INTRODUÇÃO
Já dei a conhecer, nesta minha página, que as gentes de Cujó, recorriam preferentemente ao DR. LAREIRA, que o mesmo é dizer, compravam, vendiam ou trocavam prédios, rústicos ou urbanos, sem recurso ao Cartório Notarial. Tudo feito à LAREIRA, com dispensa do “selo branco», mas tudo assente na folha da «confiança e do caracter», contrato assinado de cruz ou letra cursiva tremida, conforme o grau e desenvoltura de literacia das partes intervenientes.
Sendo assim, face à carência de documentos escritos, o historiador (o primeiro natural de Cujó e do concelho de Castro Daire, conhecem outro?) no exercício do seu múnus, não tem outro remédio senão fazer uso das fontes orais disponíveis e coadjuvá-las com as informações laterais disponíveis, inclusive, aquelas que, por via de um meticuloso trabalho arqueológico, lhe são fornecidas pelas pedras de socalcos, de muros, de pardieiros, de habitações, logradouros, fornos e eiras do lugar que estuda. Pois. É que as pedras, aprumadas ou em ruínas, com os logradouros em seu redor, falam quando olhadas e interrogadas devidamente. E, sobre as comunidades rurais, nomeadamente nos aglomerados urbanos, muito nos dizem as “paredes meeiras” que sustentaram durante séculos, habitações, palheiros e barracões. E bem assim os logradouros usufruídos em comum e em particular. A primeira foto incorporada neste trabalho, tirada do GOOGLE, na qual demarquei as mordias paternas, os acessos e o logradouro usufruído pelos moradores, é bem ilustrativa disso mesmo, nos meados do século XX. Atualmente esse logradouro de acesso é um lameiro e a eira quase desapareceu do mapa. Murada em toda a volta, hoje tem o muro derrubado no sítio onde só os jovens saltavam. E num dos cantos até uma aboboreira verdeja, como se de horta se tratasse. Marca dos tempos e das mudanças..
A histórica, velha e relha falta de recursos nos meios campesinos, convidava os habitantes das nossas aldeias a uma entreajuda recíproca nas suas permanentes lides de sobrevivência, e, da mesma forma, a coabitarem num clima de boa vizinhança. E, fossem membros da mesma família ou vizinhos somente, estavam, a bem dizer, condenados a construírem casas coladas umas às outras, usando frequentemente “paredes meeiras”. Era a forma de tornar mais barata a construção dos habitáculos destinados a pessoas e animais. E elas são uma prova, visível ou arqueológica, das boas ou más relações humanas que havia entre os membros da mesma comunidade, sem esquecer que, uma vez por outra, surgissem quezílias ligadas a regos e beirais. E quezílias houve sempre e haverá entre vizinhos e membros da mesma família.
Nas paredes “meeiras”, como o demonstram hoje abundantemente muitas casas em ruínas, assentavam as traves de soalho, a trave-mestra cumeeira e tudo o mais que desse estrutura à onstrução e pudesse servir reciprocamente os comproprietários, que, por construção sua inicial ou obtida por herança, conhecedores eram do que possuíam de comum e conhecedores eram também dos espaços que usufruíam e eram “propriedade sua”, registada ou não na Conservatória do Registo Predial.
E não têm conta os prédios rústicos e urbanos que, por este Portugal fora, herdados ou comprados, mudaram de proprietário, através da PALAVRA DADA, sem recurso a tabelião, notário, escrivão, ou qualquer funcionário da Administração Pública. Um horror quando se entra na floresta das matrizes prediais e se procura identificar o que pertence a «A» ou a «B».
As construções de casas e muros “meeiros”, apesar de “ab initio” terem surgido, por regra, de comum acordo numa saudável relação de coabitação entre vizinhos, sendo elas tais e tantas, para conhecimento de herdeiros ou esclarecimento de novos comproprietários por compra, necessidade houve de regulamentar os direitos e obrigações dos usufrutuários, matéria devidamente regulamentada e esclarecida no CÓDIGO CIVIL, no que respeita à manutenção e acrescentos. E bem assim no que toca, também, a arbustos e árvores que, plantadas ou nascidas espontaneamente no limite, o articulado do mesmo Código permite ao “dono do prédio vizinho arrancar e cortar as raízes que se introduzirem no seu terreno e o tronco ou ramos que sobre ele propenderem, se o dono da árvore, sendo rogado judicial ou extrajudicialmente, o não fizer dentro de três dias”. Entenderam? (cf. foto ao lado)
Estudar, pois, um complexo de habitações com paredes “meeiras” e logradouro comum, não é fazer somente arqueologia da arquitetura rural, mas é também penetrar no tipo de relações sociais, formas de viver, ser e estar da comunidade estudada, pacífica ou desordeira, respeitadora ou não dos valores materiais e imateriais herdados.
