Trilhos Serranos

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sábado, 07 novembro 2020 17:04

POR TERRAS DO TIO SAM

Escrito por 

ELEIÇÕES

No dia 03/11/2020 postei no mural do meu Facebook a versalhada que se segue ilustrada com um daqueles canários de barrete, tipo rufia de bairro ou líder de gang. Assim

 

PRIMEIRA PARTE

poemaRUFIA

Empoleirado

Rufia

Na postura

E no penteado

Chegou a altura

Chegou o dia

Do poleiro ser apeado.

E eu

Que detesto rufias

Na terra e no céu

Por outra figura

Puxo.

E mesmo sem ser bruxo

Aqui digo, solenemente

Que o rufia já perdeu

E isso me deixa contente.

Abílio/3/11/2020

SEGUNDA PARTE

Entretanto, enquanto se aguarda a verdade dos números cansativamente refletida em mapas, encarnados, azuis, gráficos, tudo o mais conexo ao duelo final e em tudo o que é comunicação mundial, entretenho-me deliciosamente com o clássico western:

 

 

ACONTECEU NO OESTE

 

moinho

 

«Chien...chiam...chiem... chiam...» câmara de filmar virada para a ventoinha do engenho que faz subir à superfície a água das profundezas, algures na terra do tio Sam. Aconteceu no oeste. Um western clássico que «chiem...chiem...» início tem numa a tosca estação ferroviária, onde um pistoleiro de má cara (um paradoxo) não faz mal à mosca que o importuna e zumbe e poisa no seu rosto. Com pontaria e fortuna consegue metê-la no revólver, põe o dedo na boca do cano e, a sorrir, diverte-se a ouvir, o zumbido do inseto prisioneiro. Um pistoleiro. Um matador, que “não faz mal a uma mosca”. Em redor, tirando o zumbido dela, só o «chiem...chiam”…» da ventoinha no seu afã de encher o depósito destinado a saciar a sede da locomotiva quando ela chegar com gente e bagagens em busca do desconhecido.

 

taberneiroAconteceu no oeste. Um teste à paciência, à sensibilidade e à inteligência humanas. Uma coboiada. Uma longa-metragem, onde um taberneiro, poeira por todos os cantos, cigarrilha preta ao canto da boca, olhos esbugalhados, encantados com os encantos de Cláudia Cardinale, a passageira recém-chegada de Nova Orleãs, depois de um tiroteio de meter medo (outro paradoxo), diz-lhe ter família nessa cidade, mas prefere o sossego do campo. Um espanto. Depois de tal zaragata entre pistoleiros....prefere o sossego do campo.

 

CláudiaE a sensibilidade e carinho do pistoleiro Cheyene, face ao drama da ex-prostituta tornada dama e viúva, a gabar-lhe o bom café que ela fazia e a dizer-lhe que ela lhe fazia lembrar a mãe, outra prostituta que, de certeza, teria o feito seu pai muito feliz no momento em que foi gerado.

Sozinha, marido e família assassinada, num areal que o marido, um cliente do bordel onde ela serviu, comprou por tuta e meia, sabedor dali existir água que não existia num raio de muitos quilómetros e, por isso, um dia lá passaria a linha dos caminho-de-ferro. E, a ser assim, ele ciente estava de ser compensado das carências sofridas naquela terra árida sem vivalma. Era o sonho que, a lei da bala fez ir água abaixo, à mão de pistoleiros sem escrúpulos ao serviço do empresário construtor da linha, o senhor «POUCA-TERRA».

empresárioE este empresário da ferrovia, apoiado nas muletas por causa da moléstia que os ossos lhe corroía e tolhia o andar, mas não o sonho de ver o Atlântico e o Pacífico ligados pelos carris do progresso que ele via e escutava na fotografia que o acompanhava e pendurada estava no seu escritório, uma das carruagens da grande lagarta movia a vapor.

