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domingo, 16 outubro 2022 14:06

HERÓIS DA SERRA (1)

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A RESISTÊNCIA DOS TOPÓNIMOS

Nas últimas semanas, deste mês de outubro de 2022, tenho andado a calcorrear terras que atualmente integram a Freguesia de Monteiras, a propósito do Rio Paivó e TOPÓNIMOS que acompanham as suas margens, ao longo de todo o seu curso, desde os  montes dos Testos/Cervela (ou Cervelhaonde nasce,  até ao rio Paiva, onde desagua, a montante da Ponte Pedrinha.

Fiz alguns vídeos  acompanhado por um cidadão natural da Relva, com ascendência à família PEREIRINHA de Cujó. É ele José Ferreira Miguel, Ex-agente da Guarda Nacional Republicana, portanto, ele e mais família, pessoas idóneas para confiar nas informações que todos me prestaram.

 

PRIMEIRA PARTE

1-Rio paivó nascenteE certo é que alguns dos TOPÓNIMOS a que eles aludiram, mesmo que sem fronteiras claramente definidas, chegaram até nós vindos da IDADE MÉDIA, mas, tal como correm os tempos, nestes primeiro quartel do século XXI,  esses TOPÓNIMOS são, seguramente, uma espécie em vias de extinção.

E várias razões contribuem para a sua morte, a saber:  abandono dos campos e, as terras que vão ficando cobertas de mato,  gerações de agricultores e pastores que deixam de frequentar esses “sítios”, as novas gerações a procurarem outras formas de vida, a alteração dos nomes nas “matrizes prediais” por desrespeito aos topónimos históricos,  as nossas autarquias a deixarem apagar os caminhos carreteiros que puídos foram noutros tempos pelos HERÓIS DA SERRA. E assim sendo,  adeus a IDENTIDADE de batismo que guiou gerações e gerações de povoadores, de agricultores e pastores. Adeus rede viária histórica rural, sendo que alguns desses «caminhos carreteiros» historicamente públicos,  acabam por se tornar propriedade privada por falta de identificação e preservação.

E deixo de fora aqueles se põe a inventar nomes e a escrevê-los sem a mínima investigação no terreno, sem falar com as pessoas que, em tempos distantes, por força de ganharem a vida, se fixaram nesses “sítios” laborando-os e deixando neles o património edificado como, por exemplo, alcarias e moinhos sem os quais o pão não chegava à mesa, nem se pagavam os “foros” correspondentes ao tempo do emprazamento.

Para dar prova disso vou valer-me das INQUIRIÇÕES DE D. AFONSO III, datadas de 1258.

 SEGUNDA PARTE

2-Pontelo GarciaNessa altura, como veremos, Monteiras e Relva são terras somente referidas como “sítios” (não como povoações) e tanto as pessoas inquiridas a preceito como as que corroboravam as informações prestadas aos INQUIRIDORES, eram de Castro Daire, Covelinhas, Folgosinha, Folgosa, Fareja e Farejinhas. Nenhuma dessas testemunhas era das aldeias que hoje constituem a Freguesia. Estávamos em 1258.

Covelinhas viria posteriormente a tomar o nome de Berlengas e, depois disso, Santa Margarida. Os meus leitores poderão ver o estudo que fiz sobre isso, publicado no jornal «Notícias de Castro Daire» e também neste meu site «TRILHOS SERRANOS».

Vamos ver o que dizem em Covelinhas relacionado com as terras da serra, onde elas se situavam e qual o caminho ou descaminho que levavam os foros (as rendas) devidas do Rei. Ver-se-á que razão bastante tinha ele, o Rei,  pois, para mandar fazer as INQUIRIÇÕES. Digamos que, naquele tempo (sei lá se ainda hoje)  aquilo era um «ver se te avias», todos a chamarem a si o que a outros pertencia.

3- Poldras Carvalhal1 - COVELINHAS

Item Martinus Johanis dixit quod Pelaginus de Faraginas intravit ordinem de hermitagio Dom Roberti et testavit secum eidem hermitagio uma bona hereditatem forariam Regis im termino de Faregia in loco qui dicitur Carvalal Avarento, tempore Domini Regis Sancii fratris istius Regis”.

Temos assim um documento a dizer-nos que um tal Pelágio, de Farejinhas, entrou na ordem do Mosteiro da Ermida (D. Roberto) e doou ao mesmo Mosteiro, por testamento, uma herdade foreira ao rei, sita no CARVALHAL AVARENTO, terras que eu presumo serem as mesmas que hoje se situam nos arredores das Monteiras, pois ainda ali prevalecem separados os  topónimos CARVALHAL e AVARENTO.

