Ao ponteiro e maceta agarrado
Num plinto
De topo quadrado
Encimado
Por uma bola de granito
(Símbolo da cabeça humana)
Sobre ela
Com primoroso gabarito
E escultural carinho
Lavrou um livro de pedra
Com outra pedra no cimo
Nas pontas enrolada
A imitar um antigo
Pergaminho.
E, isso feito,
A seu jeito
Deu por acabada
A obra começada.
No seu entender
Pela forma que lhe deu
Fez-me saber
Sem alarido
Que esculpido
Ali estava eu.
Sabendo-me, porém, avesso
A estátuas de praça
Eterno poleiro
Da feliz cagada
Do abundante passaredo
Foi comigo travesso
E, lampeiro,
Sem medo
Aproveitou o recato
Do meu pátio primeiro
E ali, na escada,
Em menos de nada,
Pôs esse meu retrato
Em pedra lavrado.
Eu pensei no tempo,
No trabalho e pensamento
Que nessa obra ele gastou.
E sabendo
“Que a cavalo dado
Não se olha o dente”
Seria indecente
Da minha parte
Não mostrar escrevendo
A gratidão
Pela obra de arte
Que em pedra
Este cidadão
Lavrou
E, sem disfarce,
Dediquei-lhe este poema.
E se, com lhaneza,
Na sua bondade
De artista ele cobria
De humanidade,
Alma e cultura
Aquela escultura
De pedra inerte e fria,
Impunha-me a poesia
(Onde tudo cabe
E nada se perde)
Que ao pé dela
Eu plantasse, verde
E bela
Uma amoreira
Cuja natureza,
Trepadeira,
Agora
Entrelaça
Do topo ao plinto
Com flores e amoras
Longe de qualquer praça
A escultura do amigo
Manuel Coelho Pinto.
E assim
Feliz de mim,
O doméstico passaredo
Que de nada tem medo
E, sem demoras,
A correr ou devagarinho
Onde quer que pousa caga
Agora
Enquanto debica as amoras
Não me pinta o focinho
Nem borra
O pergaminho
Onde se lê esta saga.