GENTE NOSSA
Não sou pessoa de me deixar arrastar pela enxurrada de circunstância v.g distribuir louvores e méritos a este ou aquele cidadão, só porque outros, com justiça ou sem ela, por amizade, compadrio político ou clientelar o fazem, neste nosso mundo onde, entre tanta gente séria, reina a hipocrisia social.
Não. Sempre que me disponho a dar a minha opinião sobre “A” ou “B”, sempre que aplico a minha tabela de valores, avaliando o alvo da minha pontaria, não é porque ele tem os olhos bonitos, é baixo ou gordo, familiar, amigo, compadre ou simplesmente desconhecido. É pelo trabalho realizado, pelo empenho posto nele e, sobretudo, pela sensibilidade revelada, ao longo de uma vida, em busca do conhecimento do passado e, sem desânimo nem formação académica, meter-se em arquivos, manejar documentos inéditos, consultar estudos publicados, cotejar e compilar informação, enfim, escavar as nossas raízes longínquas e próximas, por forma a melhor se compreender o presente e a facilitar os caminhos do futuro a todos aqueles que, por gosto, por profissão, ou dever de cidadania, obrigados são a navegar no encapelado “mare magnum” da HISTÓRIA.
Em 28 de agosto de 2017, para dar prova de que não perco tempo com “palavras de ocasião”, deixei escrito e publicado o excerto que para aqui respigo, no qual digo, acerca de Amadeu Duarte Pereira. que lamentava “não o ter como parceiro de investigação há mais tempo, pois, pelo exemplo, provado fica que faríamos uma boa parceria, instituição hoje tanto em moda, sobretudo ligadas à política e à economia”.
Isto a propósito da investigação que ele levou a cabo com vista a construir uma GENEALOGIA da família. Posto o que, “ultrapassadas todas as montanhas burocráticas, munido de documentação bastante, deu-se ao trabalho de digitalizá-la e a entregar-ma de mão beijada numa PEN, atirando para os meus ombros a carga de a coordenar, reformular, interpretar e divulgar da melhor forma que entendesse”.
E assim fiz, seguro, porém, de que a HISTÓRIA, seja pessoal, familiar ou nacional, não é uma sucessão de factos que, semelhantemente, às contas de um rosário se metem num fio e já está. Não. A HISTÓRIA é muito mais do que isso. E, consequentemente, interpretei a documentação fornecida e preenchi os hiatos existentes, por forma a dar corpo uma a narrativa verosímil, com a autenticidade suportada não só pela documentação fornecida, mas também em estudos complementares e conhecimentos decorrentes dos ossos do ofício.
Chegado ao fim, disse convincentemente e com toda a justiça que “servindo-me do «ouro de lei» garimpado (...) por Amadeu Duarte Pereira, cedido assim mesmo, ao natural, pepita a pepita, tal qual as extraiu das minas burocráticas institucionais (forjei uma) “ « joia de família», digna de ser usada por qualquer membro dela”.
Pois. E feito isso parti para outra. Mas eis que, sem esperar, o seu nome apareceu badalado no FACEBOOK ligado a um livro com o título “Efemérides da Vila da Ericeira”. Fiquei ansioso que, semelhantemente, ao que ele já tinha feito com outras edições ligadas àquela vila, me fizesse chegar às mão a avantajada obra que recuaria aos anos 1295 e chegaria a 2020.
Chegou.
Trazida em mão-própria com afgectiva dedicatória e tudo. Mas que andanças! Mas que caminhos! Que trabalheira! QUARROCENTOS E OITENTA E OITO páginas de informação coligida sobre a Ericeira, “apontamentos” que começou a reunir há 35 anos, sem a “preocupação de registar as fontes”, pois nem pensava, nem sonhava que o seu trabalho volvesse livro, editado em 2020, pelo jornal “O Ericeira”, com PRÓLOGO de Francisco Esteves, autor com obra publicada e, portanto, com o domínio obrigatório das indispensáveis ferramentas à elaboração de qualquer obra de caráter histórico, independentemente do conceito que orienta o historiador e o leva à produção de história factológica ou história crítica. Ambas coisas sérias que não dispensam um bom senhorio da Heurística e da Hermenêutica.
Ora, dito isto, eu folheio o volumoso livro e leio dezenas de informações devidamente datadas, assim:
PRIMEIRA:
“1295 - o Rei D. Dinis confirma o foral que, D. Frei Fernão Rodrigues, Grão-Mestre da Ordem de Aviz, havia concedido à vila da Ericeira” (sic).
