Ora, à semelhança de todas as povoações espalhadas por esse Portugal além, Cujó também tinha o a sua alcunha. Pudera! Vindas das profundezas dos tempos, elas tinham um sentido nitidamente ofensivo e provocador de aldeia para aldeia. Do meu livro “Ester, Pegadas no Tempo” - prestes a dar à estampa (esta crónica foi publicada no meu velho site em 2007, ano da edição desse livro) transcrevo aqueles que dizem respeito às aldeias mais próximas, a norte do concelho e a começar pela vila de Castro Daire:
Castro Daire: trigas-milhas; Fareja: pardais; Baltar: estorninhos; Farejinhas: lagartos e/ou vaidosos; Folgosa: charrelhos; Granja: badanas; S. Joaninho: borralhentos e/ou milheiros; Pendilhe: letrados; Cujó: pilões; Almofala: carrascudos e/ou morcas; Bustelo: sardões; Relva: taleigos; Carvalhas: considerados; Monteiras: carapucinhas; Colo de Pito: rabos brancos; Vale Abrigoso: salabardos; Mezio: penteadinhos; Gozende: bizarrios; Dornas: madrugadores; Pretarouca: dorminhocos; Peixeninho: fidalgos; Gosendinho: gabarelas; Codessal: patalotes; Campo Benfeito: espingardeiros; Rossão: tonteeiros; Cotelo: faldricocos; Feirão: barbas-longas;
Vincadamente de carácter pejorativo ou menorizante, resquício seguro das animosidades cultivadas entre povoações vizinhas, desde o fundo dos tempos e por razões diversas, para que não me acusem de ter outras intenções que não as de deixar para a posteridade o arrolamento de tais alcunhas, dado elas estarem a ser esquecidas, submergidas rapidamente pelas novas relações sociais, económicas e culturais, eis o que, sem preconceitos de qualquer espécie, com a imparcialidade que sempre me norteou como investigador das «ciências sociais» (a HISTÓRIA) aqui deixo, com muita honra, a alcunha atribuída aos naturais de Cujó, a minha terra de nascimento: os «pilões».
Qualquer bom dicionário de Língua Portuguesa diz que «pilão» é um «instrumento para pilar no gral; mão do gral; peso da balança romana; cada um dos maços de pisar casca de carvalho, papel, massa de pólvora», bem como «terreiro ou espécie de picadeiro circular» onde se amestram cavalos e ainda que, nas províncias da Beira e do Minho significa «pelintra, miserável, indivíduo que pede tudo, pobretão».
O leitor veja qual destas definições é a mais ofensiva, qual delas se insere melhor no campo semântico de todas as outras e, depois disso, sabendo que a riqueza da aldeia «piloa» assentava no trabalho, nos ofícios, na terra, nos baldios, nos matos aproveitados para estrumes e lenhas, na torga para carvão, madeiras e frutos extraídos das matas de carvalhos e castanheiros (ainda me lembro da sopa negra feita de castanhas piladas) só de ânimo leve e sem crítica, aceitará que o topónimo Cujó derivou do étimo latino «culiolum», terra de plantação de nogueiras. Tal só pode ser aceite por filólogos de laboratório, descuidados ou por quem não conhece a terra, por quem ignora as plantações de Vale da Fraga, dos Panascais, de Vale Carvalhinho, do Picoto, da Touça, da Filharada, no rio Mau, arbustos, plantas e árvores, tudo, menos de nogueiras. (cf. crónica anterior sobre o TOPÓNIMO)
«Pilões», «pelintras», «pobretões» ou não (quem é que por perto era rico?), certo é que em vez de «nogueiras» e «nozes» eles tinham carvalhos e as bolotas, os castanheiros e as castanhas, tinham giestas, urgueiras e tojos e, porque a necessidade aguça o engenho, tinham a vontade de alargar os seus domínios, passar as linhas de fronteira que limitavam os logradouros atribuídos à povoação, tinham a vontade de adquirir terras nas confinantes freguesias de Pendilhe e de Monteiras para cultivo e para pasto de gados, desejo alcançado que lhes davam pão e queijos, chouriças e salpicão, chiça, tinham a vontade de se emanciparem da freguesia de S. Joaninho, de querem ser uma freguesia independente e conseguiram-no. Tinham a vontade de vencer na vida e, muitos deles, vencendo, sendo «pilões» numa terra agreste e pobre, arreganharam os dentes e Deus não lhes recusou as nozes. Alcunhados de «pilões», fosse qual fosse o seu significado primevo e as razões por que tal alcunha receberam, eles alteraram os limites da freguesia, tornaram-se autarquia independente, alteram a fisionomia da aldeia, inicialmente coberta de colmo, e com trabalho, vontade e abnegação, mudaram o rosto, a forma e o sentido do adágio popular mostrarando, afinal, que “Deus não nega as nozes a quem tem dentes”..
NOTA: escrita no 08-10-2020, data em que o texto migrou do velho para o novo e actual site:
E nesse livro de então «Ester, Pegadas no Tempo» deixei de fora, mas não deixo agora (aqui para nós) o PILÃO, o galaroz pica no chão, pica no solo, o galo que arrasta a asa â galinha e lhe salta para cima (pois então) e ambos vivem o consolo,o regalo. da reprodução.
Antigamente os povos ofendiam-se por causa dos terrenos de pastos, de estrumes e lenhas. Hoje é o que se vê, há mato a mais e gente a menos. E aqui deixo mais uma bicada de PILÃO: foi tudo devido à política de CENTRALIZAÇÃO que levou à fuga das laboriosas gentes rurais, dos HERÓIS DA SERRA, resultado a DESERTIFICAÇÃO. Mas HERÓIS SÃO os que resistem, que ficaram, que foram e voltaram, ou vêm de férias, e, cheios de fé, mantêm as aldeias de Portugal de pé.
- PILÃO ausente, mas com muita honra!