«Aconteceu no Oeste». Muitas peripécias de entretenimento e de pensamento. E aproxima-se o “THE END” com o empresário, sem muletas, a arrastar-se na lama para uma poça de água que existia ali perto, onde deu o último suspiro a ouvir o marulhar das ondas do mar. Admiráveis sãos fins, condenáveis são os meios. O sonho do empresário terminava ali. Continuaria com outros empresários de ferrovia.

harmónia

O resto era o duelo, o ajuste de contas entre o “harmónia” - Charles Bronson - e pistoleiro que, com um enforcamento, puxou pela ponta do fio que se estende ao longo de toda a narrativa - Henri Fonda.

Ambos no terreiro, olham-se frente a frente e respeitam o código de honra, entre pistoleiros. Ninguém atira à traição. O que sacar mais rápido e acertar no adversário é o ganhador.

Fonda«Aconteceu no Oeste». Uma saga humana. Um desafio à paciência, à sensibilidade, à inteligência. E, de permeio, os crimes e as atitudes sacanas de todos os westerns, tiroteios e cavalgadas.

Gosto de coboiadas, sobretudo daquelas que me fazem pensar e incorporar o sonho dos protagonistas, por necessidade, por aventura, ir mais além, gosto do desconhecido de tudo o que escapa às nossas vistas. A subida do Missuri. A caminho de Oregon. A serra Nevada. Nebrasca. Arizona. Califórnia. Geórgia. Pensilvânia. Texas. Saloons. Pistoleiros. Prostituição. Jogatinas. Bebedeiras de caixão à cova. Alasca, gente honrada, gente rasca. Gente séria, gente vil. Nomes de renome na história por bem e por mal. A guerra civil, o nascimento de um país, a chegada de colonos, de todas as cores e religiões. Escravos, homens livres e índios a serem expropriados dos seus territórios ancestrais, metidos em reservas. Registos inglórios da história, catervas deles, mas registos dos vivos que seguem e dos mortos ficam enterrados sinalizados com a Cruz de Cristo.

Escossês

Falo dos Estados Desunidos da América. Das Terras do Tio Sam. E ouço a ventoinha do engenho de tirar água “chiem...chiam...chiem...chiam...” do western que me desenfastia dos números das eleições e da pandemia.

E vejo uma grande senhora, a viúva e bela Cláudia Cardinale dar continuidade à ESTAÇÃO DE CAMINHOS-DE-FERRO sonhada pelo homem que, arrancando-a de um bordel, com ela casou e dela fez uma dama e uma empresária.

 

TERCEIRA PARTE

O RUFIA 2

canárioChriu...chriu...chriu

O rufia

No falar, na postura

E no penteado

E no andar

Caiu

Do poleiro.

Poetei eu sem engano.

E era precisa muita sandice

Deixar como estadista

Quem tanta asneira disse

Fiado na sua crista.

Sem cultura

Buçal, grosseiro

Arruaceiro

Que povo sendeiro

canárioPodia manter no poleiro

Tal criatura?

Nunca, alguma vez

Em qualquer quadrante

Do mundo civilizado

Se viu tanta insensatez

Num governante

Emproado.

Caiu.

É a democracia.

Mas não caiu

Desamparado

Como se previa.

Não foi aos trambolhões

 

canárioNão.

Se calhar

Valeram-lhe os apalpões

Que deu

Ou de que foi acusado

Como se viu

Ouviu

E leu.

E eu

Que gosto de coboiadas

Vejo, enfim

Que outros com’amim

De semelhantes gostos

Que pagam os impostos

Se cansaram de charadas

De mentiras e trapaças.

canárioE fossem direitos ou canhotos

Todos e cada um

Em vez de balas

E ameaças

Pum...pum...pum...

Com selo e sem selo

Em presença

Ou pelo correio

Venceram o duelo

Com falas

E votos

Sua pertença.

Mas não acabou o receio

E o medo.

canárioO rufia

Direito que nem torre

Com manha

Porfia

E recorre

Aos tribunais

Pois democracia

Só é democracia

Quando se ganha.

Nas ruas há grande tensão

Gritam batalhas perdidas

Mas lição

De emocracia é que não

«Chien...chiam...chiem...chiam…»

Tramp

Abílio/07/11//2020

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.