E até deduzir a cronologia das construções que, sucessivamente, deram corpo ao complexo das moradias que se colaram umas à outras, ao longo dos tempos, cronologia que passa despercebida à maioria daqueles que nasceram e morreram nesse complexo habitacional, pois sempre assim o conheceram.
E o estudioso, face às paredes descobertas, telhados caídos, traves-mestras ou secundárias metidas nas paredes “meeiras” prestes a deixaram e nobre missão que desempenharam, interpela aquelas “capas” graníticas alinhadas em forma de «V» invertido, circunflexo gramatical lítico saído de uma parede e sobreposto à moradia contígua mais baixa. O vértice indica claramente o alinhamento da trave-cumeeira e os lados, perpendiculares, informam a inclinação das águas que formavam a cobertura do habitáculo.
Mas o que levou os mestres pedreiros a meter nas paredes essas «capas», que tanto existem em «paredes meeiras» de proprietários confinantes, como de proprietário único? Elas não são, seguramente, adereços ornamentais de construção civil. Antes pelo contrário. Diferentes das demais pedras usadas na obra, difíceis de conseguir na parafernália do material lítico disponível nas redondezas trabalhado a menor custo, duas funções distintas lhe são atribuídas:
a) São testemunhas físicas de compropriedade (ou não) e atestam o alinhamento da trave-cumeeira e o grau de inclinação das duas águas de dela desciam.
b) São protetoras do habitáculo inicial mais baixo, desviando as águas escorridas da parede levantada posteriormente sobre a que já existia.
I PARTE
E vem tudo isto a propósito do complexo de MORADIAS EM RUÍNAS que, em Cujó, foram pertença herdada e comprada de SALVADOR DE CARVALHO e de GABIELINA PEREIRA, transmitidas, por herança, aos SETE filhos que ali foram criados. Com muita honra e sacrifício por parte de pais e filhos.
Já sobre elas muito escrevi eu e também fiz um vídeo, carregado de sentimentalismo, que alojei no Youtube, a que dei o significativo título “A LURA”. Significando com isso que não reneguei a propriedade herdada (tal com os meus irmãos) nem a esvaziei dos afetos, lembranças, carinhos, ensinamentos que estruturaram o caracter pessoal e familiar que dentro delas todos obtivemos, valores morais e éticos vindos de pai e mãe, que se tornaram mais firmes e aprumados do que, como se vê, as paredes e os telhados onde foram ensinados e educados.
Não é retórica. Está tudo à vista. As paredes estão a ruir, é certo, mas haja quem aponte a qualquer membro da família CARVALHO algo contrário à lei e ordem que resulte em prejuízo comunitário, como se pretendeu fazer ultimamente em alguns posts no FACEBOOK, na presunção errada de que o alpendre aberto sob a casa de varanda que integra essa complexo de moradias, seria “caminho público”.
Urge, pois, esclarecer a “comunidade facebookiana” da verdade histórica e habitacional desse complexo de moradias, a fim de ela não esquecer que, no atual ESTADO DE DIREITO PORTUGUÊS, ainda está contemplado o direito à «PROPRIEDADE PRIVADA».. Aquela que vem dos tempos de “amigos e vizinhos” de carne e osso, amigos de verdade, diferentemente dos “amigos virtuais”, tantos eles são, neste mundo da Internet, cujas amizades se espelham no palpitar dos «emogis» em forma de coração “pum...pum...pum”, agradáveis de ver, rápidos a partilhar, mas vazios de sentimentos e de verdade social..