ÚLTIMA:
“2020 - “23 de janeiro...cerca das nove horas da manhã (...) [e seguem-se notícias várias, relativas aos meses de fevereiro, abril, maio, junho, e termina no dia 8 de julho, informando]: “terminaram as obras de reparação da cabeça do molhe Norte do Porto de Pesca da Ericeira, que o mar havia destruído em dezembro passado” (sic).
Assim mesmo. O fio do tempo desdobra-se à nossa frente desde o século XIII aos 20 anos do século XXI. Mês de Julho.
Neste laborioso trabalho, nestes colossais “APONTAMENTOS” começados a coligir há mais de 35 anos - que coragem, que paciência, que canseira - sem referência às fontes consultadas, nem notas de rodapé ou no final do livro a remeter para elas - AMADEU DUARTE PEREIRA, não sem o incitamento e até forte pressão feita por alguns amigos jagozes, verteu, em volumoso livro (488 páginas) todo esse seu labor e amor pelo conhecimento do passado ligado à terra que fez sua. À terra que ela fez seu filho e jagoz assumido, no dizer dos seus amigos.
Mas não é pela omissão das “fontes” ao longo de todo o miolo da obra que ela deixa de ter mérito. Referências necessárias e indispensáveis nos moldes cientificamente aceites neste ramo de investigação e produção de saber histórico, AMADEU DUARTE PEREIRA deu mostras de, na sua simplicidade, não ser um académico, nem se quis fazer passar por isso. Ele disse, ab initio, o método que seguiu e as intenções que tinha: tão simplesmente o gosto de “saber” e poder usar o “saber” no «saber-fazer» quotidiano, enquanto cidadão responsável, participativo, que, dando o seu melhor às instiruições locais, deixa pegada na (e sobre) a comunidade onde o conduziram as encruzilhadas da vida.
Deixou.
Mas, face ao método seguido e ao resultado produzido, face a tão volumoso repositório da matéria investigada, pergunta-se qual será o historiador criterioso e probo que, empenhado em produzir, efetivamente um texto histórico sobre a área em foco, vai fazer uso desse acervo de informação, acomodando-se ao “dito e feito”, sem procurar as “fontes” e com elas cotejar o conhecimento exposto, distribuído cronologicamente ao longo das 488 páginas?
Dito isto, e postas estas reservas com toda a franqueza e honestidade, colo aqui, para finalizar, outro retalho daquilo que pensei e escrevi, em 2017, a propósito das “fontes” (fotocópias dos originais) que ele me cedeu, para eu tecer a biografia da nossa avó Florinda Correia e/ou Florinda Amélia de Carvalho. E longe estava eu de saber que ele me viria a prendar com mais esta marca do seu incansável labor. Assim pensei e escrevi:
“Face a tudo isso, bem poderei dizer: ele, pelo trabalho feito e sensibilidade revelada para navegar no fio do tempo, acompanhado pelos restantes membros da família, não deslustra o nome dos seus antepassados, nomeadamente do seu avó João Duarte Pereira que, em Cujó, fez o que pôde no desenvolvimento das comunicações, da política e da justiça”.
Finalmente a minha declaração de interesses e espelho da minha isenção na abordagem que fiz aos trabalhos realizados pelo Amadeu. Ele é meu primo direito, pessoa da minha estima e consideração, beirão de nascimento, vindo ao mundo em CUJÓ, povoação integrada na freguesia de São Joaninho, ao tempo do seu nascimento.
Sim, ele teve de sair da terra natal como tantos outros. Fez-se á vida e assentou arraiais na Ericeira, onde constituiu família. Mas nunca esqueceu o torrão que o viu nascer. Anualmente, ou de quando em vez, visitava a terra e a família, fazendo registo fotográfico e vídeo das visitas. Eu e a minha família constamos num desses registos. Sempre falou com entusiasmo e carinho da nossa terra e das nossas gentes, apesar de estar ausente. Nunca negou as origens. Por isso éle merecia este meu «apontamento». Ele, o cidadão que. para orgulho nosso, não envergonha a terra que o viu nascer, nem tão pouco a terra - ERICEIRA - onde fez vida e na qual afirma, em letra redonda, que quer ser sepultado quando esta expirar.
Pois.