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quarta, 16 setembro 2020 13:40

INDÚSTRIA ARTESANAL - O PISÃO

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Indústria de Tecidos - o Pisão

Para que a teia de lã possa ser transformada em manta ou vestuário terá de ser pisoada e, para isso, lá existe um engenho, o pisão, cujas origens, para não destoar do tear a que anda associado, também não é fácil de situar historicamente no espaço e no tempo.

 

I PARTE

Não muito longe da nascente do Rio Mau, ali, onde confluem os ribeiros da Filharada e do Porto da Grade, ambos vindos das Moiriscas,  nasceu um complexo industrial artesanal composto por dois moinhos de água, ainda hoje em funcionamento, um pertencente à família dos PEREIRINHAS  e outro dos CARVALHOS E TEREZOS,  mais um velho PISÃO, hoje em ruína, que deixou de laborar na década de cinquenta. O último pisoeiro foi ABEL DIMAS, que o recebeu por herança.

PISÃO 1975Propriedade que foi de José Terezo, avô de Salvador de Carvalho, provavelmente recebido por herança e, por herança, transmitido aos descendentes, ele foi o único existente nas proximidades e por ele passaram todas as teias de burel tecidas em quase todos os teares manuais existentes nas povoações vizinhas, a saber: Pendilhe, Almofala, S. Joaninho, Monteiras e Cujó, para só falar destas.

Engenho movido a energia hidráulica  (ver figura) o seu equipamento é constituído essencialmente por uma «roda motriz», exterior ao edifício. Girando à força da água, o «eixo» que nela entronca, atravessado por duas «esperas», «dobadoiras» ou «levas» que nele são colocadas, em cruz, a pouca distância uma da outra, constituindo como que os cotovelos de uma cambota, transmite  o  movimento   aos  «maços»   que,    alternadamente,  são  forçados a levantarem-se e a caírem soltos sobre a teia colocada na  «masseira», ou «caldeadoiro», no qual entra e sai permanentemente um fio de água quente aquecida na «fornalha».

ENGENHO Construído com materiais existentes na região, este tipo de engenho bem pode ser considerado um dinossauro no reino da técnica. Troncos e barrotes de madeira, geralmente carvalho e castanho, adquirem a forma e os nomes próprios dados pelo traçador, pela serra braçal, pelo machado e pela enxó. São os nomes que lhe advêm da função e do lugar que cada peça toma no corpo do «maquinismo» roda motriz, eixo, esperas (levas), rabadilhas, maços (ou malhos), chavelhas, merendos, barelas, entroncas, masseira (ou gastalho/caldeadoiro), etc.

Só a «caldeira» é de cobre. Só a caldeira não é de fabrico doméstico. Suspensa sobre a «fornalha»  tem por função enviar permanentemente água quente para a «masseira» e manter a teia humedecida para facilitar o aperto do tecido, dito «enfortir»

O pisoeiro vela por isso. De tantas em tantas horas, utilizando o «pejadoiro» (tábua que, atravessando a parede, foi colocada a jeito de desviar a água da roda motriz, sem se sair do interior das instalações) imobiliza o engenho e, agarrando uma ponta da teia, enrola-a no «orgão» de madeira (tipo rodízio de tirar água ou terra de poços), colocado mesmo ao lado, a fim de aferir o aperto e a textura do tecido. Se está capaz, vai colocá-lo ao sol, estendido nos lameiros circundantes. Se não está, devolve-o à masseira (uma espécie de gamela cavada num tronco de árvore) e recomeça o processo.

 

II PARTE

pisão - CópiaConhecedor da laboriosa história destes equipamentos industriais e da sua necessidade humana durante séculos, engenhos hidráulicos necessários ao fabrico dos tecidos de burel, pano de que se vestia a maioria dos camponeses, e necessariamente a manufatura das capuchas, ainda hoje muito usadas na serra, feitas com burel que vem de Manteigas, vê-los a desaparecerem do mapa industrial artesanal, dia após dia,  sendo eu um dos Diretores da Associação dos Bombeiros Voluntários de Castro Daire, em 1992, aquando do «2º CORTEJO DE OFERENDAS» para aquela instituição, sugeri ao meu cunhado João Duarte Bernardo e a outro colega de ofício, Marcelino Duarte, que fizessem uma réplica, em miniatura, do PISÃO que tão bem conhecíamos de vista, enquanto crianças que por ali brincávamos a guardar os gados.

Aceite a sugestão e concretizada a obra, combinei com o então Presidente da Câmara, Dr. César da Costa Santos, que, no ato da licitação das ofertas, a Câmara o adquirisse para o MUSEU MUNICIPAL a fim de nele se preservar um exemplar «técnico» da nossa ARQUEOLOGIA INDUSTRIAL, Assim se pensou e assim se fez. As fotos assim o demonstram e na placa metálica pode ler-se em letras maiúsculas:

Placa - CópiaPISÃO

OFERTA DA FREGUESIA DE CUJÓ

PARA 2º CORTEJO DE OFERENDAS

DOS BOMBEIROS VOLUNTÁRIOS DE

CASTRO DAIRE (1992 – 06- 28)

ADQUIRIDO PELA CÂMARA MUNICIPAL

PARA O MUSEU MUNICIPAL

26 DE JUNHO DE 1992

 Na sendo disso, durante o trabalho de «investigação aplicada» que levei a cabo aquando da minha «licença sabática» no ano letivo de 1994/95, enquanto Professor da Escola Preparatória de Castro Daire, levou-se a saber e a divulgar quantos demais pisões ainda laboravam nos meados do século XX no concelho de Castro Daire.

E constatei que só restavam três. Um deles arrancado ao seu habitáculo de origem a fim de não levar o destino dos outros. Todo o engenho, já em franca degradação, deixou Ponte  da   Ermida, ali,   onde   se   juntam os   ribeiros   e Mouramorta e da Carvalhosa, e foi levado para o Mezio, em 1987, onde foi recuperado e montado  a  coberto de novas instalações construídas de granito.

O  outros  dois  situam-se  na  freguesia de Pinheiro, no ribeiro da Carvalhosa, a uns escassos 500 metros da arruinada e medieval povoação do Bugalhão. Um, situa-se na Fonte Branca, e o outro, na Ruínha, este a escassos 100 metros a montante daquele.

O da Fonte Branca era, nos fins do século passado, propriedade de  João da Costa Pinto, de Cetos. Passado aos herdeiros, acabou nas mãos de António da Costa e deste passou a Celestino Inácio de Paiva, do Sobradinho, que casou com uma filha daquele que, em meados deste século, havia de ser conhecido nas redondezas por «António Pisoeiro».

O da Ruinha pertence atualmente a Guilherme da Costa, de Picão.

 

III PARTE

O resultado da investigação relativa a este tipo de engenhos industriais, foi primeiramente publicada no meu livro «Cujó, Uma Terra de Riba-Paiva» (feito pro bono), editado em 1993, pela Junta de Freguesia de Cujó, e no livro (também feito pro bono), «Castro Daire, Indústria, Técnica e Cultura», editado pela Câmara Municipal em 1995

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.