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segunda, 25 julho 2022 18:30

PIRILAMPO, VAGA-LUME, ANINCÚ

Escrito por 

RECORDAÇÕES DE INFÂNCIA REALIDADES ATUAIS

Em 2015 publiquei no meu mural do Facebook o texto que depois transpus para o meu site TRILHOS SERRANOS e aqui reponho novamente. É o que dá corpo à PRIMEIRA PARTE deste APONTAMENTO e o que me levou a retomar o tema explicado fica na SEGUNDA PARTE, quer em texto, quer em vídeos alojados em rodapé. Assim:

 

PRIMEIRA PARTE

Pirilampo-moscaQuando me criei, em Cujó, não havia energia elétrica. Mal caía a noite, fosse em trabalho ou fosse para divertimento num qualquer serão, todos nós, os habitantes, novos e velhos, rompíamos os tamancos a dar pontapés no escuro. Não sei se devo a essa realidade o facto de, ainda hoje, ter horror ao ESCURO. Só me sinto bem em lugares bem iluminados e, de certo modo, acompanhado de pessoas que resplandeçam alguma luz.

 Havia um sítio dentro dos limites da freguesia de Cujó muito dado a ANINCÚS (pirilampos, em designação mais académica, pois nem todos os dicionários registam esta entrada) e todas as vezes que lá passava, aquilo parecia-me uma noite de ESTRELAS CADENTES. Era depois de se passar a Touça, (atrás do Santo António) mais propriamente ao fundo do RISCADO, junto aquele regato que desagua no Rio Mau, um pouco a jusante do sítio do pisão e de dois moinhos que atualmente já não existem. Eu passava lá frequentemente de dia, a caminho dos lameiros, com as vacas e algumas vezes de noite, quando ia ao moinho ver o estado da moenda.

E no meio daquele pirilampar noturno eu matutava na vida daqueles bichinhos, a acender e a apagar, a piscar-piscar tal qual algumas estrelas que, na noite escura, me faziam negaças, como que a jogar comigo às escondidas. E, ao mesmo tempo que me interrogava sobre o "mistério" de que eram dotados (ALUMIAR A NOITE) pensava, cá para mim, que deviam ser muito infelizes, naquele seu inconstante SER e ESTAR. O nome não ajudava muito a resolver o meu espanto e as minhas interpelações. Então "anincú" era lá nome que se pusesse a um bichinho capaz de rasgar o lençol de breu que nos envolvia, ainda que só por momentos? Como não fazia ideia nenhuma da forma e da cor de tão misterioso inseto, uma noite, vendo que um deles pousou ao meu alcance de mão, acendi um fósforo e fui observá-lo de perto. 

Constatei, para espanto meu, que se tratava de uma espécie de mosca e que a luminosidade fluorescente residia na parte traseira do abdómen, daí resultando que, ao fechar as asas, qual interruptor elétrico, apagava as luzes, se calhar uma forma hábil de escapar aos predadores.?Pequeno ainda, sem leituras esclarecedoras, concluí que, naquele pequeno gesto de abrir e fechar as asas, havia alguma inteligência ou um claro instinto de defesa. A partir dessa conclusão infantil, sem explicação de cientistas e/ou especialistas na matéria, passei a admirar os ANINCÚS. Atitude diferente tenho para com certas pessoas que, ignorando, seguramente, a existência e o comportamento do SER e ESTAR desses insetos, procuram imitá-los e, nestes começos do século XXI, tempo de luz elétrica e de conhecimentos, abrem as asas, batem as asas, fecham as asas, fazem um estardalhaço dos diabos, e procuram brilhar, por instantes, no ESCURO que nos envolve. Mas há quem se encante com tais fogachos e faça eco do seu deslumbramento no Facebook. É por isso que o FACEBOOK É UMA LIÇÃO.

