. Os números foram tirados hoje mesmo, no dia em que publico esta crónica, neste meu espaço de reflexão, aprendizagem e entretenimento.

 

  DATA DA POSTAGEM

GOSTOS

COMENTÁRIOS

PARTILHAS

LEITURAS

MANEL CAPUCA

06/02/2014

     53

          7

        11

      1.530

AQUILINO RIBEIRO

05/02/2014

       6

          0

         0

           21

 

O Facebook é uma lição. Digo-o no sentido rigoroso da expressão. Se uma andorinha trouxesse a primavera/aos campos da história e da cultura, outros seriam os números da tabela, na  realidade que mostram, crua e pura.

E o que eu aprendi com isto, se é que já não sabia, foi certificar-me de que os portugueses são muito mais votadas e sensíveis à POBREZA dos que às LETRAS. O que, consequentemente, me leva a pensar que os nossos governantes não estarão tão errados assim, insurgindo-se contra o «viver acima das nossas possibilidades» e tentarem convencer-nos, a todos, que temos de nos acostumar a «viver mais pobres». Sei lá se à semelhança do passado e, tal como nos anos cinquenta, termos de requerer na Junta de Freguesia o atestado de pobreza e, com ele a tiracolo, metido num canudo de zinco, fazermos como o MANEL DA CAPUCHA, que, não possuindo tal canudo, é, como bem se vê na fotografia, um exemplar único e digno de figurar num postal ilustrado, não sei se para servir como documento do passado, ou como documento do futuro.

Espero bem que os comentadores políticos ao serviço do governo, especializados em psicanálise, psicologia e as demais ciências que respeitam ao comportamento humano, não frequentem a minha página, pois vendo eles o agrado e a simpatia que, por parte dos meus amigos, recaíram sobre o pobre Manel da Capucha, batam palmas e prossigam na senda que iniciaram convencidos que estão no caminho certo e, nessa linha de governação, se apressem a tomar medidas para reactivarem as fábricas de lanifícios da Covilhã com vista ao fabrico de burel destinado às capuchas que vão ser necessárias aos Manéis e às Marias que decidirem ficar a residir neste jardim à beira mar plantado, desprezando a emigração, fugindo a franças e araganças.

Mas eu, que não sou nada atreito a lamechices, que me incomodam as situações e expressões: «olha ó coitadinho», «olha à coitadinha», «olha ó pobrezinho», gostava de acabar este meu registo com um ar mais alegre, mais positivo, mais movimentado, mais nobre, a partir da mesma personagem, isto é, exactamente do MANEL DA CAPUCHA..

Manel-Cavalo-EspadaPara tanto, peço somente aos meus amigos, aqueles que tão sensibilizados e humanos se mostraram,  que mirem de novo, de cima abaixo, o seu retrato, a sua cara, a sua barba, a sua vestimenta, a sua capucha e o modo como está calçado. Enfim, vejam somente um homem, um ser humano. Façam de conta que nunca conheceram tal figura e, nessa condição, esquecido totalmente o pedinte, sentem-se no sofá e, frente à televisão, vejam uma qualquer versão em DVD dos «Três Mosqueteiros». Voltem a olhar para o retrato do MANEL DA CAPUCHA, puxem um bocadinho pela imaginação e vejam-no ao lado de um garanhão na Feira da Ouvida. Ponham-lhe um chapéu de aba larga na cabeça. Coloquem-lhe na mão esquerda uma espada. Incitem-no a subir para a montada e a chegar-lhe esporas. Feito isso, vejam-no em corrida, capucha a drapejar ao vento, e, nessa condição, digam-me cá, qual dos três e ágeis mosqueteiros é ele:  Athos, Porthos, Aramis, ou  D'Artagnan?

E, então, quando se esfumar no horizonte aquela figura que ajudaram a criar, não o pedinte que vocês conheceram, bornal aberto às esmolas, mas um cavaleiro fidalgo, espada fora da bainha, bornal aberto à procura de justiça,  perguntem-se a si próprios: não estaremos todos nós necessitados de gente que se bata por valores, tal como faziam os Mosqueteiros, de gente que,  de capa azul ou de capucha preta, manejando uma espada rutilante ou o tosco lódão do Malhadinhas (essa criação de Aquilino Ribeiro) assalte as muralhas do castelo e, em defesa dos mais desprotegidos, faça ver aos poderosos que tudo tem limites, que a DIGNIDADE HUMANA não se fecha nos cofres fortes dos bancos, nem o povo tem algo a ver com as burlas e falcatruas cometidas pelos banqueiros que, lá pelas Américas, pelas Europas e por aí fora, por ganância e mais ganância, criaram a crise mundial que se vive e parecem apostados em fazer regredir séculos a HUMANIDADE?

E aqui chegados, nada melhor do que repescar as palavras com que iniciei o trabalho que, há muitos anos, fiz com os meus alunos sobre a ilustre figura que temos vindo a seguir. A mesma que, para uns, era um «pobre pedinte» e, para outros, um «pobre podre de rico». E que palavras foram as minhas? Lembram-se? Disse que, como professor, sempre me preocupei em «ligar a História e a Literatura à vida real». Pelo que, agora, na situação de aposentado, deixo ao critério dos meus amigos, avaliarem qual das partes de todo este meu discernimento é mais edificante para a formação da cidadania dos educandos: a que nos apresenta e descreve o Manel da Capucha, acomodado à sua condição de pedinte andarilho, incutindo à turma inteira a imagem do «coitadinho», o pobre a cantar o «fado choradinho» para sobreviver, ou aquela que, com recurso à imaginação e ao espírito criador, o transforma em nobre cavaleiro, dentes cerrados, inconformado, indignado, pronto a desembainhar a espada e a cantar o hino heróico da vitória travada no campo das causas justas e humanas, sob o lema «um por todos e todos por um»?

A avaliação é vossa. 

 

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.