É isso. Mas, para “comecilho” de novelo, vou repescar parte do texto que, há anos, pus no mundo com a verdade, a dignidade e o sentimento de quem não renega as origens e respeita os seus progenitores e vizinhos amigos. O que se segue foi publicado em 29 de maio de 2015:
QUINTA DAS CELEBRIDADES
E em 23 de dezembro de 2015, quando passava num dos canais de TV o programa “QUINTA DAS CELEBRIDADES”, com a carga de ironia que se impunha, face á ignorância total dos intervenientes das lides do campo, escrevi e publiquei no meu site e mural do Facebook, o seguinte:
«Lá no cimo da casa, o cata-vento representa um cavalo galopando a galopar sempre contra o vento. Porém, nessa constante galopada, talvez por sua sina malfadada, no mesmo sítio vai sempre ficando, resistindo às agruras do relento. Tal como o de um almocreve que passa, em árdua caminhada ao sol ardente, é digna de pena a sua carcaça. Porém, quando cai a neve branca e fria, ele transforma-se em peça de valia, pois, engordado, assim de repente, vira um puro árabe, distinta raça. Aos ventos violentos da invernia é besta indomável e selvagem que se encabrita, salta e rodopia. Porém, na quietude da nevada, é fera mansa bem domesticada, representando mais uma imagem deste seu mudar-se dia após dia. Os invernos passam e primaveras, verões, outonos e tempos mais e nele fingindo vou mil quimeras. Porém, mais não finjo, se o pensamento, no fatal mudar-se do cata-vento, vê o retrato fiel de homens tais, cuja inexistência... mais valera.
Desenhado e talhado por mim, quando tinha cerca de dezasseis anos de idade. (...) saí da terra, andei por longe. E se cavalo e cavaleiro, presos à sua função, não saíram dali, cavalgando aos quatro ventos, se os pontos cardeais que indicavam tinham por limite físico o horizonte visual que dali vislumbravam, o jovem artista (eu próprio) sabendo que Portugal ia do Minho a Timor, cavalgou distâncias, sonhos, memórias, continentes, oceanos, outras histórias imaginadas e reais. Aquela prima-obra, exposta assim ao público, para além da sua função primária, cata-vento, era Afonso Henriques, a combater a moirama com arte e manha, cinco reis mouros degolados, façanha sem igual, como dizia a História de Portugal, ou, então, Carlos Magno, Rolando, Ferrabrás de Alexandria e companhia, os «Doze Pares de França», romance perdido na aldeia e lido aos serões em redor da candeia nos intervalos de estórias com bruxas e lobisomens.
Alargados os horizontes, dobrado o equador, conhecido o mundo antigo e moderno, tornou-se, Alexandre, o Grande, o rei Artur, Lancelot, todos os cavaleiros da távola redonda, mais D. Quixote, cavaleiro andante, El Cid, o Campeador, Napoleão, conquistador, espada na mão canhota, bandeira desfraldada, posição de ataque, avante, avante, para trás ficavam os moinhos de vento, muita cambalhota, o trabalho de sol a sol e o mais que sobra, os calos da enxada, as alegrias e reveses das batalhas ganhas em prol da vida digna que, ao tempo em que nasceram artista e obra, era negada à maioria dos portugueses.
Passaram 50 anos. «Tens de ir a Cujó dar comida ao cavalo, Abílio, olha que ele ainda lá está», disse-me uma vizinha da casa de meus pais, que, recentemente, se cruzou comigo na vila e se lembra ter sido eu que fiz aqueles inseparáveis companheiros de viagem.
Fui lá e confirmei. De pé, como quem diz «aqui morro, daqui não saio», ferrugento, manchas acastanhadas, perdida a cor branca que o confundia com as nuvens-algodão das trovoadas e vessadas de Maio, lá estava o cavalo. Eia! Meio século a galopar contra ventos e marés. Resistentes, cavaleiro e montada, assistiram ao nascimento e morte dos vizinhos. Envelhecimento e enterro dos donos da casa, os meus pais, Salvador de Carvalho e Gabrielina Pereira. Assistiram à saída da sua prole inteira a governar vida, sete ao todo, quatro rapazes e três raparigas. Viram-nos abandonar o ninho materno,a lura, um por um, até os pais ficarem sós. «Para que cria uma mãe uma ninhada de filhos»! São as implacáveis leis da natureza alargadas a todos os progenitores. Sempre na procura de nehor vida e mais bem estar que as políticas nacionais não permitiam.
