PRIMEIRA PARTE
Não. Com a luzinha a baloiçar, dois corpos distintos e dois pontinhos luminosos, como se fossem olhos, prossegui a saga da descoberta e comecei a perguntar aos vizinhos se conheciam esses bichinhos. Que sim, que na juventude viram tantos, mas agora não. Veio a luz elétrica e deixaram de ir para os campos. O mesmo comigo, o arincu, visto outrora por tanta gente, vê-se agora raramente e isso despertou-me a ideia de procurá-lo por veredas, caminhos e estradas em torno da aldeia. Um quilómetro de raio.
E de casa saio, uma semana inteira, a última do mês de julho, com o objetivo de dar o meu contributo ao conhecimento do desaparecimento do pirilampo, do vaga-lume, do arincu que em criança, dada a sua abundância, eu tratava por tu, ele, para quem da natureza gosta, foi objeto de mil interrogações minhas que ficavam sem resposta.
Descoberto, aproximei a câmara com flache pronto a disparar e “clic”. Uma frustração. O resultado foi uma fotografia queimada, tudo branco, e do bichinho luminoso, nem corpo, nem luz, nada, nem um niquinho.
Frustração e desilusão, sim, mas eu não desisti. Com prontidão, fui a casa buscar uma lanterna e, com arte e manha, iluminando e apagando, focando diretamente ou em redor…clic … e foi um sucesso. Noites consecutivas, mais de uma semana nisso, a imagem do inseto, vejam bem isto, passou inteirinha para o meu registo, ora parada, na fotografia, ora em movimento, no vídeo.
SEGUNDA PARTE
E foi assim, em fotografia, datada, e em vídeo, que o pingo de cor verde deixada na tela da noite escura, virou uma larva curvada, de ventre luminoso, filmada e fotografada inteirinha, virou produto desta insistente lavra minha, deste meu esforço e cuidado em mostrar a toda a gente, a toda a criancinha, que o PIRILAMPO autêntico, o pirilampo inseto, é bem diferente do pirilampo mágico, o pirilampo boneco, que elas têm lá em casa, identificador da resposta dada, caridosamente, aos peditórios levados a efeito pelas “CAMPANHAS” que visam “angariação de fundos em favor das CERCI`s e outras organizações congéneres”.
Da minha parte, a minha campanha foi outra. Foi em prol da CIÊNCIA, com muita paciência. E foram noites consecutivas em forno de dois pirilampos sem asas, duas larvas, diferentes daqueles que eu via voar na minha infância. E de nada valeu a persistência e constância visando esse objetivo.
Não consegui ver no ar, ao alcance da minha vista, a ascender e a apagar, aquele pisca-pisca que rasgava as noites da minha juventude, aquele encanto que, no seu noturno resplendor, permaneceu intacto na MEMÓRIA ROM do meu computador, dotado de inteligência e sensibilidade humanas, de afetos a todos os seres viventes filhos da NATUREZA. E mil interrogações com certeza.
Não fosse isso, não fosse essa persistência, e não teríamos isto, não teríamos este registo feito por mim junto à Casa da Ponte (CASA DA LUSINHA se chamou em tempos idos, como registei, há anos, em vídeo na lenda entre vivos) ao lado da estrada que liga FAREJA a FAREJINHAS, nas margens do rio Paivó. Meteu-me dó saber que as minhas netas e neto, não vão ver em direto, de perto, estes reluzentes filhos da natureza. Só através de estudo, daí o modesto contributo que o avô, o professor de história aposentado, saudoso e só, dá à BIOLOGIA, no tempo em que estes pequenos seres luminosos, abundantes companheiros da minha infância, estão em vias de extinção, tal como estão outros seres viventes da natureza.
EPÍLOGO
E isto tudo fruto da evolução (ou será involução?), tudo fruto da poluição e da consequente alteração dos ecossistemas, inclusive a eletrificação. E digo para que se saiba, o rio PAIVÓ desliza, quase seco, para o rio PAIVA e, apreensivo, eu interrogo-me para onde desliza a HUMANIDADE, para onde ela corre? Seguro de que nesta saga, cada pirilampo que morre é uma luzinha natural que se apaga.
Abílio/Julho/2022
LENDA DA «LUZINHA DA PONTE» Recolhida em 2010