2 - FOLGOSINHA

«Martinus Pelagi de Ripa Occulis juratus er interrogatus dixit quod Pelaginus pater ejus testavit hermitagium Donni Roberti uma bona hereditatem forariam Regis in termino de Folgosa in loco qui dicitur Miravay tempore Domini Regis Sancii fratris istius Regis».

Por esta declaração, saída da boca de Martinho Pelágio, ficamos a saber que, no termo de Folgosa, o seu pai Pelágio, doou, por testamento, ao Mosteiro da Ermida, uma boa herdade, foreira ao Rei, sita no MIRAVAI.

E outro depoimento informa-nos categoricamente que o topónimo PINHEIRO, ali, junto de Folgosa, onde existiu uma serração, já existia em 1258. Assim:

Petrus Martini de Folgosia juratus dixit quod Consalvus Martini de Monasterio testavit ecclesia de Castro unam leyram de hereditate foraria Regis im terminu de Felgosia in loco qui dicitur Pineyro tempore Regis Sancii fratris istius Regis”. 

E o mesmo podemos dizer do sítio onde existem atalmente as POLDRAS DO GODINHO, na travessia do rio Paivó, ali sob a A24, logo à saída do túnel. A declaração seguinte, deixa-nos cientes de que João Mendes, pai de Mendes Pedro, morador de Folgosa, negociou com a Igreja de Castro Daire uma herdade foreira ao rei, Ora leiam:

2-Poldras LevadasPoldras-Paivó«Johanes Menendi dixit quod Menendus Petri pater ejus dedit in cambium ecclesia de Castro unam hereditatem forariam Regis in termino Felgosia in loco qui dicitur Portus de Godino, tempore Regis Sancii fratrib istiu Regis».

ubindo à serra, o depoimento prestado por Monio Mendes, dos Linhares, diz-nos que um morador de Folgosa, doou à Igreja de Castro Daire, uma herdade foreira ao Rei sita “in loco qui dicitur Pavoo, Lage de Avado”, que presumo serem os AIVADOS que conhecemos nas margens do Paivó, ao fundo da Relva, topónimo referido nos vídeos que pus no mundo e pelo historiador jesuíta Manuel Gonçalves da Costa na sua «História do Bispado e Cidade de Lamego», como veremos mais adiante. Assim:

Monio Menendi de Linhares juratus dixit quod Pelagius Pelagii de Folgosia testavit eiden ecclesia unam hereditatem forariam Regis in terminus de Folgosia in loco qui dicitur Pavoo Lage de Avado tempore Domini Regis Sancii fratris istius Regis”. 

E continuando a desbravar as INQUIRIÇÕES DE D. AFONSO III (1258) temos a surpresa de perceber a razão do encontro dos pastores das Monteiras e Farejinhas nos meados do século XX, tal qual deixei num dos vídeos que publiquei no Youtube Aí, ouvimos da boca de uma senhora entrevistada que para lá da “diversão” desses encontros de pastores e pastoras, os de Farejinhas não gostavam, pois os gados lhe roíam os matos que lhes fazia falta para lenhas e estrumes. Recuemos a 1258:

Johanes Pelagii de Felgosia juratus dixit quod Maria Menendi de Baltar, mater ejus testavit hermitagio Donni Roberti unam hereditatem forariam Regis, in termino de Fareygia (Farejinhas) in loco qui dicitur Monteyra, tempore istius Regis”.

À data, Monteiras, sítio apenas, estava incluso no “termo” de Farejinhas.

3 - FOLGOSA

Donnus Pelagius de Folgosa juratus et interrogatus dixit quod Petrus Pelagii pater ejus trstavit ecclesia de Castro unam hereditatem forariam Regis in termino de Folgosa in loco dicitur Petra Nigra tempore Domini Regis Sancii fratris istius Regis et addit quod ille in vita sua dedit ecclesia aliam hereditatem forariam Regis in termino de Pavoo in loco qui dicitur Relva”. 

Ora aqui temos a declaração de D. Plágio, de Folgosa, feita sob juramento, dizendo que o seu pai tinha testado à Igreja de Castro Daire duas herdades foreiras ao rei, uma sita na Pedra Negra e outra nos arredores do Paivó, “in loco qui dicitur Relva”. Pelo que, provado fica que a Relva e o Paivó estão associados desde 1258. E bem andou o pároco das Monteiras quando 500 anos depois, v.g. em 1758, deixou escrito nas MEMÓRIAS PAROQUIAIS que este rio sempre teve o mesmo nome, da nascente até desaguar no rio Paiva.