Abílio/julho/2015

NOTA: postado no Facebook em 12-07-2015

SEGUNDA PARTE

Ficou, assim, claro que os anincús, os pirilampos, os vaga-lumes faziam parte das minhas memórias de infância e as razões por que, nesta idade adulta, mostrei o meu encanto e a minha admiração por esses insetos luminosos.

pirilanpo-1Os anos foram passando e, dadas as mudanças operadas no mundo, nomeadamente nos ecossistemas, longe estava eu de pensar que aos 83 anos de idade, neste ano de 2022, exatamente no mês de julho, eu viria a encontrar-me com os meus “amigos de juventude” e, em verdade vos digo que não perderam o seu encanto, nem me tolheram a IMAGINAÇÃO. Foi assim:

Nos passeios noturnos que costumo fazer entre Fareja e Farejinhas, sempre atento à estrada e suas margens, sou surpreendido com a luminicênscia isolada de um PIRILAMPO. Parei, puxei do telemóvel com câmara de fotografar e de filmar e o resultado está à vista.

Mas atenção. Não foi fácil captar a imagem fotográfica e vídeo. Não podendo satisfazer os meus propósitos de imediato, voltei nas noites seguintes (uma, duas, três e mais) e, socorrendo-me de uma lanterna, como bem se vê, consegui os meus objetivos que ali me levavam, certamente para estranheza dos carros que passavam, e, conhecendo-me, se interrogariam o que estaria eu a fazer aquelas horas, sabe-se lá, pensando que eu, desta idade, andaria aos “gambuzinos”.

Aproveito, pois, para tirar-lhes as dúvidas e dar-lhes a conhecer o objeto do meu ESTUDO e reflexão.

 

 

TERCEIRA PARTE

PIRILAMPO

Neste meu cirandar

Noturno

Pelos arredores da aldeia

Num repente

Vejo à minha frente

Aquele pingo de tinta

Verde reluzente.

Face à descoberta

Estanco.

Miro, remiro, volteio

E mesmo ali

Dou por findo o passeio

Não prossigo

Adiante

pirilanpo-2Pois vi ali uma porta aberta

Ao meu passado distante.

Aquela cor reluzente

Aquele borrão de tinta

Que mexe, dança ou brinca

Está a bulir comigo.

Caído

Na tela escura

Da noite, deixado

Lá por pintor

Distraído

Ou por ele atirado

Propositadamente

Num desafio provocador

A poetas e escritores

Que nas letras

Tem a sua paleta

De cores…

pirilamp2aAquele borrão de tinta

Dizia,

Que dança, mexe ou brinca

Comigo

Lembra-me algo que já vi

Na minha infância

Distante.

E, num ai,

Com 83 anos de idade

Entro na nave

Do verbo e do verso

Num instante,

Nesta idade avançada,

Enrolo o tempo que lá vai

E percorro a distância

Que me separa do meu universo

Infantil

Da idade que tinha e que tenho.

Um encanto!

Rodopiando

Nesse imaginário disco voador

Vou e venho.

E rasgando

o espaço sideral das emoções

E do pensamento

Divagando

Entre as estrelas mil

Que povoam o firmamento

Vejo mais uma, radiante

Em dançante movimento.

 

 

É isso.

pirilampo-1Aquele borrão de tinta

Ali caído

Na tela escura

Da noite, deixado

Por pintor

Distraído

Ou atirado

Propositadamente

Para a tela da noite escura

Pelo artista provocador

Da paleta

E da pintura

Num desafio ao escritor e ao de poeta

Visto por mim

A tal lonjura

E a tal distância

pirilanpo-1É muito mais do que o pirilampo

Da minha infância

O inseto voador

Que no céu

Preencheu

O imaginário da criança que era.

E daquela idade

Pés na terra

No escuro,

Sem a nave

Do verbo e do verso

Inocente e inseguro

Navegava por todo o universo

Com medo das almas penadas

Que voando e penando

Esperavam padre-nossos e ave marias.

Abílio/julho/2022

VEJA O VÍDEO CUJO LINK SE SEGUE

 https://youtu.be/e014u-p_abI 

 

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.