Cavalo e cavaleiro assistiram ao desabitar das casas, apodrecimento do colmo, queda das armações e telhas, ao esburacar das paredes, espaços esventrados sem portas nem vedações. As entradas e logradouros de terra batida, outrora puídos de esperança, de movimento e labuta, escanadas, desfolhadas, pilhas de lenha, serões ao luar, são hoje um lameiro maltratado, mais parecendo um jardim em redor de casa abastada. Algumas portas, apenas. A da loja dos porcos e da loja do gado fechadas com um cravelho de madeira em forma de cruz latina: braço vertical fixo e horizontal corrediço. À morte de tudo, sobrevive este sinal arqueológico de seriedade e confiança que havia entre vizinhos. Agora, nos meios urbanos, é só alarmes, duplas fechaduras, tudo fechado a sete chaves. E o medo vai chegando ao campo. Mas, pensando melhor, o que é que havia, então, para roubar? Paga que era a décima às Finanças, de que haveres dispunha o pobre honesto que atraísse o pobre ladrão, para além de uma réstia de cebolas ou um naco de toucinho para adubar uma panela de caldo? Mas havia ladrões, sempre os houve. Eram diferentes dos de hoje. Prantando-se nas encruzilhadas dos caminhos - «ou a bolsa ou a vida» - arriscavam a pele e a identidade. Podiam malhar com os ossos na cadeia comarcã. Hoje, a par dos assaltantes que entram nas dependências bancárias descobertos ou encapuzados, que se escapam em motas e carros de alta cilindrada por essa Europa fora, nós, por força de vivermos em comunidade civilizada, num Estado de Direito, todos sabemos quem nos mete a mão na algibeira e, sem eles pedirem licença nem nós darmos permissão, levam, por via legal e sem correr quaisquer riscos, quanto querem e lhes apetece.
Deambulei pela aldeia, pelos arredores e, também, pelas casas dos meus pais, pelos espaços onde nasci e cresci, com a velhice, a tristeza e a morte a espreitarem nos buracos por onde já espreitou juventude, alegria e vida: a «casa da cozinha» por cima da «loja das cabras»; nesta loja uma legenda gravada a pico numa pedra: «ano de 1946 S.C.»; a «casa do relógio» por cima da «loja das vacas»; a «casa da costura» por cima da «loja dos porcos»; o «palheiro das vacas» por cima da «loja do gado»; o «palheiro do gado» na antiga «casa da cozinha», o «cortelho», tudo feito em pedra solta de mistura com cantaria, exemplo da arquitetura rural histórica, construções com recurso aos materiais locais - pedra, madeira e colmo - hino à inteligência humana na luta pela sobrevivência. A maioria das portas, quando as havia, tinham ferrolho de madeira. A «casa da varanda», com os seus dois alçados de «taipa» e «casa de banho com sanita» destoam claramente do contexto tradicional, mas completam este aglomerado de construções, espaços de habitação, palheiros, arrumações e lojas onde, sensíveis tímpanos registam ainda os cuidados e angústias dos adultos, as orações antes e depois das refeições, o terço à noite, a prole prostrada de joelhos, olhos fixos na estampa do Sagrado Coração de Jesus e da Virgem Maria, na «casa do relógio», a pedir que a «Roda da Sorte» se incline para o número da cautela inserida de lotaria. Não inclina. Roda a roda e nicles. O requerimento assinado de joelhos, mãos postas em prece, por meia dúzia de anjinhos inocentes, não mereceu deferimento. Que ingenuidade! Que disparate! Trabalhem, «quem não trabuca não manduca!». E trabalharam, grandes e pequenos para não faltar pão no açafate.
(...)
Pessoas por cima, animais por baixo. Qual «Quinta das Celebridades» qual nada! O que teriam de aprender ali aqueles figurões e figuronas que recebem milhões para fingirem ser donos e donas do campo, pessoas amigas da terra e dos animais? Celebridades! Que riso me dá ver o espanto de algumas delas ao verem uma galinha agachar-se para saborear a galadela. Olhos esbugalhados a verem nascer uma cria, vitelo ou vitela. Que anjinhos, que atados a tirarem o leite às vacas e às cabras. Celebridades! Que esgares a mexer na bosta, que comentários pacóvios sobre o desejado fertilizante da terra e do pão, que jeito de pegar na forquilha e na enxada, que artificialismo a lidar com a terra-mãe e a falar com os animais. Uma brincadeira! Ali, na casa dos meus pais, a interdependência de pessoas e animais, a necessidade de convivência sob o mesmo teto anos seguidos, uma vida inteira de trabalho e de interajuda, impunha autenticidade e consideração. A troco de leite, de lã, de tração de charrua, de carros e carretas, pastos, alimentação, pastoreio, trato. Os afetos das pessoas estendiam-se ao gado, à criação e se uma rês tinha de marchar para a feira, por ser velha ou porque o impunha a amortização de uma letra no Banco, se um cabrito ou um cordeiro, bengala atirada ao pescoço pelo cabriteiro, deixavam a loja a troco de dinheiro, não era sem pena do pastorinho, às vezes com lágrimas nos olhos. Quem não via a cabra chorar à partida da cria? Que ser humano disso se não condoía?
