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quinta, 09 maio 2024 16:17

GENTE DA TERRA: MATEUS- O ENGRAXADOR

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ÚLTIMO PROFISSIONAL DO RAMO

O senhor Mateus está ali, à entrada do Jardim Público da vila de Castro Daire. Não pede nada a ninguém. Quem quer, quer. Quem não quer passa adiante. Ele é, a bem dizer, um dos últimos homens a exercer tal serviço social em Castro Daire.

 

MATEUS-1Os programas de «novas oportunidades», esses que hoje por aí fornecem diplomas a eito com vista à qualificação dos portugueses, não atraíram ainda alguns cidadãos em Castro Daire a tal mister. É trabalho que suja as mãos e as unhas. Mais atraentes são, porém, os misteres de «manicure» que as limpam, pintam e envernizam. 

Deixando isso, direi que, sendo os engraxadores uma espécie em vias de extinção, não faltam por aí, abundantemente, os «graxas diplomados», os «graxas encartados». É só atentar no que se vai passando por esse país fora, é só ler e ouvir as notícias divulgadas pelos media, onde se descortina facilmente a vénia, a graxa, a bajulação que alguns subalternos fazem às chefias no sentido de lhes caírem no goto. Ele é  na política, ele é na educação ele é em toda a instituição hierarquizada.

Para caírem no goto do chefinho ou da chefinha, tais lesmas estão sempre prontas a levar-lhes, embrulhadas em sorrisos e salamaleques, as críticas que correm acerca do serviços, ou acerca das suas próprias pessoas.

O chefinho ou chefinha, cultores do comportamento soalheiresco, pessoas que permaneceram no nível cultural básico da intriga comezinha e do maldizer, amantes desses valores camadrescos, agradecem ao «graxa» com iguais sorrisos e salamaleques. Ele ou ela, com manifesta simpatia para com tais seres rastejantes, estão certos que, dando acolhimento a tais procedimentos, no dia seguinte mais novidades lhes entrarão pelo gabinete dentro. O cochicho chegado pelo «correio» sem envelope selado tornou-se institucional.

Em termos históricos e culturais não é debalde que, durante séculos, durante a união da Coroa e do Altar, os vassalos curvavam a espinha e baixavam a cabeça frente a Sua Majestade e dobravam os joelhos para beijar o anel do Bispo ou do Papa. Uma sociedade de vénias e ajoelhada. Não é debalde que toda a petição dirigida ao superior hierárquico terminava com as iniciais E.R.M., que, por extenso, quer dizer «E Receberá Mercê».

mATEUS-BANQUETAPois é. É na busca de «receberem mercê», de verem a sua «avaliação de desempenho» recompensada que os «graxas» proliferam, por aí, como cogumelos. O que é preciso é progredir na carreira e se a «bufaria, a subserviência e a incompetência» forem os parâmetros de mérito admitidos pelas chefias, não há programas de «novas oportunidades» que arranquem Portugal do tempo da vassalagem e do pagamento de foros.  

Face a esta realidade, como admiro o engraxador Mateus. Oitenta anos de idade, disposto a findar a carreira com a vida, homem simples, se a falta de vista já não lhe permite engraxar com perfeição, dar o polimento devido aos clientes, ele ali está, tal qual é, velhinho, a coxear de doença crónica quando anda, mas, seguramente, sem a crónica doença portuguesa que afecta chefes, subalternospolíticosprofessoreschefinhos e chefinhas que acolhem subserviência, a mediocridade, a ignorância, a incompetência, enquanto pilares da sua sobrevivência.  

NOTA: crónica publicada no antigo «site» migrada, hoje mesmo, para este.

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.