Trilhos Serranos

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segunda, 01 agosto 2022 13:53

PIRILAMPO EM VIAS DE EXTINÇÃO

Escrito por 

CONTRIBUTO DE UM PROFESSOR DE HISTÓRIA APOSENTADO

Encantado por ter descoberto o encanto da minha meninice - o arincu, o vaga-lume, ou pirilampo, três nomes para o mesmo inseto - lembranças que permaneceram na MEMÓRIA ROM do meu cérebro (o computador humano que em vez de fios e chips tem neurónios), isto aos 83 anos de idade, idóneos, diferentemente da MEMÓRIA RAM que tenho detetado no computador de certa juventude estudantil que se mostra esquecida hoje do que aprendeu ontem (fruto de “varrimentos” sucessivos ou constantes cortes de energia) encantado, dizia, com esse encanto, não me dei por satisfeito com aquela luz fluorescente a rasgar o manto negro da noite, aquele pingo de cor verde caído na tela escura de breu, ou atirado para ali propositadamente por ignorado mestre da paleta e da pintura, num desafio às pessoas de cultura, os poetas e os escritores que tem nas letras a sua paleta de cores.

 

PRIMEIRA PARTE

 p-ap-2Não. Com a luzinha a baloiçar, dois corpos distintos e dois pontinhos luminosos, como se fossem olhos, prossegui a saga da descoberta e comecei a perguntar aos vizinhos se conheciam esses bichinhos. Que sim, que na juventude viram tantos, mas agora não. Veio a luz elétrica e deixaram de ir para os campos. O mesmo comigo, o arincu, visto outrora por tanta gente, vê-se agora raramente e isso despertou-me a ideia de procurá-lo por veredas, caminhos e estradas em torno da aldeia. Um quilómetro de raio.

E de casa saio, uma semana inteira, a última do mês de julho, com o objetivo de dar o meu contributo ao conhecimento do desaparecimento do pirilampo, do vaga-lume, do arincu que em criança, dada a sua abundância, eu tratava por tu, ele, para quem da natureza gosta,  foi objeto de mil interrogações minhas que ficavam sem resposta.

Descoberto, aproximei a câmara com flache pronto a disparar e “clic”. Uma frustração. O resultado foi uma fotografia queimada, tudo branco, e do bichinho luminoso, nem corpo, nem luz, nada, nem um niquinho.

Frustração e desilusão, sim, mas eu não desisti. Com prontidão, fui a casa buscar uma lanterna e, com arte e manha, iluminando e apagando, focando diretamente ou em redor…clic … e foi um sucesso. Noites consecutivas, mais de uma semana nisso, a imagem do inseto, vejam bem isto, passou inteirinha para o meu registo, ora parada, na fotografia, ora em movimento, no vídeo.

SEGUNDA PARTE

pirilampo-1pirilanpo-2E foi assim, em fotografia, datada, e em vídeo, que o pingo de cor verde deixada na tela da noite escura, virou uma larva curvada, de ventre luminoso, filmada e fotografada inteirinha, virou produto desta insistente lavra minha, deste meu esforço e cuidado em mostrar a toda a gente, a toda a criancinha, que o PIRILAMPO autêntico, o pirilampo inseto, é bem diferente do pirilampo mágico, o pirilampo boneco, que elas têm lá em casa, identificador da resposta dada, caridosamente, aos peditórios levados a efeito pelas “CAMPANHAS” que visam “angariação de fundos em favor das CERCI`s e outras organizações congéneres”.

Da minha parte, a minha campanha foi outra. Foi em prol da CIÊNCIA, com muita paciência. E foram noites consecutivas em forno de dois pirilampos sem asas, duas larvas, diferentes daqueles que eu via voar na minha infância. E de nada valeu a persistência e constância visando esse objetivo.

Não consegui ver no ar, ao alcance da minha vista, a ascender e a apagar, aquele pisca-pisca que rasgava as noites da minha juventude, aquele encanto que, no seu noturno resplendor, permaneceu intacto na MEMÓRIA ROM do meu computador, dotado de inteligência e sensibilidade humanas, de afetos a todos os seres viventes filhos da NATUREZA. E mil interrogações com certeza.

Não fosse isso, não fosse essa persistência, e não teríamos isto, não teríamos este registo feito por mim junto à Casa da Ponte (CASA DA LUSINHA se chamou em tempos idos, como registei, há anos, em vídeo na lenda entre vivos)  ao lado da estrada que liga FAREJA a FAREJINHAS, nas margens do rio Paivó. Meteu-me dó saber que as minhas netas e neto, não vão ver em direto, de perto, estes reluzentes filhos da natureza. Só através de estudo, daí o modesto contributo que o avô, o professor de história aposentado, saudoso e só, dá à BIOLOGIA, no tempo em que estes pequenos seres luminosos, abundantes companheiros da minha infância, estão em vias de extinção, tal como estão outros seres viventes da natureza.

EPÍLOGO

pirilanpo-1p1-E isto tudo fruto da evolução (ou será involução?), tudo fruto da poluição e da consequente alteração dos ecossistemas, inclusive a eletrificação. E digo para que se saiba, o rio PAIVÓ desliza, quase seco, para o rio PAIVA e, apreensivo, eu interrogo-me para onde desliza a HUMANIDADE, para onde ela corre? Seguro de que nesta saga, cada pirilampo que morre é uma luzinha natural que se apaga.

Abílio/Julho/2022

 

LENDA DA «LUZINHA DA PONTE» Recolhida em 2010

https://youtu.be/FHP2XF_t0iI

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.