Ela postava-se à janela, de manhã cedo, e dali não saía todo o dia, chovessem raios ou coriscos. Ela não tinha medo, nem receio dos riscos que corria de ser fulminada e, às vezes, de janela escancarada, sobre o peitoril debruçada, mostrava os níveos e rijos seios. E, o que era melhor ainda, coisa linda, as zonas pintadas do corpo que a paleta de pintor extravagante, num instante, ali deixara na puberdade.
Um escândalo para o povo, para a generalidade das pessoas do bairro todo. Mas, para nós (carriças com catarro, ao vermos aquelas coisas boas, aquele fruto proibido) ela era um anjo do céu caído, um anjo daqueles que um deus provocador ali pousara com a finalidade (que crueldade, estou hoje em crer!) de que na Terra, cada pecador ainda novo, na inocência e na viril potência da juventude, sem clemência, ardesse no inferno, mesmo antes de morrer ou chegar à senectude.
E ardia mesmo, mas de gozo e felicidade. Quem é que resistia ao fogo depois de ver as marcas daquela paleta? Se tem veia de poeta, ó leitor amigo, faça o que lhe digo, faça disto um poema, acerte na rima, faça, faça, (o tempo passa) e verá que valeu a pena.
Isto, se for jovem, claro está. Pois se for um velho jarreta (a palavra rima, mas não dá, não serve), se a idade lhe tolhe o desejo e o movimento, dê asas ao pensamento e faça, faça como quem sabe, recorra a Camões, use a verve, use a Lingua, não tema, use o tema, ria, ria, diga chalaça, após chalaça e escreva com humor as humanas e eternas verdades:
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.
Abílio/fevereiro/2016
NOTA: : postado no Facebook em 29.02.2016.