POESIA A CORES
Seja verão, primavera, outono ou inverno, estaciono o carro perto do adro da Igreja e, obrigatoriamente, passo pela moradia que foi de padres, curas e abades tridentinos e secundinos. Construída em alvenaria gratítica, um quintal pegado, não há ali couves para caldo, mas há plantas de adorno entrelaçadas em torno, com flores e cores diversas, no tempo delas, sempre belas a desafiarem poetas e pintores.
Amante das gentes e da natureza, não vou adiante, não passo em frente. Paro, olho, miro e, num instante, tiro a câmara de fotografia da carteira para, nesta minha atitude rotineira, reter a beleza colorida e quente que veste aquelas paredes frias, seculares, vencedoras de calores e de invernias (quantas já vão elas?) e admiro a arquitetura tradicional, as portas e as janelas daquela velha CASA PAROQUIAL.
Da mesma rua, há quantos anos, senhores? não é engano, já a vi vestida e já a vi nua, conforme os gostos, saberes, sabores e vida dos habitantes e das estações do ano. E de tanto ir à missa em criança, chiça!, de tanta prática, vem-me à lembrança as perguntas que, inocentemente, um pingo de gente - talvez rapazote - fazia aos brocados de prata e ouro da dalmática vestida pelo sacerdote, a pregar resignação, humildade e pobreza, mas a luzir riqueza, opulência e deslumbrante beleza. E eu, então, num dia, num momento, numa epifania, virei pagão, deixei de ouvir a “palavra”, deixei de ouvir o sino e passei a ver o divino em tudo o que me rodeia, em tudo o que é belo, em tudo o que é matéria, em tudo o que é ideia. E, incrédulo, com o aroma da rosa e o fedor do quelho, cheguei a velho.
E agora, com esta idade, paro, escuto e olho aquele entrelaçado, aquele brocado de flores e cores, ano após ano. E, coisa jamais pensada algum dia! Abandonada a antiga prática, outra epifania: sem coro clerical, ó gente, ouço, nitidamente, o gregoriano pautado por aquela dalmática natural, brocados de ouro e prata tecidos pela natureza, livremente serpenteados naqueles pedaços de penedos, sem infernos, sem céus, nem limbos, nem medos.
Avancei. Mas não satisfeito em levar para os meus arquivos um documento assim, com esse “look” colorido e serpenteado, repleto de cogitações, lembranças, emoções e significado, apressei-me em divulgá-lo no facebook, enrolado em versos e a desafiar os meus amigos dispersos a identificarem a casa fotografada, aquela que eu gostaria de ver pintada e, sem favor, pintaria se fosse pintor. Decorria o ano de 2019. Foi assim:
A FOTOGRAFIA
Não é a minha praia
Abusar da fotografia
Aqui, no meu mural
Inda que nele haja
Quem entre e saia.
Mas não me fica mal
Contemplar o belo
E levar esta moradia
(Olhem que beleza!)
Assim vestida
Pela natureza
Ao mundo inteiro
Até onde puder sê-lo.
Não é treta.
Se eu manejasse o pincel
Como manejo a caneta
Deitava fora o papel
E escrevia-a numa tela
Sem precisar do tinteiro,
Meu desejo primeiro
Mal pus os olhos nela.
Abílio/2019
E com poucos COMENTÁRIOS e LIKES se ficaram o meu texto e foto nesse ano de 2019. Mas quem nega que o mundo se move, depois de Galileu? Se eu essa casa tinha retratada e era meu gosto vê-la pintada, remeti, via Messenger, o objeto da minha vista para uma artista da paleta e da caneta, de seu nome Odete Correia. E ela, que toma assento na página “LITERATURA E POESIA” administrada pelo Professor Amadeu Carvalho Homem, eia! ali, onde se depositam e consomem saberes e emoções tantas, ali, naquela floresta de letras, onde, de podão em punho, de quando em vez, sem grande merecimento e pouco encanto, também deixo a minha rústica pegada de tamanco, ela, surpreendida com a beleza divinal deste pedacinho de paraíso terreal, fez-me a surpresa de pôr em tela aquela CASA PAROQUIAL. Face ao que, muito sensibilizado, por obrigação humanista e ateia, aqui partilho a sua disposição de semear, à mão cheia, por toda a parte, sem receio, a sua paixão, engenho e arte.