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quinta, 08 outubro 2020 21:20

CUJÓ - OS PILÕES

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ALCUNHAS

Por este Portugal fora, todas as aldeias, vilas e cidades tinham a sua alcunha. Eram epítetos usados pelos naturais de uma povoação quando eles queiram ofender ou melindrar os da outra. Em tempos remotos eram um autêntico pendão de identidade colectiva pendurado na ponta de um varapau.

 

aldeiaOra, à semelhança de todas as povoações espalhadas por esse Portugal além, Cujó também tinha o a sua alcunha. Pudera! Vindas das profundezas dos tempos, elas tinham um sentido nitidamente ofensivo e provocador de aldeia para aldeia. Do meu livro “Ester, Pegadas no Tempo” -  prestes a dar à estampa (esta crónica foi publicada no meu velho site em 2007, ano da edição desse livro) transcrevo aqueles que dizem respeito às aldeias mais próximas, a norte do concelho e a começar pela vila de Castro Daire:

 Castro Dairetrigas-milhas; Farejapardais; Baltar: estorninhos; Farejinhaslagartos e/ou vaidosos; Folgosa: charrelhos; Granjabadanas; S. Joaninhoborralhentos e/ou milheiros; Pendilheletrados; Cujópilões; Almofala: carrascudos e/ou morcas; Bustelosardões; Relvataleigos; Carvalhasconsiderados; Monteirascarapucinhas; Colo de Pitorabos brancos; Vale Abrigoso: salabardos; Mezio: penteadinhos; Gozende: bizarrios; Dornasmadrugadores; Pretaroucadorminhocos; Peixeninhofidalgos; Gosendinhogabarelas; Codessal: patalotes; Campo Benfeito: espingardeiros; Rossãotonteeiros; CotelofaldricocosFeirão: barbas-longas;

 portaVincadamente de carácter pejorativo ou menorizante, resquício seguro das animosidades cultivadas entre povoações vizinhas, desde o fundo dos tempos e por razões diversas, para que não me acusem de ter outras intenções que não as de deixar para a posteridade o arrolamento de tais alcunhas, dado elas estarem a ser esquecidas, submergidas rapidamente pelas novas relações sociais, económicas e culturais, eis o que, sem preconceitos de qualquer espécie, com a imparcialidade que sempre me norteou  como investigador das «ciências sociais» (a HISTÓRIA) aqui deixo, com muita honra, a alcunha atribuída aos naturais de Cujó, a minha terra de nascimento: os «pilões».

 Qualquer bom dicionário de Língua Portuguesa diz que «pilão» é um «instrumento para pilar no gralmão do gralpeso da balança romanacada um dos maços de pisar casca de carvalho, papel, massa de pólvora», bem como «terreiro ou espécie de picadeiro circular» onde se amestram cavalos e ainda que, nas províncias da Beira e do Minho significa «pelintra, miserável, indivíduo que pede tudo, pobretão».

rodaO leitor veja qual destas definições é a mais ofensiva, qual delas se insere melhor no campo semântico de todas as outras e, depois disso, sabendo que a riqueza da aldeia «piloa» assentava no trabalho, nos ofícios, na terra, nos baldios, nos matos aproveitados para estrumes e lenhas, na torga para carvão, madeiras e frutos extraídos das matas de carvalhos e castanheiros (ainda me lembro da sopa negra feita de castanhas piladas) só de ânimo leve e sem crítica, aceitará que o topónimo Cujó derivou do étimo latino «culiolum», terra de plantação de nogueiras. Tal só pode ser aceite por filólogos de laboratório, descuidados ou por quem não conhece a terra, por quem ignora as plantações de Vale da Fraga, dos Panascais, de Vale Carvalhinho, do Picoto, da Touça, da Filharada, no rio Mau, arbustos, plantas e árvores, tudo, menos de nogueiras. (cf. crónica anterior sobre o TOPÓNIMO)

galo-redz«Pilões», «pelintras», «pobretões» ou não (quem é que por perto era rico?),  certo é que em vez de «nogueiras» e «nozes» eles tinham carvalhos e as bolotas, os castanheiros e as castanhas, tinham giestas, urgueiras e tojos e, porque a necessidade aguça o engenho, tinham a vontade de alargar os seus domínios, passar as linhas de fronteira que limitavam os logradouros atribuídos à povoação, tinham a vontade de adquirir terras nas confinantes freguesias de Pendilhe e de Monteiras para cultivo e para pasto de gados, desejo alcançado que lhes davam pão e queijos, chouriças e salpicão, chiça,  tinham a vontade de se emanciparem da freguesia de S. Joaninho, de querem ser uma freguesia independente e conseguiram-no. Tinham a vontade de vencer na vida e, muitos deles, vencendo, sendo «pilões» numa terra agreste e pobre, arreganharam os dentes e Deus não lhes recusou as nozes. Alcunhados de «pilões», fosse qual fosse o seu significado primevo e as razões por que tal alcunha receberam, eles alteraram os limites da freguesia,  tornaram-se autarquia independente, alteram a fisionomia da aldeia, inicialmente coberta de colmo, e com trabalho, vontade e abnegação, mudaram o rosto, a forma e o sentido do adágio popular mostrarando, afinal, que “Deus não nega as nozes a quem tem dentes..

 

NOTA: escrita no 08-10-2020, data em que o texto migrou do velho para o novo e actual site:

E nesse livro de então «Ester, Pegadas no Tempo» deixei de fora, mas não deixo agora (aqui para nós) o PILÃO, o galaroz  pica no chão, pica no solo, o galo que arrasta a asa â galinha e lhe salta para cima (pois então) e ambos vivem o  consolo,o regalo. da reprodução.

Antigamente os povos ofendiam-se por causa dos terrenos de pastos, de estrumes e lenhas. Hoje é o que se vê, há mato a mais e gente a menos. E aqui deixo mais uma bicada de PILÃO: foi tudo devido à política de CENTRALIZAÇÃO que levou à fuga das laboriosas gentes rurais, dos HERÓIS DA SERRA, resultado a DESERTIFICAÇÃO. Mas HERÓIS SÃO os que resistem, que ficaram, que foram e voltaram, ou vêm de férias, e, cheios de fé, mantêm as aldeias de Portugal de pé. 

- PILÃO ausente, mas com muita honra!

 

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.