A mirar aqueles espaços, alumiado pela fluorescente luz da memória e dos afetos, vejo as escaleiras para as duas hortas, a das couves e a da retrete, que mosquedo, que cheiro! Ao lado o enorme castanheiro, depois derrubado, onde centenas de pardais, qual couto autárquico, cada um a em busca de poleiro, se recolhem à noite e acordam de manhã, em anárquico e desconcertante chilreio. Vejo o escuro, a manta negra da noite cobrir a aldeia, vejo o raiar da aurora, as orvalhadas da manhã. Tempos de outrora, a montureira de estrume a fumegar na quintã e no buraco da parede um ninho. Bebo a água do caneco trazida do fontanário público ou da fonte de chafurdo do Salgueirinho. A pia do cão, junto à soleira da porta, está limpa de lambida. As paredes da cozinha, forradas com o negro verniz do fumo, ilustram séculos de uso e de humanidade. Estamos nos meados do século XX.
Passaram 50 anos. Casas à beira de ruína. História. Vida. Afetos. Alegria. Trabalho. Lágrimas. Lágrimas de alegria, de dor, de vida e de despedida. Viseu? Mas que longe! Coimbra, onde é isso? Lisboa, é o cabo do mundo. África, terra de negros, saudades mil, adeus até à eternidade. E assim seria se não fosse o 25 de Abril (...) Colonização. Guerra. Descolonização (...)
Dos sete herdeiros nenhum se prendeu de saudades ao lar paterno, a pontos de o conservar e habitar, depois dos progenitores finados. Não senhor. Todos arranjaram melhor, outra arquitetura, outro gosto. Estão lá as casas que fui ver. Em jeito de despedida, dos canastros olho mais uma vez o cata-vento no seu posto. Cinquenta anos ali! E sessenta e seis se passaram depois de eu ter nascido ali. (...)
A 66 anos de lonjura, ouço por aí dizer que antigamente é que era bom, cegos à mudança e à realidade que os cerca. Se assim era, se assim o entendem e sentem, já que era bom viver com tais facilidades, eis um criado às vossa espera. Estou pronto a indicar-vos o sítio que descrevi, onde nasci e cresci. VENDE-SE, podem passar ali umas férias regaladas, fazer ali a nova «Quinta das Celebridades» .
II PARTE
Aqui chegados, vamos ao assunto que me trouxe cá, relacionado com essas mesmas moradias, na certeza de, nos longos textos transcritos, ter deixado bem claros os afetos de que estão impregnadas todas aquelas ruínas - paredes, portas, janelas e logradouros- e o respeito que lhes merece a memória dos pais, tios e avoengos que por ali arrastaram as suas vidas.
Claro que, dada a situação de ruínas a que chegaram as moradias de sobrado, lojas, palheiros, cozinhas e alpendre para arrumação de lenhas e alfaias agrícolas, um livro aberto ao mundo, várias serão as suas leituras. Digamos que para todos os gostos. Uns verão ali os efeitos tempo na natural avidez de destruir o património edificado, castelos, igrejas, moradias, palheiros e currais (na cidade e no campo, «partout, everwere, por toda a parte»).
Uma telha caída hoje, outra amanhã, seguida de um caibro ou tábua de soalho, sem que os herdeiros ausentes as repusessem, o património entrou forçosamente em ruínas e, consequentemente, no pequeno burgo aldeão, a transmudar-se em “muros de lamentações”, de orações nem sempre ausentes de ocultos interesses.
Outors, mais complacentes, quiçá, mais bem informados e formados, lerão naquelas ruinas um HINO DE GLÓRIA E DE SUCESSO da prole que ali foi criada , a pontos de, todos os herdeiros, nos caminhos da vida , terem optado por habitações mais conformes com os seus gostos, funcionalidade profissional, sem necessidade de investirem e restaurarem a LURA onde foram nados, criados e educados.