O texto acima foi por mim traduzido e gravado numa tábua encimada com o título «PORTA DO TEMPO» para figurar no MUSEU DA RELVA, a pedido de Ilídio Magueija, seu fundador e natural daquela aldeia.

Cruz PortelaMas demos mais um passo nas INQUIRIÇÕES. Elas nos reportam a PORTELA, ali, à saída do Eido das Monteiras, a caminho da Louçã, onde está a bem conhecida CRUZ DA PORTELA, da qual também já fiz vídeo. Terras, na altura integradas no “termo” de Castro Daire. Assim:

D. Johannis de Folgosa juratus dixit quod Petrus Pelagii Pereyra socrus ejus testavit hermitagio Donni Roberti unam hereditatem forariam Regis in termino de Castro in loco qui dicitur Portela, tempore Domini Regis Sancii fratris istius Regis”.

E a PORTELA aparece também associada ao ESPINHO, topónimo este que bordeja as Monteiras, conhecido por todos os naturais e atuais proprietários das terras, assim:

Item, Martinus Pelagius juratus dixit quod Petrus Petri et Martinuus Petri, de Faregia, dederunt in vita sua Hermitagio unam hereditatem forariam Regis in loco qui dicitur Portela de Spino, tempore Regis Sancii fratris istius Regis”.

4 - FAREJINHAS

Martinus Pelagii de Fareygia dixit quod Johannes Petri de Linhares testavit hermitagio Donni Roberti unam hereditatem forariam Regis in loco qui dicitur Monteyra tempore Regis Sancii fratris istius Regis”.

Martinus Pelagi juratus dixit quod Petrus Gunsalvi de Faregia testavit Hermitagium unam hereditatem forariam Regis in termino de Castro in loco dicitur Monteyra, tempore Regis Sancii fratris istius Regis”.

Pelagius Petri de Faregia juratus dixit quor Petrus Gunsalvi de Faregia pater ejus testavit Hermatagio unam hereditatem forariam Regis in Mira Vay et aliam in loco dicitur Monteyra, tempore Regis Sancii fretris istius Regis.

 TERCEIRA PARTE

Foram as testemunhas de Farejinhas as que mais referiram as terras foreiras ao Rei localizadas no sítio onde, posteriormente viria a nascer a povoação que hoje tem o nome de MONTEIRAS, freguesia cujas terras tenho andado a calcorrear, visando dar o meu contributo à salvaguarda e preservação dos TOPÓNIMOS que nos chegaram da IDADE MÉDIA. Que mais não seja por respeito aos nossos avós e avós dos nossos avós.

Corgo-MiravaiManuel Gonçalves da Costa na sua “História do Bispado e Cidade de Lamego” (vol. IV), não obstante os seus esforçados intentos, só conseguiu saber, através de uma “nota nas contas da Irmandade do Santíssimo”, que, entre 1567 e a 1615, o Padre Domingos Rodrigues era o usufrutuário do “benefício abacial”, da Paróquia das Monteiras.

O mesmo investigador que, historiando a freguesia, fala nas “Levadas, limite da Relva, confinante com o rio Paivó” (ob.cit. pp. 287/288).

Por tudo isto, bem documentado, querer dar nome diferente ao RIO PAIVÓ, tipo cavalo morangueiro de “espeta e deixa” é coisa que não faz todo o historiador e geógrafo que se prezem do exercício do seu múnus. 

E para darmos o nosso contributo ao conhecimento da HISTÓRIA LOCAL,  nem é preciso saber lavrar o campo do Latim Clássico, do Latim Macarrónico, ou estar treinado na leitura hermenêutica dos documentos. Basta que o investigador ponha os  pés a caminho, vá ao terreno, fale com as pessoas residentes e logo verá o valor e a veracidade das informações retidas nesses livros andantes, recebidas de gerações anteriores. Durante séculos. Depois é só cotejá-las com as fontes e estudos escritos existentes, tal como aqui eu deixo a prova.

Este texto, tal como os vídeos que me dei ao trabalho de elaborar e alojar no YOUTUBE são o meu contributo «pro bono» à HISTÓRIA da FREGUESIA e  complemento de uma crónica que, há muitos anos, escrevi sobre o Rio Paivó, crónica que foi publicada no jornal “Notícias de Castro Daire” e,  posteriormente, em 30 de outubro de 2014, alojada também neste meu site. Teimosa e cientemente insisto de que “nem só de pão, folclore e cantorias vive o homem”,  ainda que saiba que também isso faz parte da vida.

 

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.